quarta-feira, 1 de agosto de 2012

TUDO ISTO É TRISTE TUDO ISTO É FADO



Baptista-Bastos – Diário de Notícias, opinião

Um clamor indignado acolheu a frase de Pedro Passos Coelho: "As eleições que se lixem!" Interpretações das mais desvairadas, ao correr de quem as fez, transformaram uma anedota sem importância num relevante facto político. Em outro local referi-me, levemente, ao episódio, lembrando Natália Correia e, acaso, o que ela diria, numa gazetilha sarcástica. Mas a pátria está soturna e toma como austeras as situações mais insignificantes.

Os chefes políticos de todos os quadrantes, que me parecem cada vez mais equivocados, logo se serviram da frase para glosar os seus efeitos. Não criticaram Passos pela incompetência agressiva, tornada evidente e perturbadora: cercaram-no por ter utilizado uma metáfora invertebrada.

O Marcelo, sempre pugnaz, admitiu que a culpa pertencia, por inteiro, aos assessores de imagem, qualificando, indirectamente, Passos Coelho de imbecil, por dizer o que outros querem que diga; e os adjuntos de inaptos, por teorizadores sem atractivo, e obrigarem Passos Coelho a falar como um robô.

É claro que ninguém vê Salazar, Craveiro Lopes ou Américo Tomas (que Deus os tenha no seu eterno regaço) a proferir tal ou tais asserções; nem mesmo Eanes, Sampaio ou Cavaco nestes despautérios. Soares será, talvez, bem capaz; mas fá-lo e di-lo com a mesma naturalidade desenvolta com que ao "gajo" aludia.

Nuns encontros de inteligentes com que, sobretudo a SIC, nos brinda, em programas marcados pela leviandade ou pelos erros históricos que os habituais preopinantes representam, a frase de Passos tem sido alvo de chacota. À ausência de assunto sobrepuja a risada, a futilidade, a cultura minimalista de revistas e jornais na moda. O enfado, o tédio apossaram-se dessas criaturas, reencarnações do Gouvarinho, do Palma Cavalão, do Acácio. No fundo, elas mimetizam-se a si próprias, e são incapazes de reprovar ou satirizar o sistema porque é o sistema que as produziu e alimenta. Quase todas já serviram a dois amos, e saltam de partido e de convicção com a celeridade da indecência e a indiferença dos oportunistas.

Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado. Diz a letra, e confirmam os actos. Passos Coelho tem nas mãos um brinquedo chamado Portugal. Não foi tocado pelos benefícios da imaginação, nem pela graça do talento: é um político medíocre, infenso a escutar os apelos da razão e os impulsos da sensibilidade. Em seu amparo, talvez, a voz de tenor; mais nada. O vazio desta triste mas perigosa existência poderia, possivelmente, constituir motivo bastante para comentários demolidores, porém pedagógicos. Nada disso acontece. O País está pobre porque ele assim o quis e proporcionou pelo sofrimento e pela prepotência. Com perdão da palavra, Pedro Passos Coelho não é uma questão política. É um problema moral.

(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)

Sem comentários:

Mais lidas da semana