Francisco Teixeira - Económico
Ex-presidente está ao lado de militantes do PS e do Bloco de Esquerda no apelo a um “novo rumo”.
"Não podemos saudar democraticamente a chamada rua árabe e temer as nossas próprias ruas e praças. (...) Apelamos à participação política e cívica e à sua mobilização na construção de um novo paradigma". Em duas frases, este grupo de homens de esquerda liderado por Mário Soares apela aos que se opõem "a políticas de austeridade que acrescentam desemprego e recessão, sufocando a recuperação da economia" de forma a travar "a imposição da política de privatizações num calendário adverso" e o "recuo civilizacional na prestação de serviços públicos essenciais" como é o caso da saúde, a educação, a protecção social e a dignidade no trabalho.
Ao lado de Mário Soares neste apelo contra a mobilização dos portugueses, na rua, contra a agenda que a ‘troika' impõe a Portugal estão os deputados socialistas Isabel Moreira e Pedro Delgado Alves, a militante do Bloco de Esquerda Joana Amaral Dias, o ex-ministro José Medeiros Ferreira e o sociólogo Pedro Adão e Silva, entre outros.
Além de uma avaliação muito crítica da reacção europeia à actual crise, os signatários deste texto defendem que as "correntes trabalhistas, socialistas e social-democratas adeptas da terceira via, bem como a democracia cristã, foram colonizadas na viragem do século pelo situacionismo neo-liberal".
Em vésperas da rua se mobilizar em torno da greve geral de amanhã, estes signatários apelam a "toda essa multidão de aflitos e de indignados" que "espera uma alternativa inovadora que só a esquerda democrática pode oferecer" contra a "escalada da anarquia financeira internacional" e o desmantelamento dos estados que colocam em causa a sobrevivência da UE".
Artigo de Mário Soares:
Um novo rumo
Mário Soares
Este é o momento de mobilizar os cidadãos de esquerda que se revêem na justiça social e no aprofundamento democrático como forma de combater a crise.
Não podemos assistir impávidos à escalada da anarquia financeira internacional e ao desmantelamento dos estados que colocam em causa a sobrevivência da União Europeia.
A UE acordou tarde para a resolução da crise monetária, financeira e política em que está mergulhada. Porém, sem a resolução política dos problemas europeus, dificilmente Portugal e os outros Estados retomarão o caminho de progresso e coesão social. É preciso encontrar um novo paradigma para a UE.
As correntes trabalhistas, socialistas e sociais-democratas adeptas da 3ª via, bem como a democracia cristã, foram colonizadas na viragem do século pelo situacionismo neo-liberal.
Num momento tão grave como este, é decisivo promover a reconciliação dos cidadãos com a política, clarificar o papel dos poderes públicos e do Estado que deverá estar ao serviço exclusivo do interesse geral.
Os obscuros jogos do capital podem fazer desaparecer a própria democracia, como reconheceu a Igreja. Com efeito, a destruição e o caos que os mercados financeiros mundiais têm produzido nos últimos tempos são inquietantes para a liberdade e a democracia. O recente recurso a governos tecnocratas na Grécia e na Itália exemplifica os perigos que alguns regimes democráticos podem correr na actual emergência. Ora a UE só se pode fazer e refazer assente na legitimidade e na força da soberania popular e do regular funcionamento das instituições democráticas.
Não podemos saudar democraticamente a chamada "rua árabe" e temer as nossas próprias ruas e praças. Até porque há muita gente aflita entre nós: os desempregados desamparados, a velhice digna ameaçada, os trabalhadores cada vez mais precários, a juventude sem perspectivas e empurrada para emigrar. Toda essa multidão de aflitos e de indignados espera uma alternativa inovadora que só a esquerda democrática pode oferecer.
Em termos mais concretos, temos de denunciar a imposição da política de privatizações a efectuar num calendário adverso e que não percebe que certas empresas públicas têm uma importância estratégica fundamental para a soberania. Da mesma maneira, o recuo civilizacional na prestação de serviços públicos essenciais, em particular na saúde, educação, protecção social e dignidade no trabalho é inaceitável. Pugnamos ainda pela defesa do ambiente que tanto tem sido descurado.
Os signatários opõem-se a políticas de austeridade que acrescentem desemprego e recessão, sufocando a recuperação da economia.
Nesse sentido, apelamos à participação política e cívica dos cidadãos que se revêem nestes ideais, e à sua mobilização na construção de um novo paradigma.
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