sexta-feira, 2 de agosto de 2013

TODA A CORAGEM SERÁ CASTIGADA

 

José Manuel Pureza – Diário de Notícias, opinião
 
Tivesse a coisa acontecido no Irão, na Coreia do Norte ou noutro qualquer dos países incluídos por Bush no Eixo do Mal e não teria havido estadista ou candidato a tal, do lado de cá do mundo, que não tivesse saído a público com indignação fervorosa em defesa das liberdades, dos direitos humanos e do Estado de direito. Mas não. Foi nos Estados Unidos da América e os alvos foram dois whistleblowers - a tradução "denunciantes" peca talvez por permitir leituras morais depreciativas - que trouxeram a público justamente atentados graves contra as liberdades perpetrados pelas autoridades civis e militares de Washington. E o indignado discurso de defesa dos direitos cedeu num instante à retórica da defesa do interesse nacional americano e da luta contra o terrorismo. (Onde é que nós já ouvimos isto?) Os casos de Bradley Manning - que denunciou publicamente práticas de tortura na guerra contra o Iraque ou as hipocrisias diplomáticas que dominam a política internacional - e de Edward Snowden - que revelou a vigilância ilegal a que o Governo americano sujeita a privacidade de qualquer cidadão naquele país - mostram como o interesse nacional e os direitos humanos são tidos como bons ou maus consoante a nacionalidade dos seus titulares. O certo é que Manning foi privado de direitos básicos que lhe assistiam, a começar pelo de ser julgado com celeridade. Foi sujeito a um tratamento cruel e desumano, primeiro no Koweit e depois na penitenciária de Quantico onde ficou em regime de isolamento total durante 11 meses numa cela exígua, obrigado a dormir nu e a estar deitado no chão durante horas seguidas. Tudo porque Manning rompeu o segredo de Estado e revelou documentos classificados contendo provas de tortura e de violação do direito internacional pelas tropas norte-americanas no Iraque e telegramas diplomáticos que exibem a corrupção, a pressão ilegítima ou a hipocrisia que povoam as relações internacionais. E não, não deu esse material à Al-Qaeda, mas sim ao Washington Post e ao The New York Times. A hesitação destes deu espaço para o surgimento do WikiLeaks.Edward Snowden, por seu lado, teve de pedir asilo político à Rússia porque pôs à luz do dia o gigantesco programa de escutas ilegais da National Security Agency, que violam a privacidade de quem quer que seja na expectativa de que algures venha a ser detetado um terrorista.A vigilância do Grande Irmão é hoje uma indústria em alta. O orçamento norte-americano para espionagem é da ordem dos 80 mil milhões de dólares, dos quais 56 mil são para contratos com empresas privadas. Cerca de 1300 estruturas públicas e 1950 entidades privadas trabalham nos Estados Unidos em programas de contraterrorismo, espionagem e segurança nacional, originando a publicação de 50 mil relatórios por ano. E sabe-se que todo o poder gera mais poder para si próprio: neste caso, difundindo um clima de medo de uma ameaça nunca identificada e apostando no segredo como dogma. Mas a pergunta é: 50 mil relatórios anuais de vigilância interna ilegal evitaram as bombas na maratona de Boston? A violação do primado da liberdade serve para alguma outra coisa que não a da fragilização da liberdade?A informação aberta é uma dor de cabeça para os poderes que violam a dignidade e a lei. Por isso, postos diante da revelação dos seus desmandos, tratam de inverter papéis e condenar o mensageiro por ser portador da mensagem que eles não querem ver conhecida. A condenação de Manning a 136 anos de prisão e a perseguição internacional a Snowden mostram que o fantasma de Joseph McCarthy tem hoje muito mais força na Casa Branca do que o espírito de Martin Luther King. E isso é uma péssima notícia.
 

Portugal: UM SWAP NO GOVERNO

 

David Dinis – Sol, opinião
 
O novo secretário de Estado do Tesouro estava já metido num problema. Hoje, depois do ‘briefing’ a que quis comparecer, o caso ficou bastante mais sério. Para ele e para a ministra das Finanças – que até tinha ganho algum tempo com a sua ida à Comissão de Inquérito esta semana.
 
Vejamos este caso.
 
1. No início deste processo, o próprio Governo estabeleceu um critério político para a sua própria conduta neste caso. Dois secretários de Estado foram demitidos, precisamente por estarem envolvidos, à altura dos factos, na contratação deste tipo de produtos por empresas do Estado.
 
2. Esse critério já não era simples. Se Juvenal Silva Peneda e Braga Lino saíram, Maria Luís Albuquerque e Marco António Costa ficaram. A primeira por (enquanto responsável financeira da Refer) não ter ‘comprado’ swap tóxicos (só ‘complexos’, argumenta o IGCP); o segundo por não ter poder executivo na Administração do Metro do Porto.
 
3. Mesmo assim, insisto, havia um critério. E ele aprofundou-se com a demissão de alguns gestores públicos – por terem comprado esses mesmos swaps. E até com uma investigação a quem devia ter descoberto o problema e nada fez.
 
4. Agora sabe-se que Pais Jorge, há duas semanas contratado por Maria Luís Albuquerque, esteve no Citigroup. E que alegadamente teve uma reunião no gabinete de José Sócrates, onde se pretendia vender estes produtos ao Estado. Atente-se: a argumentação era que, financiando-se com swaps, as empresas conseguiam esconder essa dívida das estatísticas oficiais.
 
5. Pais Jorge justificou hoje que só estava na “área de clientes” do Citigroup. E que não tinha responsabilidades na “concepção, elaboração e negociação” dos produtos, derivados ou não. Pois, não chega.
 
6. Não chega porque não percebemos o que era isso da “relação com clientes” (fazia o quê, precisamente?). E não chega também quando Pais Jorge confirma ter tido “centenas de reuniões” para apresentar tais produtos – mesmo que alegue, depois, não se recordar se esteve naquela em São Bento, em 2005.
 
7. Ora, não é possível acreditar que Pais Jorge tenha estado a apresentar produtos tóxicos sem perceber o que estava a ‘vender’ – senão, não era hoje Secretário de Estado do Tesouro, como diz a Graça Franco, no site da Renascença. Mas se percebia o problema ético daquele produto que tinha que defender, não se entende como pode agora estar num Governo que contesta, em tribunal, um banco por ter enganado o Estado vendendo-lhe tais produtos. Sobretudo com o critério político que este Governo criou com as demissões anteriores.
 
8. Dito isto, é claro que não me ofende nada que um secretário de Estado tenha no seu currículo uma passagem pelo Citigroup. E até admito que me possam convencer que, tendo lá estado, não tinha responsabilidade nenhuma na venda destes produtos ao Estado. Agora, isto que ouvi hoje não me convence nada.
 
9. E se Pais Jorge (e Maria Luís Albuquerque) acha que basta dizer isto quando for chamado à Comissão de Inquérito é porque não está mesmo a ver bem o filme em que está metido. Nada mesmo.
 
P.S. O argumentário do Citigroup, em 2005, foi precisamente o que levou a Grécia ao problema que enfrentou hoje (porque a Grécia comprou aqueles produtos em massa, escondendo-os do Eurostat). A troika deve gostar disto, quando estiver a falar com Pais Jorge.
 

Portugal: A QUESTÃO MORAL DE MARIA LUÍS ALBUQUERQUE

 

Pedro Tadeu – Diário de Notícias, opinião
 
Maria Luís Albuquerque protagoniza um velho problema moral da política portuguesa? Sim. A tradição a que me refiro não está, porém, na mentira que ela terá dito numa Comissão Parlamentar de Inquérito (aparte: peço desculpa, mas não vou escrever, hipocritamente, frases como "ter faltado à verdade" com que os políticos e os analistas bem comportados, cínica e politicamente corretos, têm descrito este problema).
 
Uma hipotética nova questão dos casos swap não é, com certeza, a de uma mentira dita por um governante em sede institucional: em 39 anos de democracia não é esta a primeira vez que os deputados são enganados nestes inquéritos. Mas será a primeira vez que uma ministra das Finanças é apanhada a mentir durante esse ritual solene.
 
Isso é, de facto, novo, mas não modifica o problema moral em si: quem mente de forma oficial aos representantes do povo não pode exercer funções oficiais em representação desse povo. Há muito que esta relação está apreendida e o resultado lógico e coerente desse entendimento seria a decorrente demissão de Maria Luís, exigida pelos partidos de oposição.
 
O que é novo, do ponto de vista moral, vem agora: não fosse este caso suscitado numa altura em que os dirigentes do País hipotecaram a sua própria conduta ao que entendem ser a satisfação das necessidades da crise e, obviamente, a senhora ministra já não o era. Este falso estado de guerra desculpa tudo, como verificámos nas últimas semanas. Aquilo que antes da crise era condenável passou agora a ser um serviço prestado ao País... Os governantes perderam a vergonha e as consequências serão desastrosas para o regime.
 
Voltemos ao que é velho, ao que motivou esta crónica: o tradicional problema moral da política portuguesa, que se revela, mais uma vez, com as swap e, antes, se evidenciara com as PPP, o BPN, a traficância política de empregos em empresas públicas e, até, privadas, certas gestões de certas empresas públicas e municipais e inúmeras outras tropelias. Estes escândalos ocorrem sempre pelos mesmos dois motivos - pessoal político que quer gastar dinheiro sem ser democraticamente controlado e pessoal financeiro sempre disposto a criar condições para isso, garantindo, no final da linha, proveitos anormais, pagos pelos contribuintes.
 
Este sim é o velho problema moral: a política que se verga ao dinheiro. Melhor do que discutir na Assembleia da República a moral da ministra Maria Luís seria debater a forma de pôr um fim a esta promiscuidade que, em última análise, criou a crise onde todos sofremos. Mas, por aí, haveria muito moralista que sairia a perder.
 

Portugal: QUEM SE JULGA ESTA GENTE?

 

Nicolau Santos – Expresso, opinião
 
O caso BPN continua a queimar as mãos de muita gente. Tanto que, quando alguém que esteve ligado ao banco vai para um lugar público e tem de divulgar o seu curriculum, elimina cuidadosamente essa atividade do seu passado.
 
Foi isto que fez Rui Machete, foi isto que fez Franquelim Alves, passando aos jornalistas um atestado de incompetência e aos cidadãos um atestado de estupidez.
 
Não está em causa a compra ou venda de ações de uma instituição bancária. Mas está em causa saber 1) se toda a gente podia comprar ações do BPN; 2) se toda a gente que comprou as viu recompradas pelo dobro ou pelo triplo do seu valor original; 3) se esses ganhos assentavam na atividade normal do banco.
 
Ora para quem não se lembra, o BPN não estava cotado em bolsa. Por isso, só comprava ações do banco quem a administração convidava para tal. Foi assim com Cavaco Silva, que comprou e vendeu ações do BPN tratando diretamente do assunto com o presidente da instituição, Oliveira Costa.
 
Depois, a compra de ações de ações pelo banco por valores muito superiores aos que as tinha vendido não resultava do livre funcionamento do mercado - mas de uma decisão da administração e, em particular, de Oliveira Costa.
 
Quer isto dizer que o presidente do BPN beneficiou quem quis - e beneficiou seguramente os seus amigos. Não por acaso, todos (ou a esmagadora maioria) os beneficiados com a venda de ações altamente valorizadas ou com vultuosos empréstimos não reembolsados são membros ou simpatizantes do PSD. E suponho que não é preciso dizer os nomes.
 
Por isso, se tudo fosse tão normal e transparente, Rui Machete não teria eliminado do seu curriculum as funções que ocupou no BPN. Por isso, também não devia ter dito que isto revelava a podridão da sociedade portuguesa.
 
É que se este caso revela alguma coisa é a podridão com que altas figuras do PSD ligadas ao Estado ganharam muito dinheiro com um banco fantasma que era liderado por uma grupo de malfeitores.
 
E é esse dinheiro fácil que está agora a ser pago, com língua de palmo, por todos os contribuintes. Mais de 4 mil milhões de euros dos nossos impostos servem para pagar as mais-valias e os empréstimos não reembolsados que o BPN concedeu.
 
Por isso, seria de muito bom tom que todos os que lucraram com o BPN se calassem e que não nos tentassem convencer que tudo foi limpo e transparente no dinheiro que ganharam. É que, como de costume, os senhores privatizaram os lucros. E deixaram para os contribuintes a socialização dos imensos prejuízos. Haja vergonha!
 

O ECHELON ACTUA EM PLENA ONU - II


ESTADOS UNIDOS – CONTRA A CONVENÇÃO DIPLOMÁTICA DE VIENA
 
Martinho Júnior, Luanda (parte anterior)
 
1 – Quando Angola formalizar pela segunda vez a sua candidatura a membro do Conselho de Segurança da ONU, uma coisa o seu governo pode ter como certeza: tal como da primeira vez, a possibilidade da sua “elevação” será observada de muito perto pelos dispositivos electrónicos controlados pelos serviços de inteligência norte americanos e seus aliados, que avaliarão “em tempo real” as perspectivas e cenários sugeridos pelo evento, tendo em conta muito em especial a evolução das diferentes conjunturas regionais africanas.
 
A informação recolhida em Nova-York será cruzada com informação recolhida à escala global relativa a Angola, mas sobretudo informação recolhida em África.
 
Em Angola, em especial desde a “abertura aos mercados”, os instrumentos “deep inside” dos interesses têm vindo a ser instalados e por isso é evidente que muita coisa vai ser previamente balanceada pelos serviços de inteligência das potências e principalmente daquelas afectas à hegemonia unipolar anglo-saxónica.
 
Isso é para esses serviços relevante, pois se a estabilidade no jogo de interesses tem sido conseguida em relação ao sector muito sensitivo do petróleo e do gás, no quadro do poderoso “lobby” da energia essencial para a preservação do poder da hegemonia nos Estados Unidos e na União Europeia, parâmetros ao nível dos obtidos por esse “lobby” não têm sido conseguidos ainda no sector adstrito ao dos minerais.
 
Isso é importante tendo em conta que a administração de turno é Democrata e muito assente nos interesses do “lobby” dos minerais, ou seja, muito mais volúvel em termos de construção e avaliação das elites presentes nos cenários africanos, usando os mais diversos processos de manipulação e tirando partido do incremento das possibilidades das políticas indexadas ao exercício de “soft power”, que conta com a experiência em curso no AFRICOMMAND.
 
De entre os processos de manipulação destaco aqueles de ordem sócio-política, uma vez que, na ausência duma esquerda declarada que assuma uma posição de materialismo dialéctico, o espaço é preenchido por aqueles que se incluem no jogo das “open societies”, conforme às filosofias de Karl popper e do seu fiel seguidor George Soros (seguidor e financiador do Partido Democrata norte-americano)!...
 
2 – Angola é manifestamente importante, sob o ponto de vista geo estratégico, em relação aos espaços da África Austral, África Central, Golfo da Guiné e África do Oeste.
 
Se em relação aos três primeiros espaços o seu peso específico eleva o país e o estado a papéis de relativa preponderância ou influência, beneficiando de sua localização físico-geográfica e da configuração de suas políticas de paz, já em relação à África do Oeste é de salientar que a tentativa duma presença mais expressiva tem sofrido alguns reveses (lembre-se a Costa do Marfim e a Guiné Bissau), mas também alguns êxitos (Cabo Verde e Guiné Conacry).
 
No geral a persistência de Angola na prioridade de políticas de paz nos relacionamentos com os outros africanos, tem sido equacionada segundo o próprio interesse das potências e, no que diz respeito à perspectiva da hegemonia, as conclusões são distintas: serão bem-vindas por exemplo quando esse exercício acontece em relação a um Sudão do Sul, mas terá merecido pelo menos uma velada reprovação por exemplo quando esse mesmo argumento foi usado para com a Líbia!
 
É evidente que o ideário que utiliza a “inteligência económica” integra os processos de engodo que colocam Angola como outra “correia de transmissão” em relação a África, tirando partido do seu enorme potencial!
 
3 – As movimentações diplomáticas que forem feitas a fim de preparar apoios e fundamentos para a segunda candidatura merecerão também uma atenção especial por parte dos serviços de inteligência norte americanos, que sabem que a articulação de relacionamentos contará com os inevitáveis contactos com a República Popular da China, com a Rússia e com outros emergentes dentro e fora do grupo BRICS, eles próprios alvos da “inteligência económica” anglo-saxónica.
 
Entre as muitas questões que se levantarão para os interesses da hegemonia norte americana estará a da necessidade de avaliar quanto a trilha de paz que Angola procura garantir, é alicerçada também no que for balanceado como desfavores em relação aos Estados Unidos e União Europeia, quando Angola procurar equilíbrios entre todos os interesses, uma vez que, agora mais que nunca, os expedientes neo liberais e os que se prendem à “inteligência económica”, serem tão evidentes.
 
O papel instrumentalizado de Portugal é um termómetro que é elucidativo para Angola: colónia do capital na Europa (“protectorado” para os governantes subservientes), polvilhado de agentes repescados das velhas redes “stay behind” ao sabor da NATO, Portugal é por si outra “correia de transmissão” das potencialidades neo liberais no “eldorado” angolano… a crise vem mesmo a propósito!
 
4 – A propósito: depois de “O último acto dum vassalo”, o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal é ocupado por Rui Machete, um conhecido “diplomata” que privilegia o enfeudamento da política externa portuguesa ao “diktat” norte-americano (a continuação das soluções “stay behind” adaptadas à evolução da crise em Portugal).
 
Decerto que Rui Machete não pedirá desculpas à Bolívia no que diz respeito ao incidente com o avião presidencial onde viajava o Presidente Evo Morales e poderá evocar a seguinte “razão técnica”: isso foi um “entusiasmo” do seu antecessor, do qual ele se demarca!...
 
As presumíveis divergências no seio da Fundação Luso-Americana, são mais um “biombo” na tentativa de esconder os vínculos reais do enfeudamento!
 
De facto as relações são de tal ordem que até os conceitos típicos da NATO e do sistema de inteligência português (em particular aqueles indexados à “Inteligência económica”) têm servido para a “causa comum ocidental”… inclusive com influência muito forte nos relacionamentos bilaterais com Angola, como os vínculos que têm sido cultivados com alguns quadros das Instituições da Defesa e da Inteligência angolana!...
 
5 – Apesar disso, os Estados Unidos não deixam para outros o que sempre souberam fazer.
 
Eis um exemplo divulgado pelo Wikileaks, ao tempo de um dos mais “simpáticos” embaixadores norte americanos em Angola que posteriormente haveria de prestar serviço como professor de Segurança Nacional no National War College (actualmente é Embaixador no Bangladesh):
 
VZCZCXRO4474 OO RUEHBZ RUEHDU RUEHJO RUEHMR RUEHRN DE RUEHLU #0084/01 0571613 ZNR UUUUU ZZH O R 261612Z FEB 10 FM AM EMBASSY LUANDA TO RUEHC/SECSTATE WASHDC IMMEDIATE 0010 INFO SOUTHERN AF DEVELOPMENT COMMUNITY COLLECTIVE RUEHBJ/AMEMBASSY BEIJING 0001
 
Hide header UNCLAS SECTION 01 OF 02 LUANDA 000084 SENSITIVE SIPDIS DEPARTMENT FOR AF/RSA LOUIS MAZEL, LAURA GRIESMER, AND RYAN BOWLES E.O. 12958: N/A TAGS: PREL[External Political Relations], EAID[Foreign Economic Assistance], ECON[Economic Conditions], PGOV[Internal Governmental Affairs], AO[Angola], CH[China (Mainland)] SUBJECT: REQUEST FOR INFORMATION ON CHINESE ENGAGEMENT IN ANGOLA AND POTENTIAL AREAS FOR COOPERATION REF: SECSTATE 10152; 08 LUANDA 536 ¶1. (SBU) The following responses are keyed to Department queries (reftel): A: Description of Chinese engagement in Angola: The Chinese are heavily engaged in financing and implementing Angola's reconstruction following the end of the nation's devastating civil war in 2002. In the absence of a much anticipated (by the Angolans) conference of Western donors to help fund reconstruction, Angola turned to the Chinese. Chinese financing includes a (mostly oil-backed) USD 4 billion line of credit through the Chinese Ex-Im Bank. Although the terms of this line of credit are not entirely clear, it seemingly provides concessionary interest rates and some grace period for repayment. According to unconfirmed reports, an additional line of credit of up to USD 4 to 6 billion has been established through the Chinese Investment Fund (CIF), though Post doubts that this fund, which was to have been funded by Chinese investors, ever attracted enough Chinese capital to undertake intended infrastructure projects in Angola. At the moment, the CIF is partnering with state oil company Sonangol in extractive industry ventures in Africa outside of Angola. The Chinese Ex-Im Bank line of credit is linked to the use of Chinese companies as prime contractors for Chinese-funded projects. Many sub-contractors for these projects are Chinese companies as well. Some of these companies have stayed in Angola after project completion and are branching out into other areas, such as import/export transactions and private housing. The feverish pace of Chinese engagement in Angola cooled markedly in 2009 as the global financial crisis gutted Angola's oil and diamond revenues, precipitating sharp reductions in GRA expenditures. According to the Chinese Ambassador in Luanda, China had to recall more than 25,000 workers in 2009 due to the lack of GRA funds to pay them. Few new projects were launched in 2009, though most of those previously underway continued, albeit often at a reduced pace. However, those linked to preparations for the January 2010 Africa Cup of Nations Football (soccer) Championship, which Angola hosted by building four new stadiums, continued full-steam. Recently concluded and currently underway infrastructure and energy sector-related undertakings include: ---upgrading the electricity network in Luanda; ---rehabilitation of Angola's three railway lines: Luanda-Malanje (completion in 2010); Namibe-Menongue (completion in 2011); and Benguela-DRC (completion in 2012); ---improvements of infrastructure in Luanda, including building a new international airport; ---numerous roads and highways outside of Luanda; ---social housing projects within Luanda; ---four football (soccer) stadiums (Luanda, Benguela, Lubango, and Cabinda) that were used during the Africa Cup of Nations tournament in January 2010; ---joint oil exploration venture with Angolan parastatal Sonangol in Block 18; and ---a diamond mining venture with state diamond company Endiama. B. Examples of U.S.-China cooperation in Angola. Chinese contractors have successfully implemented DOD-funded humanitarian assistance projects, and a Chinese national is engaged by an implementing partner in our malaria program. C. Potential areas for U.S.-China cooperation. As reported Ref B, the Ambassador raised with the Chinese Ambassador in July 2008 the concept of a joint agricultural development project, and the Chinese Ambassador agreed to explore the possibilities. However, determined efforts by USAID technical staff failed to identify a project consistent with our development objectives to which the Chinese could contribute meaningfully. Given shifts in FY-2010 USAID funding, Post will undertake again to explore possibilities for cooperation with the Chinese in regard to either our expanding agriculture program or in our malaria and/or HIV/AIDS programs. Post experience has shown, however, that language can be a considerable barrier; for example, the current Chinese Ambassador speaks no Portuguese or English and only limited Spanish. LUANDA 00000084 002 OF 002 ¶2. (SBU) COMMENT: The Chinese presence looms large in Angola. Although exact numbers are elusive, a minimum of 50,000 Chinese are in the country; most other estimates are markedly higher. Few question that the Chinese have contributed importantly to Angola's ongoing national reconstruction. Nonetheless, some Angolans express concerns that Chinese engagement, financed by loans that Angola needs to repay, has failed to create jobs for Angolans, has failed to transfer technology to Angolans, and has often resulted in poor quality performance. Concerns have also been raised about the opaque nature of the Chinese funding, which is channeled through the Office of National Reconstruction of the Presidency. END COMMENT. MOZENA” - http://www.cablegatesearch.net/cable.php?id=10LUANDA84&q=angola
 
Documento: Procedures used by NSA to target non-US persons: Exhibit A - http://www.guardian.co.uk/world/interactive/2013/jun/20/exhibit-a-procedures-nsa-document
 
A consultar:
. Empresa do espião Snowden foi consultora-mor do governo de Fernando Henrique Cardoso – http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22329
. Russia’s return to Africa – 15 de Julho de 2009 – http://www.cablegatesearch.net/cable.php?id=09MOSCOW1825&q=angola
. Russia business presence in Africa – 24 de Agosto de 2009 – http://www.cablegatesearch.net/cable.php?id=09STATE88241&q=angola
. Request For Information On Chinese Engagement In Angola And Potential Areas For Cooperation – 26 de Fevereiro de 2010 – http://www.cablegatesearch.net/cable.php?id=10LUANDA84&q=angola
. U.s.-china Africa Sub-dialogue: A/s Frazer And Afm Zhai Jun Discuss Assistance, Conflicts And Cooperation – 20 de Outubro de 2008 – http://www.cablegatesearch.net/cable.php?id=08BEIJING3996&q=angola
. Remodelação inclui ministros com rabos de palha – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/07/portugal-rui-machete-remodelacao-inclui.html
 

BRASIL: GEOPOLÍTICA E DESENVOLVIMENTO

 


Por que esforço de afirmação internacional do país é titubeante? Que arranjos geopolíticos ele precisaria desafiar? Quais as resistências internas?
 
José Luis Fiori – Outras Palavras

“A impotência dos economistas não é culpa da economia,
é culpa do ‘desenvolvimento’
que não cabe dentro dos limites estreitos da própria economia.”

J.L.Fiori, Poder, Geopolítica e Desenvolvimento, Editora Boitempo (no prelo)
 
1. Na primeira década do século XXI, o Brasil começou a trilhar uma estratégia de afirmação internacional que retoma iniciativa proposta e interrompida na década de 60. De maneira ainda titubeante, o Brasil vem expandindo sua presença em alguns tabuleiros geopolíticos e vem tentando aumentar sua capacidade de defesa autônoma de suas reivindicações internacionais. A nova estratégia foi definida pelo Plano Nacional de Defesa, e pela Estratégia Nacional de Defesa, aprovados pelo Congresso Nacional, em 2005 e 2008, respectivamente. Nos dois documentos, o governo brasileiro propõe uma política externa que integre suas ações diplomáticas com suas politicas de defesa e de desenvolvimento econômico, e ao mesmo tempo introduz um conceito inovador na história democrática do país, o conceito de “entorno estratégico”, onde o Brasil se propõe irradiar, de forma preferencial, a sua influência e a sua liderança, incluindo a América do Sul, a África Subsaariana, a Antártida, e a bacia do Atlântico Sul.
 
2. Um país pode projetar o seu poder e a sua liderança, fora de suas fronteiras nacionais, através da coerção, da cooperação, da difusão das suas ideias e valores, e também, através da sua capacidade de transferir dinamismo econômico para sua “zona de influência”. Mas em qualquer caso, uma política de projeção de poder exige objetivos claros e uma coordenação estreita, entre as agencias responsáveis pela política externa do país, envolvendo a diplomacia, a defesa, e as políticas econômica e cultural. Sobretudo exige uma sociedade mais igualitária e mobilizada, e uma “vontade estratégica” consistente e permanente, ou seja, uma capacidade social e estatal de construir consensos em torno de objetivos internacionais de longo prazo, junto com a capacidade de planejar e implementar ações de curto e médio prazo, em conjunto com os atores sociais, políticos e econômicos relevantes.
 
3. Ao contrário de tudo isto, desde a II Guerra Mundial, e mesmo depois do fim da Guerra Fria, até o início do século XXI, a política externa brasileira oscilou no tempo, mudando seus objetivos imediatos segundo o governo, apesar de que tenha mantido sempre seu alinhamento – quase automático – ao lado das “grandes potências ocidentais”. E mesmo hoje, apesar da posição do governo, existem divisões e resistências profundas, dentro de suas elites e dentro de suas agencias governamentais, que seguem retardando a consolidação efetiva da nova estratégia brasileira. Como se o sistema político, a sociedade e a intelectualidade brasileira ainda não estivessem preparados para assumir os objetivos definidos pelos documentos oficiais. A própria universidade brasileira só expandiu recentemente sua capacidade de pesquisa e formação de recursos humanos na área internacional. E algumas universidades do país não possuem nem centros nem unidades especializadas, como é o caso surpreendente da UFRJ, a maior universidade federal do país. Além disto, existe uma carência acentuada de instituições ou think tanks que cumpram o papel de reunir as informações e as ideias indispensáveis para o estudo e a escolha de alternativas, e para a orientação inteligente da inserção internacional do país.
 
4. De qualquer maneira, se o Brasil conseguir sustentar suas novas posições, terá que se enfrentar inevitavelmente com uma regra fundamental do sistema: todo país que se propõe ascender à uma nova posição de liderança regional ou global, em algum momento terá que questionar os “consensos éticos”, e os arranjos geopolíticos e institucionais que foram definidos e impostos previamente, pelas potencias que já são ou foram dominantes, dentro do sistema mundial. Esta regra não impede o estabelecimento de convergências e alianças táticas, entre a potência ascendente com uma ou várias das antigas potências dominantes, mas exige que a potência ascendente mantenha seu objetivo permanente de crescer, expandir e galgar posições, dentro do sistema internacional. Isto não é uma veleidade ideológica, é um imperativo do próprio sistema interestatal capitalista: neste sistema, “quem não sobe cai”[i].
 
5. Mesmo assim, sempre existirá um imenso espaço de liberdade e de invenção revolucionária para o Brasil: descobrir como projetar seu poder e sua liderança fora de suas fronteiras sem seguir o figurino tradicional das grandes potências. Ou seja, sem reivindicar nenhum tipo de “destino manifesto”, sem utilizar a violência bélica dos europeus e norte-americanos, e sem se propor conquistar qualquer povo que seja, para “convertê-lo”, “civilizá-lo”, ou simplesmente comandar o seu destino.

[i] Elias, N. (1993), O Processo Civilizador, Jorge Zahar Editores, Rio de Janeiro, p :94

VENCER O BLOQUEIO

 

Martinho Júnior, Luanda
 
1 – Se não fossem os ideais e as profundas convicções socialistas, seria muito difícil àqueles que deram a sua contribuição directa na luta do movimento de libertação em África vencer o fascismo-colonialismo, o “apartheid” e algumas das suas sequelas, apesar do capitalismo neo liberal e das “portas escancaradas” que tal lógica tem vindo a obrigar!
 
Se não fossem os ideais e as profundas convicções socialistas, teria sido muito mais difícil aos aliados vencerem os nazis e os fascistas do Eixo na IIª Guerra Mundial!
 
Se não fossem os ideais e as profundas convicções socialistas, seria impossível a Cuba ultrapassar o período especial e atenuar as repercussões do bloqueio criminoso que, contra o povo cubano tem sido imposto pelo império!
 
Se não fossem os ideais e as profundas convicções socialistas, seria impossível a Cuba dar resposta incondicional às situações mais traumáticas vividas pela humanidade, como os terramotos que eclodiram no Haiti e no Paquistão, ou os furacões que têm assolado as Caraíbas, os Estados Unidos (New Orleans) e a América Central, ou a assistência às crianças de Chernobyl!
 
Se não fossem os ideais e as profundas convicções socialistas, seria impossível aos trabalhadores e desempregados compulsivos da Europa começar a formular a resistência às afrontas das crises impostas pelo capital e pela ganância especulativa dos bancos!
 
Se não fossem os ideais e as profundas convicções socialistas, seria impossível à América enveredar pela trilha da sua IIª independência duzentos anos depois do içar das bandeiras, aquela independência que resulta de vitórias cada vez mais consequentes sobre o neo colonialismo centenário imposto a partir do império e como seu prolongamento!
 
Se não fossem os ideais e as profundas convicções socialistas, seria impossível ao mundo estabelecer o contraste entre as acções construtivas e decisivas em prol da paz, perante o disseminar das tensões, conflitos e guerras impostas pelo império!
 
Se não fossem os ideais e as profundas convicções socialistas, seria muito mais difícil dar combate à fome e à pobreza, resultantes dos desequilíbrios globais impostos pela lógica capitalista!
 
2 – Vem tudo isso a propósito duma polémica corrente no Brasil, acerca da assinatura dum acordo entre o estado federal brasileiro com o estado cubano, com vista a que médicos cubanos, num total de 6.000, sejam envolvidos em campanhas que visam alterar a situação de assistência médica e fito-sanitária em alguns dos estados federados do Brasil, onde o “deficit” de condições apropriadas para o exercício do sistema de saúde, bem como de médicos e outros especialistas em medicina, é gritante (em especial os estados do interior como Roraima, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Acre e Goiás).
 
Os obstáculos estão a surgir por parte de entidades do estado de Rio Grande do Sul, um dos estados onde presumíveis sensibilidades progressistas mais se têm evidenciado na vida pública do Brasil, mas também um dos estados que apesar de tudo garante uma cobertura médica e fito-sanitária acima da média do país:
 
“A discussão sobre a interiorização da medicina no Brasil vem de longa data. Historicamente, sempre houve concentração tanto de escolas médicas como de profissionais nos grandes centros urbanos, e não raro as comunidades mais longínquas, principalmente na zona rural, acabam ficando sem a presença do médico.

Agora, um novo capítulo se soma a essa realidade. Para minimizar o déficit desses profissionais nas regiões mais carentes do País, o governo federal poderá trazer seis mil médicos cubanos para atuar no Brasil. A informação foi divulgada ontem pelo ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, após reunião com o chanceler de Cuba, Bruno Rodríguez.
 
No Rio Grande do Sul, as entidades ligadas à área não receberam o projeto com o mesmo entusiasmo. O presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Paulo de Argollo Mendes, classifica o acordo como demagógico e ideológico. É um plano que desconhece e ignora a realidade do País, uma vez que não há falta de médicos no Brasil. O que se precisa é dar a esses profissionais condições dignas para trabalhar junto ao Sistema Único de Saúde (SUS). Infelizmente, o sistema paga pouco e os recursos para exercer o trabalho são pífios, afirma.
 
Em relação à interiorização da saúde pública pretendida entre os dois países, Argollo é enfático. A constituição de um plano de carreira é muito importante. As boas ofertas de pequenos municípios fracassam porque não se sustentam ao longo do tempo, e os profissionais acabam optando por se transferir para a periferia das grandes cidades, analisa.
 
O Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) compartilha dessa avaliação. O presidente Rogério Wolf de Aguiar lembra que o Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou, em fevereiro, um estudo defendendo que esse fluxo nos grandes centros não será resolvido com a interiorização dos cursos de Medicina. Há mais de 380 mil médicos em atividade no Brasil, e mais de 15 mil se graduando a cada ano. Os problemas nas regiões mais afastadas são o despreparo das equipes e a falta de leitos e de veículos hospitalares, além da ausência de um plano de carreira de Estado que busque fixar os profissionais nesses municípios. Se essas carências não forem resolvidas, passaremos a ter apenas a figura isolada do médico no meio do Sertão, diz Aguiar. Ele também ressalta a importância da revalidação de diplomas de graduação expedidos por estabelecimentos estrangeiros de Ensino Superior. Se realmente for autorizado esse projeto sem a revalidação do diploma, o governo estará passando por cima da legislação e, também, demonstrando descaso com a qualificação no atendimento, destaca Aguiar”.
 
3 – Sem deixar de considerar a observação do Dr. Paulo Argollo Mendes quando afirma a necessidade de melhorar o Sistema Único de Saúde (SUS), uma questão inquestionável que é prioritária para o Brasil, não se deve deixar de se considerar outrossim que o Brasil terá para tal dificuldades em fazê-lo no imediato e mesmo a médio prazo, dada a dimensão do território, para além de outras questões objectivas e subjectivas.
 
O argumento do Dr. Paulo Argollo Mendes não leva em suficiente consideração, por exemplo, essa dimensão do território, as assimetrias evidentes entre os estados do litoral e os do interior, as características ambientais e fito-sanitárias de uns e de outros, bem como as dificuldades que existem em atenuar os efeitos duma medicina indexada aos módulos que respondem à lógica capitalista, em especial a partir do momento em que os programas de saúde para todos são privilegiados.
 
O Brasil, por exemplo, indicia ter dificuldades em adaptar programas de prevenção, quando eles são tão necessários, inclusive em enormes áreas urbanas e sub-urbanas das metrópoles cosmopolitas do litoral.
 
4 – O recurso a 6.000 médicos pouco significarão para o cômputo de médicos existentes em Cuba e a sua saída pouco significará também, em termos de romper o bloqueio a que Cuba está sujeita: o prestígio internacional que a saúde, a educação e a investigação cubanas já gozam, garantem que as correntes da preciosa ajuda cubana mediante acordos bi ou multi laterais com qualquer um dos países do Terceiro Mundo, tendem a aumentar…
 
O que me parece evidente é o bloqueio mental do Dr. Paulo Argollo Mendes e daqueles que seguem sua tão “douta” quão limitativa argumentação!
 
Ao acusar as autoridades federais de se moverem em função de razões demagógicas ou ideológicas, chegando a esquecer que dois dos seus filhos foram um dia formados em Cuba, esquece (e isso é o mais importante) que em vastas áreas do Brasil há ainda tantos milhões de seres humanos que vegetam em situações traumáticas de pobreza, desamparo e marginalidade, situações em relação às quais os médicos brasileiros se desabituaram de actuar por manifesta falta de recursos salariais, mas os médicos cubanos se habituaram a lidar, desde a primeira assistência internacionalista à Argélia, na década de sessenta do século passado, ainda que possam haver parcos recursos disponíveis no seu próprio país de origem!
 
É contra argumentos deliberadamente limitativos como o do Dr. Paulo Argollo Mendes que têm havido tantas manifestações no Brasil, precisamente numa altura em que as aspirações por melhor saúde e educação são tão legítimas.
 
A questão do reforço para a saúde pública do Brasil com a chegada de seis mil especialistas cubanos numa altura que o Sistema Único de Saúde (SUS) tem de ser muito melhor adequado às necessidades do imenso país, não é uma questão de concorrência, não é uma questão inibidora para as medidas a pôr em prática no quadro desse mesmo SUS, muito menos uma questão de obrigatoriedade na defesa dos parâmetros deontológicos brasileiros!
 
Além do mais, a legitimidade e a premência de desbloquear Cuba das medidas criminosas dos Estados Unidos, não merece eticamente um argumento que reflecte um bloqueio mental ao nível do manifestado pelo Dr. Paulo Argollo Mendes, ou de outro qualquer bloqueio mental, qualquer que ele seja, de quem quer que seja!
 
A superioridade moral dos princípios e das profundas convicções socialistas são feitas com transparência, com verdade, com solidariedade, com internacionalismo, com paz e com uma enorme sensibilidade humana e respeito devido ao planeta, algo com que o Brasil tem muito que ver no que diz respeito ao que foi até hoje conseguido, mas ainda tem muito muito mais a ver com o que há a resgatar para obter os melhores resultados em benefício, sem excepção, de todos os brasileiros!
 
Não é com as capacidades disponíveis na lógica capitalista neo liberal que o Brasil o irá conseguir!
 
 
A consultar:
- Mais médicos cubanos atenderão vítimas do terremoto no Paquistão – http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2005/11/06/ult1807u23176.jhtm
- New York Times destaca esfuerzo de Cuba en la lucha contra el cólera en Haiti – http://www.cubadebate.cu/noticias/2011/11/08/new-york-times-destaca-esfuerzo-de-cuba-en-la-lucha-contra-el-colera-en-haiti/
- Médicos de Cuba no Haiti: a solidariedade silenciada – http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?cod=45049&lang=PT
- Brasil assina acordos com Cuba e Haiti para pesquisa de remédios contra o câncer – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/02/brasil-assina-acordos-com-cuba-e-haiti.html
- Crianças de Chernobyl continuam chegando às praias cubanas – http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=3142
- Crianças de Chernobyl são tratadas em Cuba – http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2002/020213_cubaml.shtml
- Governo planeja trazer seis mil médicos de Cuba – http://www.interjornal.com.br/noticia.kmf?canal=111&cod=20425092
 

CHINA: OS SUBTERRÂNEOS DO DESENVOLVIMENTO

 

Rui Peralta, Luanda
 
I - Nas duas últimas décadas os níveis salariais na China aumentaram constantemente e o desenvolvimento económico criou novas oportunidades de emprego. No entanto este processo incrementou as disparidades geográficas, assim como as disparidades entre sectores industriais, assim como entre os altos executivos e os trabalhadores e ampliou o fosso entre ricos e pobres. Por outro lado os salários mais baixos sofreram uma erosão devido ao aumento do custo de vida. Continuam em crescendo e atingindo proporções graves, os atrasos salariais.
 
A Lei de Trabalho, de 1994, estabelece a semana de trabalho de 40 horas, não podendo as horas extraordinárias exceder as 3 horas por dia ou as 36 horas por mês, segundo o artigo 41. O pagamento das horas extraordinárias não pode ser inferior a 150% sobre o valor de salário/hora, durante os dias normais de trabalho. Os dias de descanso são pagos a 200% e os dias de festas nacionais a 300% sobre o salário/hora, modalidades impostas pelo artigo 44. O artigo 50 proíbe o atraso no pagamento salarial e a dedução dos salários, estabelecendo o pagamento mensal dos salários em moeda corrente, enquanto o artigo 51 estabelece a obrigatoriedade do pagamento das férias, licença por matrimónio e por falecimento de familiares directos.
 
Sobre a questão do salário mínimo a Lei de Trabalho de 1994 estabelece, de forma vaga e imprecisa, que o salário mínimo legal deve “fixar-se a um nível suficiente para satisfazer as necessidades diárias dos empregados.” Em Março de 2004 o governo implementou as directrizes dos cálculos e ajuste do salario mínimo, estabelecendo que os governos regionais devem determinar e ajustar o salário mínimo mensal, tendo em conta os seguintes factores: O custo de vida mínimo dos empregados locais e seus dependentes; o índice de preços ao consumidor, nas camadas urbanas; as contribuições aos fundos sociais da segurança social e habitação pagos pelos trabalhadores; o salario médio praticado na região e o nível de desenvolvimento económico e da oferta e procura de mão-de-obra na região.   
 
Esta directriz que estabelece os cálculos para estabelecimento do salario mínimo, cria uma margem alargada de níveis mínimos de salário em todo o país, pois ao fazer depender da realidade regional a base do cálculo, o salario minino evolui em função das assimetrias regionais. Assim os valores mínimos salariais mais elevados são praticados nas regiões costeiras, mais desenvolvidas economicamente, enquanto o interior comporta os salários mais baixos, embora alguns governos regionais do interior, como o do Tibete e de Xinjiang, estabelecessem níveis de salario mínimo elevados, com a intenção de atrair trabalhadores emigrantes. Segundo dados oficiais de Maio deste ano, o salário mínimo mensal mais elevado foi o de Shangai (1620 yens) seguido por Shenzen (1600 yens), sendo o salário mínimo mais baixo registado na província central de Anhui (1010 yens).
 
Mas também as assimetrias internas de cada província são reflectidas nos diversos níveis de salario mínimo. Existem regiões onde convivem quatro ou cinco níveis, espelhando as assimetrias cidade/campo, zonas urbanas/zonas rurais e as diversas assimetrias entre as áreas urbanas, podendo os leques salariais mininos serem consideráveis. Em Guangdong, por exemplo o salário mínimo na capital provincial, Guangzhou é de 1550 yenes, mas em Maoming, uma zona rural de Guangdong, o salário mínimo é de 1010 yenes, ao nível mais baixo nacional, idêntico ao da província de Anhui.
 
Para corrigir estas assimetrias o Governo central recomenda que os salários mínimos devem estabelecer entre 40% a 60% do salário mensal médio e que os governos locais devem proceder a uma revisão anual do cálculo. Em 2008 o governo central anunciou o congelamento dos aumentos do salário mínimo, devido á crise internacional. Dois anos depois, em 2010, as províncias começaram a elevar os seus salários mínimos, novamente e desde esse ano todas as regiões aumentaram os seus salários mínimos, em várias ocasiões, com um incremento médio anual de 22% entre 2010 e 2012 e em 2012 um total de 25 províncias aumentaram os salario mínimos regionais em cerca de 20%.
 
II - No Plano Quinquenal em curso (2011-2015) na China, prevê-se um aumento do salário mínimo de 13% ao ano e finalmente chegar aos 40% do salário médio. O nível de salario mínimo em muitas cidades encontra-se bastante abaixo dos 40% do salário médio das províncias. Em Shangai, no ano passado o salário mínimo foi de 1450 yenes, cerca de 31% do salário médio (4700 yenes), em Pequim, no ano de 2011, o salario mínimo era de 1160 yenes, cerca de 25% do salario médio (aproximadamente 4700 yenes) e em Chongqing, o salario mínimo de 870 yenes, em 2011, representava cerca de 26% do salário médio da região, (pouco mais de 3300 yenes).
 
A nível internacional o salário mínimo da China (pelo menos nas cidades litorais) encontra-se na média dos países asiáticos. Embora bastante inferiores aos praticados no Japão, Coreia do Sul e Singapura, os trabalhadores chineses auferem de salários mínimos muito superiores aos dos trabalhadores do Vietname, Camboja, Bangladesh e Coreia do Norte. Mas as estatísticas oficiais ocultam grandes diferenças entre os distintos grupos de trabalhadores, sectores e regiões.
 
O salário dos trabalhadores migrantes, por exemplo, ficou muito abaixo da média nacional. Segundo o Instituto Nacional de Estatística da China o salário médio mensal dos migrantes, em 2012, era apenas de 2290 yenes, o que representa um aumento de 11,8% em relação a 2011 (2049 yenes). O salário médio mensal em 2011 foi de 3500 yenes, 75% mais alto do que o dos trabalhadores migrantes. Também surgiram diferenças salariais consideráveis entre o sector das finanças, remunerado com o dobro do salário da indústria e o triplo do valor dos salários da hotelaria e restauração.    
 
Por outro lado o fosso entre salários mais altos e mais baixos em cada sector aumentou. Em 2010 o salário médio anual dos director-gerais foi de 355 mil yenes, quase 10 vezes superior ao salário médio nacional desse ano. Um outro exemplo elucidativo deste fosso é a evolução dos salários médios dos conselheiros delegados em relação aos salários médios nacionais: cerca de 4 vezes superiores em 2001 e 9 vezes superiores em 2005. Nas grandes empresas publicas o salário dos altos executivos, em 2011, rondavam os 700 mil yenes anuais, 16 vezes superior aos salários médios dos empregados das empresas públicas.
 
III - Os aumentos salariais dos últimos anos foram em grande parte devidos às pressões de uma nova geração de trabalhadores, que não toleram os baixos salários e as duras condições de trabalho, suportadas pelas gerações anteriores. Com melhor formação profissional que os seus pais têm maiores expectativas e aspirações e são muito mais conscientes dos seus direitos laborais. Com acesso á Internet muitos são activos nas redes sociais, difundindo em tempo real os conflitos laborais e as reivindicações. Esta pressão leva a que os governos locais tentem resolver os problemas entre as administrações das empresas e os trabalhadores, de forma a evitar o que consideram “uma má imagem” para a sua região.
 
Um outro factor que já se faz sentir na economia chinesa é a diminuição da taxa de natalidade. Actualmente há menos jovens trabalhadores a incorporarem-se na força laboral, ou seja, esta envelheceu. Enquanto no passado recente parecia existir uma fonte quase inesgotável de jovens trabalhadores em busca de emprego e de rejuvenescimento permanente da força laboral, hoje a oferta de mão-de-obra está abaixo da procura, o que força os empregadores a oferecerem salários mais altos, se querem contratar novos trabalhadores ou a manterem os existentes.
 
Por sua vez a falta de pagamento ou o atraso e parcialização do pagamento são comuns e tendem a crescer de forma exponencial, o que gera o protesto dos trabalhadores, geralmente manifestado frente aos edifícios do governo. O sector da construção foi responsável por 80% dos cerca de 220 mil caso registados pelas autoridades chinesas do trabalho e da segurança social, sendo a grande maioria das vítimas trabalhadores migrantes. 
 
As autoridades locais tentam resolver este problema através de um sistema de fundos de contingência para garantir o pagamento dos salários, a tempo e na sua totalidade. Em 2011 os governos locais ajudaram cerca de 6 milhões de trabalhadores a recuperarem ao redor de 2 mil milhões de yenes em salários atrasados. No mesmo ano foi introduzido uma alteração no Código Penal, passando a falta de pagamento salarial pelas entidades patronais - desde que a empresa não esteja declarada em situação de pré-falência – a ser considerado um delito passível de condenação.     
 
Em Dezembro de 2012 existiam um total de 152 processos criminais, estando concluídos 134 processos e 120 condenados. A maioria dos casos eram processos que representavam salários em atraso num valor acima de um milhão de yenes, mas em Maio de 2013 o Tribunal Supremo de Henan anunciou que qualquer empregador que devesse mais de oito mil yenes em salários atrasados ou em pagamentos parciais por um período superior a três meses sofreria sanções, mas apesar dos dispositivos legais este é um fenómeno que teima em persistir.
 
As causas do fenómeno devem ser procuradas nos mecanismos de crédito e nas diversas camadas de subcontratação. No caso da construção (o sector mais afectado pelos salários atrasados) sempre que a concessão de crédito endurece e o acesso ao credito torna-se difícil, os promotores imobiliários deixam de pagar às empresas de construção e estas não pagam às subcontratadas, que por sua vez deixam de pagar os salários aos trabalhadores. Por sua vez, no sector fabril, sempre que se manifesta uma quebra na procura, os clientes não cumpram com os prazos de pagamento ou as fábricas não consigam negociar devidamente os créditos bancários, começam os atrasos salariais. Em muitos casos os donos das fábricas venderam os activos, incluindo a utilização da fábrica, antes de fecharem sem pré-aviso e fugirem, deixando os trabalhadores sem outras opções a não ser a de recorrerem aos governos locais. Na maioria destes casos os trabalhadores terão alguma sorte se conseguirem receber um terço ou metade do montante da divida.
 
IV - A China já não tem uma fonte inesgotável de jovens trabalhadores rurais, dispostos a irem para as cidades e aí trabalharem nas linhas de produção, de forma precária, sem condições e sem horários estabelecidos a troco de um salário considerado de subsistência, mas que apenas permitia subsistir a fome e a miséria. A escassez de mão-de-obra, causada por factores demográficos e a determinação e capacidade profissional da nova geração de trabalhadores, associadas á sua determinação e capacidade organizativa, implicaram uma subida dos salários e das condições de trabalho, o que obrigou muitos empregadores a transladarem-se para zonas de menor custo, como o Bangladesh e o Camboja.
 
É manifesto que a taxa de aumento salarial dos trabalhadores não acompanha as taxas de aumento salarial dos sectores de topo (directores, engenheiros, quadros superiores, etc.) o que provoca uma disparidade nos salários. Por sua vez o aumento do custo de vida obriga a que os trabalhadores com salários mais baixos despendam uma parte maior do seu salario para cobrir as despesas com alimentação, habitação e transportes. O fosso entre ricos e pobres aumenta e o descontentamento social torna-se evidente e manifesto, o que tornou este fenómeno numa das principais prioridades da nova direcção política do país.
 
Em Fevereiro deste ano, o Conselho de Estado decretou uma série de políticas tendentes a diminuir o fosso entre ricos e pobres, onde se incluía a melhoria dos salários mais baixos e colocou tectos salariais ao nível dos executivos. Mas é pouco provável que estas medidas possam produzir os resultados desejados, por uma razão simples e básica: não descem á raiz do problema.
 
Uma questão fundamental, por exemplo, é a ausência de uma rede de segurança social e de uma rede pública de saúde eficaz, que permita aos mais necessitados gastar mais em bens e serviços, em vez de terem de poupar (o que na maioria dos casos torna-se impossível) para assegurarem uma velhice tranquila e para as eventualidades da saúde. Outra questão prende-se com a necessidade de desenvolver um sistema de negociação colectiva, ao nível da empresa, que permita que as negociações entre trabalhadores e corpos directivos das empresas decorram em pressupostos realistas, baseados nos factores de rentabilidade da empresa, produtividade dos trabalhadores e custos locais de vida.
 
O aparecimento de novas estruturas organizativas de trabalhadores, autónomas e afastadas da direcção politica e da ineficaz e incipiente burocracia sindical - completamente amarrada ao aparelho de estado e afastada do mundo do trabalho - é uma marca dos novos tempos e uma consequência da cultura da nova geração de trabalhadores. Estas organizações são as mais capazes para dar resposta aos problemas, porque nasceram no turbilhão das alterações políticas e económicas sofridas pelo país nas últimas décadas e espelham as necessidades e aspirações dos trabalhadores no actual quadro socioeconómico e politico.
 
Existe ainda uma outra vertente, produto das políticas macroeconómicas desenvolvimentistas chinesas: o desemprego. As bolsas de desemprego ainda não são permanentes, mas já perderam, em algumas regiões (as assimetrias do desenvolvimento), o seu carácter residual. Este é um fenómeno que irá afectar a sociedade chinesa de forma crescente e inevitável, se as políticas macroeconómicas, centradas no desenvolvimentismo, não forem alteradas e substituídas por políticas integradas de desenvolvimento.
 
Enquanto isso, os novos ventos geram incontornáveis redemoinhos e o olhar de Mao continuará a vaguear, perdido, na praça de Tiananmen.
 
Fontes
China Labour Bulletin January-June 2013
Anuário Estatistico da China, 2012
 

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