Rui
Sá – Jornal de Notícias, opinião
Na
última semana, a apresentação de um estudo feito para o PSD por uma
"Comissão para a política da natalidade em Portugal", em paralelo com
a divulgação de um estudo sobre o IRS, recolocou em cima da mesa a pergunta:
"O que fazer para que os portugueses façam mais meninos?"
Não
pondo em causa o mérito destes estudos, fico com a sensação de que as soluções
apresentadas não passam de umas aspirinas que, minimizando o impacto da dor não
atacam a origem da mesma. E que, ainda por cima, são prescritas por aqueles que
incubam carinhosamente o "vírus" que provoca a dramática diminuição
da natalidade em
Portugal. Embora , no caso das propostas apresentadas pela
comissão criada pelo próprio PSD, Pedro Passos Coelho tenha ficado com os
cabelos em pé perante propostas de redução do IRS e aumento de apoios sociais,
o que o levou rapidamente a afirmar que primeiro está a dívida! Esquecendo-se
que o que está em causa é a sobrevivência de Portugal enquanto país e que, se
isso não estiver assegurado, bem podem os credores pôr o coração ao alto que os
seus créditos foram à vida (ou, então, podem ser trocados por território, que
espaço ao abandono não faltará perante tal diminuição da população...).
Em
primeiro lugar, e como bem ilustram os dados divulgados, o problema da diminuição
da natalidade não é de agora, antes sendo um problema estrutural que se regista
desde a década de 80 - que, no entanto, se acentuou dramaticamente nos últimos
anos.
Para
lá de questões de cultura e de mentalidades (ainda no sábado lia, no JN, uma
atriz, com 27 anos, a dizer que queria ter filhos mas "não se sentia ainda
preparada"), a questão que se coloca à população em idade fértil é a de
saber se tem, ou não, condições para, sustentadamente, gerar, criar e educar os
filhos.
Naturalmente
que uma das condições é a económica. Tenho três filhos e sei bem o custo
associado a cada um. A puericultura, as despesas de educação e de saúde, as
roupas e tudo o resto (e é bem verdade que a sociedade de consumo, ou
capitalista na minha linguagem, aumenta artificialmente estes custos) consomem
uma parte significativa dos salários. Nesse sentido, os benefícios fiscais, a
redução das despesas de educação e de saúde, a diminuição de tarifas (caso da
água) para famílias "numerosas", etc., podem ser uma ajuda nesta matéria.
Mas o problema é que estas propostas entram em profunda contradição com aquilo
que é a prática deste (como dos anteriores...) governos e, fundamentalmente,
com o discurso oficial daquilo que dizem ser uma "inevitabilidade"
nas próximas décadas. Então não é verdade que nos dizem que "vivemos acima
das nossas posses"? E que, por causa disso, temos que fechar escolas,
infantários, maternidades, hospitais, centros de saúde e tribunais? Então, como
dizer a uns pais que estão a ponderar ter um filho que, afinal, o mesmo tem que
ser tido a uma centena de quilómetros e a escola que poderá frequentar implica
fazer dezenas de quilómetros diariamente? E isto para além da quebra de
confiança que se registou nos últimos anos na relação dos portugueses com o
Estado: que deixou de ser pessoa de bem, como se verifica em matéria de
vencimentos e reformas, reduzidos unilateralmente em incumprimento flagrante
dos contratos firmados. Como acreditar, assim, na promessa de uma política
fiscal mais "amiga" dos casais com filhos?
Outra
linha de propostas apresentadas pela comissão do PSD passa pelas relações
laborais, criando um conjunto de benefícios para as mães. Mais uma vez, uma
medida que sendo, em si, positiva, não deixa de ser pontual e contraditória com
tudo aquilo que este Governo tem feito em matéria laboral. Porque as mães não o
são, apenas, durante os dois anos pós-parto! São-no para toda a vida. E os
benefícios durante dois anos após o parto não fazem esquecer que, para
"dinamizar a economia", se desregulamentam as relações laborais
(favorecendo, naturalmente, o lado "mais forte" do patronato).
Criando-se "bancos de horas" que permitem alterar completamente os horários
de trabalho, obrigando pessoas a trabalhar aos fins de semana (que deviam estar
reservados ao apoio e convívio com os filhos) sem qualquer remuneração
adicional.
Para
já não falar da situação do desemprego e do apelo de Pedro Passos Coelho aos
jovens portugueses para deixarem de ser piegas e emigrarem à procura das
oportunidades. Fazendo filhos lá fora e contribuindo para a economia e para a
demografia de outros países...
Por
isso digo: para o aumento da natalidade em Portugal, a rutura com estas
políticas pode não ser suficiente, mas sem dúvida que é uma condição necessária.
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