Eduardo
Oliveira Silva – jornal i, editorial
O
estoiro do GES põe a descoberto muita coisa
O
enorme estoiro do Grupo Espírito Santo (que não do banco, espera-se) vem
demonstrar que a superioridade alardeada da gestão privada é mais um daqueles
fenómenos vagamente mitológicos em que a sociedade portuguesa é pródiga.
O
GES colapsou (com sinais premonitórios dados no longínquo ano de 2002, quando
uma inspecção levou à brusca substituição da empresa responsável pela
auditoria) depois de um longo período em que nada do que lá dentro se passava
era claro. Agora este grupo pode arrastar com ele muitos empresários que para
obterem créditos bancários se viram simultaneamente persuadidos a comprar papel
comercial do grupo. Uma persuasão musculada, que não se pode confundir com a
possível promiscuidade que causou danos substanciais a uma PT agora privada, embora
funcione simbolicamente como uma espécie de companhia de bandeira.
Para
além do Espírito Santo, na memória da economia portuguesa há outras histórias
sinistras recentes de quedas, que mesmo assim estão distantes das
circunstâncias do Angola e Metrópole.
O
BPN, o BPP, o BANIF ou o Grupo José de Mello são, porém, exemplos evidentes de
fracassos, enquanto muitos dos supostos sucessos mais não são do que empresas
que vivem encostadas ao Estado, como as PPP rodoviárias, começando na da Ponte
Vasco da Gama, que já pagámos mais de dez vezes desde 1998, passando pelos
petróleos, pela REN, pela ANA ou, menos mal porque vai tendo concorrência, pela
EDP. A lista poderia estender-se ao privadérrimo sector farmacêutico, cuja
receita fundamental vem naturalmente das comparticipações da saúde pública.
Verdadeiramente
privados e com dimensão relevante sobram alguns bancos com capitais
estrangeiros e meia dúzia de empresas industriais exportadoras que contaram com
incentivos fiscais para se instalar. Há ainda e sobretudo os grupos de
distribuição, nacionais ou estrangeiros, mas sedeados fora de portas para pagar
menos impostos, que prosperam na venda da paparoca e das utilidades do
quotidiano. Aí sim, encontramos a iniciativa privada no seu esplendor e com uma
gestão criteriosa da tesouraria, utilizando a liquidez do dia de caixa para
fazer aplicações. Há quem questione a nobreza dessa dupla actividade, mas a
verdade é que é dela que emergem os mais bem-sucedidos e muitos postos de
trabalho mesmo que precários.
Como
contra factos não há argumentos, a realidade manda dizer que entre nós
praticamente tudo o que tem êxito se sustenta no Estado como cliente ou como
concedente da actividade.
Mesmo
negócios que aparentemente não têm a ver com o Estado, estão depois na mão de
empresas que por sua vez são devedoras de bancos que precisam do Estado.
Cria-se assim uma teia infernal de dependências. Ora isso dá razão a quem
afirma que no mundo empresarial interessa muito mais saber a quem se deve do
que conhecer os detentores do capital.
E
é assim que assistimos a uma repetição de muito do que aconteceu em 1974/75.
Quando foi nacionalizada a banca, o Estado ficou por tabela dono de quase toda
a economia que devia dinheiro às instituições de crédito. Por isso lhe foram
parar às mãos jornais, indústrias, restaurantes e até a florista da empresa que
fazia as vezes do que veio a ser a Rodoviária Nacional. É de apostar singelo
contra dobrado que, se a situação se repetisse hoje, não seria muito diferente.
É pena, porque o mais difícil é reformar mentalidades.
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