quarta-feira, 9 de abril de 2014

Portugal: O RABANETE DO SALÁRIO MÍNIMO



Fernando Santos – Jornal de Notícias, opinião

O valor do salário mínimo nacional mantém-se intocado nos 485 euros desde 1 de janeiro de 2011. Quem (ainda) dispõe de um posto de trabalho pago pelo patamar inferior da tabela está há mais de três anos a penar, não obstante a inflação e a subida de impostos e/ou taxas. Em 2006, foi assinado um acordo segundo o qual os trabalhadores veriam galopar o seu rendimento mínimo até aos 500 euros precisamente no ano da chegada da troika, mas as condições estruturais do país e a exigência de empobrecimento - sob o argumento do não aprofundar de desequilíbrios na balança de pagamentos com o exterior - colocaram um travão à concessão de umas migalhas a quem já vê pouco recompensado o seu suor.

Metido no colete de forças dos credores, o Governo jamais ousou autorizar um só cêntimo de aumento. Confederações patronais e centrais sindicais até foram, aqui e ali, percebendo a necessidade de aumentar o salário mínimo como desígnio para o combate à penúria de consumo de todos, embora nunca conseguindo passar das intenções. O Executivo não ousou nunca pisar o risco.

Sábado marcou entretanto o ponto de viragem de Passos Coelho. Num conclave de trabalhadores sociais-democratas, o primeiro-ministro resolveu-se pela aparente magnanimidade - só por coincidência, para os mais ingénuos, próxima quer do fim do programa de ajustamento, quer, principalmente, das eleições europeias de 25 de maio. E de repente, hélas!, voltou a agitação dos mundos patronal e sindical. Que valor de aumento e quando são, ainda assim, um pomo de discórdia cujo desbloqueamento não será fácil.

Impõe-se ponderar múltiplos tabuleiros estratégicos para o repentino movimento de abertura governamental ao aumento do salário mínimo.

O raciocínio eleitoral é, apesar de tudo, o mais fácil de detetar.

Havendo mais vida para lá das europeias, é crucial para o Executivo o desbloqueamento de uma zona suscetível de gerar concertação (e paz) social, algo impensável de obter sem dar uma abébia à UGT. O salário mínimo é mais do que um "detalhe"....

Os vários tons de abertura para o aumento do salário mínimo não garantem entretanto, insiste-se, a obtenção fácil de um acordo. Pelo contrário.

Passos Coelho como que agitou uma espécie de rabanete à frente dos representantes do patronato e dos sindicatos. E vai haver lugar a muita lavoura para consensualizar posições.

Meter as condições da negociação coletiva como ponto viabilizador do aumento do salário mínimo nacional, como fez o primeiro-ministro, não augura nada de bom. Desmantelar algumas garantias dos trabalhadores vai criar, no mínimo, resiliência. E não deixa de ser igualmente problemático visualizar mais umas côdeas de salário mínimo indexadas à produtividade das empresas. Os custos de contexto - energia a preços proibitivos, por exemplo - são muito maior empecilho do que uma virtual preguiça dos trabalhadores.

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