Tomás
Vasques – jornal i, opinião
No
PS tudo se passa à volta do carisma do líder: quem tem mais charme político
para convencer eleitores. Quer António Costa, quer António José Seguro têm
entre os seus apoiantes, de tudo, como na loja dos chineses
Muitas
vezes são os detalhes que melhor ilustram a crise de um regime. É o caso do
todo-poderoso Ricardo Salgado, personagem que tem tatuado na testa o pedigree
das elites que nos apascentam há mais de um século. O banqueiro entre os
banqueiros, a quem chamavam, com acertada ironia, "o dono disto
tudo", até há poucos dias símbolo caseiro da preponderância do mundo da
finança sobre o poder político, contando para isso com a cumplicidade de todos
os governos, foi literalmente despejado do seu escritório na imponente sede do
Banco Espírito Santo para uma sala alugada, pelo próprio, num hotel do Estoril.
Aqui, num "quarto alugado", para onde atirou tantas famílias que o
desemprego impediu de pagar ao banco as prestações da casa, vai tentar salvar
dos escombros da derrocada do grupo empresarial da família um mínimo de
dignidade, já que o património ardeu na fogueiras das dívidas, ateada por uma
gestão desastrosa e incompetente. Pela queda do presidente do maior banco
privado português, que arrastou consigo o grupo empresarial da família, ninguém
verterá uma lágrima, nem sequer os seus familiares e amigos. O pior é o que
ainda está para acontecer, ou seja: o que vai sobrar de todo este embrenhado
descalabro sobre a economia portuguesa e, consequentemente, sobre o dinheiro
dos contribuintes, sobretudo sobre as vítimas do costume deste governo:
funcionários públicos, reformados e pensionistas. Essas são cenas a desvendar
nos próximos capítulos.
Contudo,
a crise do regime, simbolizada na crise de um dos seus pilares nas últimas duas
décadas - a família Espírito Santo -, está para além deste episódio cujas
consequências hoje ainda desconhecemos. Os sinais mais visíveis deste
apodrecimento foram fornecidos pela maioria dos portugueses. O sucesso de
candidaturas independentes nas autárquicas (muitas das quais de ex-militantes
contra os seus próprios partidos), o resultado obtido pela candidatura de
Marinho e Pinto nas europeias, a crescente subida da abstenção e dos votos
nulos e as consequentes perdas eleitorais dos partidos do "arco
parlamentar" indiciam um significativo descontentamento e alheamento do
regime que pode provocar, nas próximas eleições legislativas, uma regeneração
do sistema político-partidário. As presentes crises internas no PS e no BE são
uma consequência dessa crise mais geral, à qual aparentemente escapam, por
agora, os partidos do governo, porque estão no poder a distribuir pelos seus,
cargos e benesses, e o PCP porque vive numa incubadora e quando obtém mais um
por cento de votos atira foguetes como se estivesse a subir a escadaria do
palácio de Inverno.
No
fundo, com as devidas diferenças, as crises internas do PS e do BE têm a mesma
origem. Perante o empobrecimento generalizado da maioria dos portugueses,
executado pelo "pior governo de sempre", como recuperar o
"paraíso perdido" - ou seja, os eleitores que, por motivos
diferentes, deixaram de acreditar nas soluções propostas por cada um destes
partidos da oposição. No PS tudo se passa à volta do carisma do líder: quem tem
mais charme político para convencer eleitores. Quer António Costa, quer António
José Seguro têm entre os seus apoiantes, de tudo, como na loja dos chineses. No
BE, aparentemente, a crise interna passa mais pelas opções políticas. Mas, o
que parece grave, quer num caso, quer noutro, mas sobretudo no PS, é que não
percebam que o "mundo mudou" e que os cidadãos descontentes,
sobretudo de uma classe média empobrecida, estão escaldados e já não se deixam
convencer facilmente dando indícios de preferirem experimentar outras soluções
a ter de aguentar mais do mesmo. E o PCP que não tire o cavalo da chuva porque
o recado é para todos os partidos do "arco parlamentar". Ou os
actuais partidos da oposição percebem a tempo o estado a que isto chegou, e
constroem uma alternativa, ou passam ao lado do descontentamento e dos anseios
da maioria dos cidadãos. Não há meio-termo, especialmente em tempos de crise.
Jurista
- Escreve à segunda-feira
Sem comentários:
Enviar um comentário