Carvalho da Silva –
Jornal de Notícias, opinião
As imagens que nos
últimos dias nos chegaram de Espanha devem constituir mais do que um grito de
alerta. Elas exigem profunda reflexão e convidam a uma redobrada predisposição
para agirmos contra a injustiça e a violência das políticas que nos estão a ser
impostas.
A loucura que
sustenta essas políticas choca com os direitos no trabalho, com os direitos
sociais, com os direitos humanos, com as nossas culturas, com a democracia, com
a estabilidade dos estados e o relacionamento saudável entre povos e estados,
que se exige solidário e respeitador da soberania.
A divisão dos
países da União Europeia (UE) em credores e devedores, dicotomia que se
transporta também para a execução das políticas concretas em cada país - os
trabalhadores e o povo são sempre devedores - é absolutamente criminosa e
portadora de genes que podem desencadear conflitos inimagináveis.
Já se começou a ver
que podem surgir complexas perturbações na unidade e funcionamento do Estado
espanhol, mas este não é um problema exclusivo do nosso grande vizinho. Uma
instabilização mais profunda da UE desencadeará situações graves em vários
países.
Quando as políticas
abandonam o ser humano - na sua dimensão individual e coletiva, e nos valores
que estruturam a igualdade - e se instala a conceção de que há indivíduos que,
por esta ou aquela razão, têm de ser sacrificados ou excluídos, não mais para a
harmonização das condições de vida pelo retrocesso, não param as discriminações
no seio de um povo ou entre povos, não param as agressões aos mais elementares
direitos.
As
"razões" a cada momento invocadas podem ter origem económica,
cultural/comportamental, ou sócio/política. Desaguarem ou não em guerras é uma
questão de tempo e, por consequência, de haver ou não, em tempo útil, um
despertar e uma ação coletiva que trave o desastre.
Como todos sabemos,
esta maldita crise tem origem nas práticas desonestas e oportunistas dos
grandes acionistas dos bancos e dos grupos económicos. Os bancos atiraram
dinheiro para a sociedade, num processo especulativo que só eles
"controlavam", visando o enriquecimento acelerado e desmedido de
alguns e com a certeza de que a qualquer momento o povo poderia ser acusado de
"viver acima das suas possibilidades".
Induziram
endividamentos, fomentaram a facilidade dos créditos, enredaram as pessoas e
muitas empresas pequenas e médias em dependências e aprisionamentos diversos,
designadamente manipulando mercados e preços de produtos e bens associados ao
estilo de vida dominante. As "bolhas" com que a crise se expressou
rebentaram de tão inchadas de crédito fácil.
Agora impõem-nos
premência no pagamento das dívidas, aumentam-nas por processos especulativos
através de juros imorais. A dimensão do saque é exatamente igual à dimensão do
empobrecimento dos povos.
Esta maldita crise
prolonga-se porque os pirómanos que a incendiaram se colocaram de imediato nos
postos de comando, encenando que a estão a combater, quando, de facto, atiram
sobre ela cada vez mais material altamente inflamável. Ao despejarem
austeridade e sacrifícios sem fim sobre os trabalhadores e o povo, sabem bem
que estão agravando a crise.
Este incêndio podia
ter sido contido se quando deflagrou houvesse sensatez, abandono das políticas
que lhe deram origem e responsabilização dos que atearam o fogo. A ganância, a
insensatez, a iniquidade dos genes fundamentais do sistema capitalista, os
interesses egoístas de uma classe dominante, predominaram e continuam a
predominar.
Semearam ventos e
vão colher tempestades. Mas, no meio do processo, são sempre os povos que
sofrem!
Não podemos tolerar
por mais tempo esta escabrosa experimentação social a que vimos sendo sujeitos.
Trata-se da insistência numa espécie de crença, afirmada quantas vezes com
laivos de insanidade mental, que não está muito distante de opções desastrosas
observáveis na galeria de horrores da humanidade.
É tempo de
mobilização dos povos contra o retrocesso civilizacional e as várias expressões
de belicismo em que nos querem meter.
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