sexta-feira, 3 de agosto de 2012

“BANDO DE MENTIROSOS”, MOSTRA DE INCOMPETÊNCIA É MANCHETE




Relatório sobre fundações tem erros mas Governo descarta responsabilidades

Marisa Soares - Público

O relatório de avaliação das fundações divulgado pelo Governo tem erros, nomeadamente na identificação de algumas instituições e no respectivo número de beneficiários. A Tutela, porém, diz que “não há qualquer erro” no documento, ressalvando que “eventuais imprecisões, caso sejam apuradas” são imputáveis a “deficiências” na informação prestada pelas entidades avaliadas.

O documento foi publicado ontem e as reclamações não tardaram. A Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), por exemplo, foi identificada como sendo pública, quando na verdade é totalmente privada e “não recebe apoios do Estado para a sua gestão e funcionamento”, esclarece a instituição em comunicado.

Sobre essa falha, o secretário de Estado da Administração Pública, Hélder Rosalino, esclarece por email que a classificação jurídica da fundação já foi alterada e resultou de “diferentes interpretações de análise”. Esta “questão”, afirma, não terá “qualquer influência no sentido da avaliação/resultados da fundação”. O grupo de trabalho que avaliou as fundações atribuiu à Gulbenkian 53,5 pontos em 100.

Mas a FCG não se fica por aqui nos pedidos de esclarecimento. No comunicado, sublinha ainda que o valor inscrito no relatório como apoios financeiros públicos recebidos – 13,4 milhões de euros entre 2008 e 2010 – destinou-se “exclusivamente” a apoiar a investigação científica e projectos sociais e de ajuda ao desenvolvimento, realizados em parceria com organismos públicos.

No documento, discrimina os valores gastos, por áreas de projecto: para investigação e divulgação de Ciência, foram gastos 8,2 milhões de euros; para projectos de apoio ao desenvolvimento foram encaminhados 2,5 milhões de euros; e na área social foram investidos 1,04 milhões de euros. Os restantes1,6 milhões de euros foram destinados a outros pequenos projectos que tiveram o apoio da fundação, segundo fonte oficial da instituição.

Culturgest não forneceu dados sobre beneficiários

Também nos dados que serviram de base à avaliação da Culturgest, Fundação da Caixa Geral de Depósitos, existe uma “insuficiência”, admite o Governo. Segundo a tutela, foi “a própria fundação que não introduziu devidamente os dados”, mas já solicitou a correcção.

A fundação reconhece a falha, que resultou de um “erro de interpretação no preenchimento dos documentos” enviados para o Grupo de Trabalho das Fundações. A instituição não introduziu os dados relativos aos beneficiários da sua actividade durante aquele triénio. Segundo fonte oficial da Culturgest, entre Abril de 2008 (mês em que foi criada) e o final de 2010 participaram nas actividades promovidas pela fundação 213.886 pessoas.

O secretário de Estado não diz, porém, se neste caso pode estar em causa a avaliação dada à fundação, que teve a pior nota entre as fundações ligadas à banca. Em 100, recebeu 39,8 pontos. Entre 2008 e 2010, a Culturgest recebeu apoios financeiros públicos no valor de quase 12 milhões de euros.

A Fundação da Universidade de Lisboa (FUL) também já reagiu numa carta aberta enviada ao primeiro-ministro, na qual manifesta uma “enorme surpresa” com o resultado da avaliação. O grupo de trabalho atribuiu a esta instituição 7,8 pontos numa escala de 0 a 100.

Ponto por ponto, a FUL rebate todos os aspectos que foram avaliados, “com base em critérios, ponderações e dados duvidosos ou incorrectos”, considera. Na carta, assinada pelo reitor da UL António Sampaio da Nóvoa, a instituição elenca os vários erros que encontra no relatório, nomeadamente sobre o valor patrimonial da instituição e o montante recebido do Estado de 2008 a 2010.

O valor patrimonial inicial da fundação está a zeros, quando “na verdade” esse valor corresponde a 12.500 euros, esclarece a instituição. E o valor patrimonial em 2010 referido no relatório também não corresponde à realidade, segundo a FUL – era de 949.464 euros, e não de 14.470 euros.

“Nos apoios financeiros recebidos, onde consta o valor de 12.617.733 euros, a FUL recebeu efectivamente zero euros”, contesta, para depois esclarecer: “Os valores referidos resultam de candidaturas a projectos de investigação nacionais e internacionais a que a FUL se candidatou, não se podendo confundir com apoios ou subsídios à sua actividade.”

A fundação explica ainda que não preencheu o campo relativo ao número de beneficiários porque é “difícil enquadrar com absoluto rigor este indicador”. Mas na carta, acaba por indicar o número de utentes – 300 – e de beneficiários directos – no total, 444.463.A fundação contesta também a pontuação zero atribuída em diversos critérios, como a “pertinência/relevância”, “eficácia” ou “sustentabilidade”, entre outros. E conclui que não se revê “minimamente” na avaliação feita pelo grupo de trabalho do Governo nem na pontuação final obtida, solicitando a “reponderação” da mesma.

Bienal de Cerveira fala em "avaliação arbitrária"

A Fundação Bienal de Cerveira junta-se à lista de reclamantes e diz que está a preparar uma exposição para contestar a avaliação que lhe foi feita, nomeadamente por apenas ter abrangido seis meses de actividade.

Em comunicado, aquela fundação contesta o facto de a avaliação do Governo ter sido realizada com dados “insuficientes”, uma vez que esta instituição obteve o seu reconhecimento apenas em 2010 e, “na realidade”, iniciou a sua actividade em 2011.

“Assim, dado que a apreciação se reporta ao triénio 2008-2010, os resultados da avaliação apenas concernem a seis meses de actividade de instalação da fundação, período manifestamente insuficiente para se ter uma real fotografia da mesma”, lê-se no comunicado.

Na avaliação, a fundação obteve 33,5 pontos. A fundação liderada José Manuel Carpinteira (presidente da Câmara da mesma autarquia) e responsável pela organização da Bienal Internacional de Arte de Vila Nova de Cerveira vai contestar a “fiabilidade” deste resultado. E considera que a avaliação foi “arbitrária”, pois “não foram antecipadamente conhecidas as regras da mesma”.

Notícia actualizada às 21h35: actualiza informação sobre destino de uma parte dos apoios recebidos pela Gulbenkian

*Título PG

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