Fernanda Câncio –
Diário de Notícias, opinião
O que é que deve
levar à demissão de um primeiro-ministro que dispõe de uma maioria, se não
estável, pelo menos que, com maior ou menor algazarra, protesto e ranger de
dentes lhe viabiliza o Governo?
Não há de ser por,
como já vi Soares dizer e escrever, porque lhe chamam gatuno na rua. Nem por,
discurso sim discurso sim, evidenciar que quando distribuíram a sensibilidade
andava de fisga às andorinhas (e ainda pergunta, o pobre, se tem um problema de
comunicação); ou por sonhar com um país do homem-novo, onde toda a gente cria
empresas em loop, sem salário mínimo nem "direitos adquiridos", e o
Estado é um guichet para sem-abrigo.
Não será por
assinar textos lacrimosos no Facebook - logo ele, que chama piegas aos
portugueses -, por dizer que não se preocupa com a contestação porque as manifs
portuguesas são pacíficas, nem sequer por (ainda que nos ferva o sangue)
defender que "o desemprego é uma coisa por que infelizmente temos de
passar". Tão-pouco por humilhar com gosto parceiro de coligação e
presidente - não se pusessem a jeito.
Nem há-de ser por
ignorar as censuras e avisos dos barões do partido, por passar a vida a mandar
as culpas de tudo e um par de botas para o antecessor, ou por dizer que não é
de fazer promessas - quando faz tantas e tão contraditórias que ninguém, muito
menos ele, se pode lembrar de todas.
Nada disso. A
demissão de um primeiro-ministro é algo de muito sério. Não se exige por
desfastio, ao não lhe irmos com a cara ou as ideias, mas só e apenas quando se
torna claro que é incapaz e indigno. Quando fica evidente que chegou ao poder
através de um colossal e calculado embuste, negando o que tencionava fazer
(Catroga, um dos autores do programa do PSD, revelou agora que o aumento de
impostos foi rasurado do documento). Quando anuncia medidas incendiárias num
dia para as retirar semana e meia depois; quando todas as suas previsões -
todas, sem exceção - falham sem que sequer o admita ("tenho noção da
realidade", escandaliza-se ele). Quando aumenta brutalmente os impostos e,
perante o que todos menos ele e o seu Gaspar previam, a queda da receita
fiscal, fala de "surpresa orçamental" - para a seguir voltar a fazer
o mesmo, em pior. Quando
toma medidas inconstitucionais e a seguir se queixa do tribunal que lho diz e o
culpa por ter de tomar mais - e mais inconstitucionais. Quando se recusa a
aproveitar a aberta da Grécia e a renegociar o acordo com a troika, mas não se
incomoda em rasgar todos os compromissos assumidos com os eleitores e se
prepara para, após anunciar a venda ao desbarato de todos os ativos nacionais,
trucidar até o pacto social que funda o regime.
Demite-se um PM
quando é mais danoso para o País mantê-lo no lugar que arriscar outra solução,
por fraca e incerta que pareça. Quando cada dia que permanece no lugar para o
qual foi eleito cria perigo para a comunidade. Demite-se um primeiro-ministro
quando é preciso. É preciso.
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