sábado, 1 de dezembro de 2012

OBVIAMENTE

 


Fernanda Câncio – Diário de Notícias, opinião
 
O que é que deve levar à demissão de um primeiro-ministro que dispõe de uma maioria, se não estável, pelo menos que, com maior ou menor algazarra, protesto e ranger de dentes lhe viabiliza o Governo?
 
Não há de ser por, como já vi Soares dizer e escrever, porque lhe chamam gatuno na rua. Nem por, discurso sim discurso sim, evidenciar que quando distribuíram a sensibilidade andava de fisga às andorinhas (e ainda pergunta, o pobre, se tem um problema de comunicação); ou por sonhar com um país do homem-novo, onde toda a gente cria empresas em loop, sem salário mínimo nem "direitos adquiridos", e o Estado é um guichet para sem-abrigo.
 
Não será por assinar textos lacrimosos no Facebook - logo ele, que chama piegas aos portugueses -, por dizer que não se preocupa com a contestação porque as manifs portuguesas são pacíficas, nem sequer por (ainda que nos ferva o sangue) defender que "o desemprego é uma coisa por que infelizmente temos de passar". Tão-pouco por humilhar com gosto parceiro de coligação e presidente - não se pusessem a jeito.
 
Nem há-de ser por ignorar as censuras e avisos dos barões do partido, por passar a vida a mandar as culpas de tudo e um par de botas para o antecessor, ou por dizer que não é de fazer promessas - quando faz tantas e tão contraditórias que ninguém, muito menos ele, se pode lembrar de todas.
 
Nada disso. A demissão de um primeiro-ministro é algo de muito sério. Não se exige por desfastio, ao não lhe irmos com a cara ou as ideias, mas só e apenas quando se torna claro que é incapaz e indigno. Quando fica evidente que chegou ao poder através de um colossal e calculado embuste, negando o que tencionava fazer (Catroga, um dos autores do programa do PSD, revelou agora que o aumento de impostos foi rasurado do documento). Quando anuncia medidas incendiárias num dia para as retirar semana e meia depois; quando todas as suas previsões - todas, sem exceção - falham sem que sequer o admita ("tenho noção da realidade", escandaliza-se ele). Quando aumenta brutalmente os impostos e, perante o que todos menos ele e o seu Gaspar previam, a queda da receita fiscal, fala de "surpresa orçamental" - para a seguir voltar a fazer o mesmo, em pior. Quando toma medidas inconstitucionais e a seguir se queixa do tribunal que lho diz e o culpa por ter de tomar mais - e mais inconstitucionais. Quando se recusa a aproveitar a aberta da Grécia e a renegociar o acordo com a troika, mas não se incomoda em rasgar todos os compromissos assumidos com os eleitores e se prepara para, após anunciar a venda ao desbarato de todos os ativos nacionais, trucidar até o pacto social que funda o regime.
 
Demite-se um PM quando é mais danoso para o País mantê-lo no lugar que arriscar outra solução, por fraca e incerta que pareça. Quando cada dia que permanece no lugar para o qual foi eleito cria perigo para a comunidade. Demite-se um primeiro-ministro quando é preciso. É preciso.
 

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