Baptista-Bastos –
Diário de Notícias, opinião
Um estudo europeu
revela que os portugueses são dos povos mais tristes do continente. Não
esclarece, o estudo, que medições foram utilizadas, que processos científicos,
ou não, indicaram as razões dessa tristeza. Estes métodos comparativos surgem
periodicamente e, às vezes, acertam; mas constituem, apenas, afirmações
desasadas, produto da criatividade de quem os organiza. Unamuno, por exemplo,
não escapou a generalizações, e escreveu que os portugueses são um povo de
suicidas. E os franceses tornaram conhecida a epítome tão absurda como
abstrusa: "Les portugais sont toujours gais." Eduardo Cortesão,
grande psicanalista, disse que nós, como os outros, éramos ciclotímicos.
Sirva-se à vontade das definições quem o desejar e querer. Mas a nossa tristeza
possui raízes sociais, políticas e religiosas facilmente entendíveis. O
cantochão, o hissope, a labareda inculcaram-nos o terror e o medo, pecadores
infames e sem remissão. Em quase mil anos de história, e atendendo a todos os
conceitos de liberdade conhecidos, temos quase sufocado com a falta dela e as
imposições das classes dominantes. Não há que fugir a isto. Os grandes poetas
não se calaram, apesar de tudo. De Camões a Sá de Miranda, passando por Bocage
e, mais próximo, O"Neill, Armindo Rodrigues e José Gomes Ferreira, todos
eles e muitos mais nunca foram cúmplices do silêncio, porque enjeitavam a
vassalagem. "Não hei-de morrer sem saber a cor da liberdade." Eis o
grito de Jorge de Sena. "A tristeza é o vinho da vingança", cantou
Carlos de Oliveira. E Manuel Alegre publicou, agora, País de Abril, uma
selecção de poemas belíssimos que talvez devesse ser lida nas escolas.
"É preciso
saber porque se é triste/ é preciso dizer esta tristeza/ que nós calamos tantas
vezes mas que existe/ tão inútil em nós tão portuguesa".
Somos assim porque
o somos? Não porque assim nos fizeram, moldados às circunstâncias? Manuel
Alegre sabe que a História é uma deusa cega: cobriram-lhe os olhos aqueles cuja
sede de domínio encontrou apoio e sustentação em forças e instituições que
cultivam e impõem a superstição, o respeitinho, a obediência, a servidão.
Quando passam quarenta anos sobre a data na qual a felicidade foi a estrela
cintilante da manhã, quando vislumbrámos ser felizes, enredou-nos novamente
"esta tristeza que nos prende em sua teia." As sombras dos muitos
medos regressaram-nos e reassolaram a Europa. Os medos que visam atingir o que
caracteriza a lógica da liberdade. Os medos que possuem rostos, os de agora,
expressão do que sempre foram. O reaparecimento destes rostos constitui o
modelo de um mundo que não morre porque fundado na relatividade e nas
hesitações das coisas humanas.
"Porquê esta
tristeza como e quando/ e porquê tão submissa tão tranquila (...) É preciso
matar esta tristeza."
* Por decisão
pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo acordo ortográfico
Na foto:
Baptista-Bastos
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