sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A austeridade é "uma asfixia da economia", acusam líderes da esquerda europeia em Lisboa

 

Clara Barata – Lusa - Público
 
“Vencer a troika” é o mote do comício internacional que abre esta sexta-feira, às 21h30, a VIII Convenção Nacional do Bloco de Esquerda, em Lisboa. Líderes da Izquierda Unida espanhola, da Front de Gauche francesa e do Die Linke alemão trazem a Lisboa as suas ideias – e a defesa da necessidade de alternativas “à asfixia da economia pela austeridade”, como disse ao PÚBLICO o francês Jean-Luc Mélenchon.
 
Todos os líderes com quem o PÚBLICO falou por e-mail criticam a atitude dos partidos representantes da social-democracia nos seus respectivos países, que participam no jogo da austeridade. “A austeridade não vai ajudar país nenhum. Só conduz a mais depressão”, afirmou Gabriele Zimmer, do Die Linke (A Esquerda) alemão.

“Mas há cada vez mais pessoas a começar a compreender que a austeridade não está a funcionar. O problema é que Angela Merkel não fala de como a Alemanha beneficia de ser membro da União Europeia. Apresenta-se como a defensora dos contribuintes alemães, usa este assunto como tema na campanha eleitoral [tem eleições no próximo ano, e espera ser reeleita chanceler pela terceira vez].”

A chanceler Angela Merkel, diz a política alemã, quer ganhar tempo. Por isso o pedido de mais cinco anos de austeridade na Europa não surpreendeu Zimmer: “Ela quer ter mais tempo para impor o modelo alemão e a nossa desastrosa reforma do mercado de trabalho ao nível europeu”, afirma. “Se ela não alterar esta obsessão com a austeridade, a crise vai continuar – sob condições de austeridade, países como Portugal e a Grécia, bem como alguns países da Leste da Europa, não serão capazes de resolver os problemas de dívida.”

Povos uns contra os outros

As consequências de prosseguir esse caminho como se fora uma fé podem crescer como uma bola de neve, avisa Jean-Luc Mélenchon, o ex-candidato à presidência da República, quando o PÚBLICO lhe pediu para imaginar o que poderia acontecer na Europa se a austeridade se prolongasse por mais cinco anos, como Merkel pediu: “O abrandamento da actividade [económica] e a subida do desemprego vão fazer crescer as tensões sociais em cada país e entre as nações. A contracção geral dos rendimentos e o recuo da protecção social virarão os povos uns contra os outros”, previu.

“As medidas de ajustamento e os cortes demonstraram ser um rotundo fracasso”, diz Cayo Lara, dirigente da Izquierda Unida, de Espanha, um país que formalmente ainda não pediu um resgate financeiro, mas onde estão em vigor políticas idênticas às que seriam necessárias em caso de ajuda de emergência da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI).

“Na prática, a Espanha já está tutelada, já foi intervencionada. As políticas que aplicaram os governos do Partido Popular (PP) e o Partido Socialista (PSOE) eram ditadas a partir do estrangeiro. Mais do que um resgate, poderíamos falar de um sequestro, porque são políticas que estão a fazer estragos tremendos e cujas consequências podem ser desastrosas para o presente e futuro do nosso país”, disse, por e-mail.

E as alternativas que esta esquerda à esquerda social-democrata que consegue chegar ao poder na Europa, existem realmente? “Sim, existe uma política alternativa”, garante Jean-Luc Mélenchon, que fala na necessidade de um novo fôlego, um relançamento para dar novo fôlego à economia. “Esta política é defendida por vários prémios Nobel da Economia (Joseph Stiglitz, Paul Krugman) e por economistas keynesianos em toda a Europa”.

“As políticas neoliberais estão a ser inúteis e estão a destruir o Estado Socail. Precisamos de uma volta de 180 graus e regressar à Europa social, à Europa comprometida com os seus cidadãos e não com os mercados. O contrário conduzir-nos-á a um buraco cada vez maior”, considera o líder da Izquierda Unida espanhola.

Cayo Lara detecta uma falta de vitalidade no sistema político tradicional espanhol, que não destoa deste diagnóstico de Mélenchon. “O bipartidarismo em Espanha, do PP e do PSOE, é um dos principais responsáveis pelo cansaço e desafecto dos cidadãos em relação aos partidos políticos”, afirma.

A recusa social-democrata

O problema, sublinha o político francês, que já foi ministro pelo PS, é que os sociais-democratas e socialistas europeus não se convencem da viabilidade desta alternativa. “É a recusa da social-democracia europeia em discutir uma outra política que cria o impasse, em todo o lado”, acusa. “A Frente de Esquerda está pronta ao diálogo e a aplicar ela própria esta política de relançamento e planificação ecológica em termos de energia e indústria. Mas pôr em prática esta nova política não é algo que se possa fazer por acordos de alto nível entre os partidos”, diz. “A mudança necessária exige um envolvimento popular contra os privilégios do mundo da finança e em defesa do interesse geral, a que nós chamamos Revolução Cidadã”, explica.

Na Izquiera Unida, busca-se também a vitalidade que nasce de movimentos como os indignados, que nasceram fora de conotações políticas e normalmente buscam a distância das forças políticas. “Na Izquierda Unida recebemos o surgimento dos movimentos de Indignados como um sopro de ar fresco e como um impulso para a democracia. Serviram para que a sociedade voltasse a preocupar-se com a política”, declara Lara.

“Muitos dos nossos militantes participaram nestes movimentos desde o início, por isso sempre fomos bem acolhidos”, afirma. Muitas das coisas que exigem são reivindicações nossas de há muito tempo. Não queremos ser protagonistas, mas estamos conscientes do papel que temos e da capacidade que nos dão as instituições: é inquestionável o papel da Izquierda Unida no Parlamento, oferecendo propostas e alternativas para os problemas que esses movimentos denunciam”, afirma o líder político espanhol.

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