Fernando Santos –
Jornal de Notícias, opinião
O valor do salário
mínimo nacional mantém-se intocado nos 485 euros desde 1 de janeiro de 2011.
Quem (ainda) dispõe de um posto de trabalho pago pelo patamar inferior da
tabela está há mais de três anos a penar, não obstante a inflação e a subida de
impostos e/ou taxas. Em 2006, foi assinado um acordo segundo o qual os
trabalhadores veriam galopar o seu rendimento mínimo até aos 500 euros
precisamente no ano da chegada da troika, mas as condições estruturais do país
e a exigência de empobrecimento - sob o argumento do não aprofundar de
desequilíbrios na balança de pagamentos com o exterior - colocaram um travão à
concessão de umas migalhas a quem já vê pouco recompensado o seu suor.
Metido no colete de
forças dos credores, o Governo jamais ousou autorizar um só cêntimo de aumento.
Confederações patronais e centrais sindicais até foram, aqui e ali, percebendo
a necessidade de aumentar o salário mínimo como desígnio para o combate à penúria
de consumo de todos, embora nunca conseguindo passar das intenções. O Executivo
não ousou nunca pisar o risco.
Sábado marcou
entretanto o ponto de viragem de Passos Coelho. Num conclave de trabalhadores
sociais-democratas, o primeiro-ministro resolveu-se pela aparente magnanimidade
- só por coincidência, para os mais ingénuos, próxima quer do fim do programa
de ajustamento, quer, principalmente, das eleições europeias de 25 de maio. E
de repente, hélas!, voltou a agitação dos mundos patronal e sindical. Que valor
de aumento e quando são, ainda assim, um pomo de discórdia cujo desbloqueamento
não será fácil.
Impõe-se ponderar
múltiplos tabuleiros estratégicos para o repentino movimento de abertura
governamental ao aumento do salário mínimo.
O raciocínio eleitoral
é, apesar de tudo, o mais fácil de detetar.
Havendo mais vida
para lá das europeias, é crucial para o Executivo o desbloqueamento de uma zona
suscetível de gerar concertação (e paz) social, algo impensável de obter sem
dar uma abébia à UGT. O salário mínimo é mais do que um "detalhe"....
Os vários tons de
abertura para o aumento do salário mínimo não garantem entretanto, insiste-se,
a obtenção fácil de um acordo. Pelo contrário.
Passos Coelho como
que agitou uma espécie de rabanete à frente dos representantes do patronato e
dos sindicatos. E vai haver lugar a muita lavoura para consensualizar posições.
Meter as condições
da negociação coletiva como ponto viabilizador do aumento do salário mínimo
nacional, como fez o primeiro-ministro, não augura nada de bom. Desmantelar
algumas garantias dos trabalhadores vai criar, no mínimo, resiliência. E não
deixa de ser igualmente problemático visualizar mais umas côdeas de salário
mínimo indexadas à produtividade das empresas. Os custos de contexto - energia
a preços proibitivos, por exemplo - são muito maior empecilho do que uma
virtual preguiça dos trabalhadores.
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