domingo, 25 de novembro de 2012

Brasil: O MODO SUPREMO DE GOVERNAR

 


Nunca antes na história do Supremo coube a um presidente um papel tão decisivo para fazer ou evitar que o STF se torne uma caixinha de surpresas. Em que medida se respeitará o processo democrático, o Executivo e o Legislativo, que são poderes compostos por representantes eleitos, ou a que ponto se aprofundará a judicialização da política?
 
Antonio Lassance* – Carta Maior
 
A chegada de Joaquim Barbosa à presidência do Supremo Tribunal Federal deve ser vista como um dos legados mais importantes da presidência Lula. Sua indicação se deu no âmbito da política de inclusão racial daquele governo. Representou uma oportunidade inestimável para que o povo brasileiro tivesse a chance de associar a figura do negro ao poder, ao exercício de funções públicas de grande relevância, ao prestígio social e a tudo o que, sempre, na história do Brasil, foi utilizado como instrumento de submissão, exclusão e punição contra os próprios negros. Mas a presidência Joaquim Barbosa também merece ser vista pelas implicações institucionais que vão muito além dessa dimensão simbólica crucial.

Nunca antes na história deste país um presidente do Supremo teve tanta ascendência sobre os demais ministros.

A vantagem é que se Barbosa usar seu prestígio para destravar temas polêmicos, pode prestar um grande serviço a causas sociais que normalmente são relegadas a segundo plano. Ao mesmo tempo, sua ascensão meteórica à condição de personagem midiático e figura pública lançada ao estrelato, reconhecida por qualquer brasileiro medianamente informado, pode gerar um desprezo autoritário por posições divergentes e trazer o risco de, em temas mais polêmicos, o STF deixar de funcionar como uma instância colegiada e passar a ser conduzido sob um viés mais presidencialista.

O estilo de Barbosa e sua trajetória de vida o ensinaram que tudo precisa ser enfrentado no peito e na raça. Como presidente do Supremo, respaldado no regimento, exercerá grande poder sobre a pauta e sobre a condução dos julgamentos. O presidente decide o que entra e o que não entra na pauta de votações e pode tomar decisões monocráticas assumindo maiores riscos, além de discricionariamente poder modular a condução dos trabalhos de modo mais aberto ou fechado ao debate de divergências.

Um presidente do STF nunca teve tanto moral para usar desses instrumentos do modo que lhe pareça mais conveniente perante uma parte opinião pública. A incógnita é justamente de que parte da opinião pública estamos falando e qual parte será excluída de pronto.

Nunca antes o esforço de galvanizar a opinião pública pesou tanto na condução do Supremo como agora. Barbosa é um dos que certamente sabem que opinião pública não é necessariamente opinião publicada. E deve saber que, doravante, o Supremo se abre mais francamente a pressões de toda a sorte.

Pode ser positivo, se isso vier a significar uma democratização da pressão sobre o STF, que todos sabem que existe, tradicionalmente, acobertada por relações de amizade e pelo acesso privilegiado dos advogados e de alguns políticos ao sistema judiciário. Essas relações implícitas podem agora ser submetidas a outro crivo.

Mas as batalhas no campo da opinião pública são também um prato cheio para grupos de interesse que financiam a imprensa, como anunciantes ou sócios proprietários. Sem contar que parte significativa da imprensa está nas mãos de chefes de partidos políticos dos mais tradicionais, donos de concessões de rádio e TV país afora. Cerca de 1/3 dos senadores e 12% dos deputados são donos de concessões, e isso em uma estimativa que não considera os veíulos nas mãos de "laranjas". Tais grupos estão prontos para usar seus veículos para repercutir ações que lhes interessem patrocinar na pauta do Poder Judiciário.

Por sua vez, o prestígio conquistado pelo atual presidente apequena e em alguns casos constrange demais ministros. O grau de constrangimento público a que alguns dos ministros do STF foram submetidos por discordar de Barbosa, ultimamente, mostra que o custo da divergência aumentou. O cuidado para se evitar um embaraço maior à própria imagem do Supremo pode contribuir, mais do que de costume, para um sobrepeso das posições assumidas pelo agora presidente dessa instituição.

Barbosa não é o único ministro de temperamento forte, podendo de novo suscitar acusações de “populismo judicial” da qual já havia sido vítima. Também correrá o risco de ser confrontado com a mesma acusação de manipulação que ele próprio atribuiu ao ex-presidente Cezar Peluso.

Entre tantas expectativas que se deposita sobre sua figura, se espera que Barbosa, para ser justo, após dar uma no cravo, prove igual obstinação por dar outra na ferradura. Ele mesmo, em uma entrevista recente, reclamou que a imprensa "nunca deu bola para o mensalão mineiro", ao contrário do que fez com o PT. Veremos se de fato a AP 470 era um julgamento contra o famigerado mensalão ou um julgamento contra o PT.

Depois de condenar alguns políticos e seus financiadores de campanha, vejamos como se comporta o Supremo diante da Ação Direta de Inconstitucionalidade da Ordem dos Advogados do Brasil que propõe proibir empresas de serem financiadoras de campanha. Os ministros ficaram incomodados com as suspeitas de que se comprava votos no Congresso? Pois o financiamento empresarial de campanhas compra eleições.

Depois de mandar dirigentes de banco para a cadeia, veremos a disposição do Supremo em julgar as perdas financeiras tidas por milhões de brasileiros ao longo de sucessivos planos econômicos, cujos processos permanecem pendurados na pauta do Supremo já faz um bom tempo.

Depois de ter dedicado praticamente tempo integral a julgar um único processo, veremos quanto o STF conseguirá fazer com relação ao estoque crescente de processos de repercussão geral que afetam e atrasam a vida de milhões de cidadãos em todo o país. Tais processos ficam pendentes de decisão final do Supremo, em última instância. Em um ano, o Supremo acumula cerca de 107 processos sobrestados em razão da repercussão geral, implicando em mais de 325 mil processos parados em tribunais de todo o país. Só no Tribunal de Justiça de São Paulo, existem 166.576 processos sobrestados vinculados ao julgamento da constitucionalidade dos planos econômicos das presidências de Sarney a FHC.

Nunca antes na história deste país o Ministério Público e a Procuradoria-Geral da República tiveram tanto peso sobre o STF. Em que medida o presidente do Supremo se comportará como magistrado de um poder autônomo ou, ao contrário, como uma espécie de superprocurador-geral da República?

Em que medida se respeitará o processo democrático, o Executivo e o Legislativo, que são poderes compostos por representantes eleitos, ou a que ponto se aprofundará a judicialização da política?

Em suma, nunca antes na história do Supremo coube a um presidente um papel tão decisivo para fazer ou evitar que o STF se torne uma caixinha de surpresas.
 
* Antonio Lassance é cientista político e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente opiniões do Instituto.
 

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