sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Portugal: RICARDO SALGADO, O ÚLTIMO BANQUEIRO?



Mariana Mortágua – Expresso, opinião

Em 2007 o Millenium BCP era condecorado como "World's Best Developed Market Bank" e "Best Foreign Exchange Bank" em Portugal pela Global Finance, e ainda como o "Best Private Bank" em Portugal, pela Euromoney. Em 2008 Jardim Golçalves era julgado em praça pública e, felizmente, na justiça, por vários crimes económicos. Créditos não cobrados a clientes e accionistas, sociedades offshore que serviam para comprar acções próprias, you name it.

Jorge Jardim Gonçalves era, à data, o último banqueiro que era preciso julgar para que o sistema financeiro pudesse, finalmente, voltar ao normal. 

Em 2008 explodia o caso BPN, banco da confiança de altos quadros do PSD, entre eles Cavaco Silva. Créditos de favor, empresas e garantias fictícias, contabilidade paralela e até um banco criado à medida dos negócios de Oliveira e Costa. Grande parte do sistema funcionava, como é lógico, através de veículos offshore, entre eles a sociedade Doyle Managment, detida no BCP Cayman.

José Oliveira e Costa era, à data, o último banqueiro que era preciso julgar para que o sistema financeiro pudesse, finalmente, voltar ao normal. 

Meses depois, descobrimos o BPP. O banco de Rendeiro dedicava-se a gerir fortunas, e a fazer uso de sociedades offshore para alisar resultados, retirar do balanço riscos de clientes e para pagar exorbitâncias (não declaradas) aos seus administradores, nomeadamente através de uma conta detida no BPP Cayman. 

João Rendeiro era, à data, o último banqueiro que era preciso julgar para que o sistema financeiro pudesse, finalmente, voltar ao normal.

Em maio deste ano Joaquim Goes recebia o prémio carreira atribuido pela Universidade Católica pelo reconhecimento da "sua excecional carreira profissional na área de gestão". No discurso, o premiado recordou João Paulo II, apelou à "solidadariedade desinteressada" do Papa Francisco, e agradeceu aos seus antigos chefes e mentores, Ricardo Salgado e Goes Ferreira. Mais ou menos pela mesma altura, o BES realiza uma operação de aumento de capital, subscrita a 178%, descrita pela comunicação social como um sucesso.

Há dias, Joaquim Goes foi suspenso do cargo de administrador do BES pelo Banco de Portugal. No mesmo processo, é detido o homem que três meses antes tinha homenageado, Ricardo Salgado, acusado de burla e branqueamento de capitais. Entre outras coisas, o banco terá sido usado para financiar negócios da família Espírito Santo, em parte através de sociedades offshore. Destacam-se ainda os créditos desaparecidos do BES Angola, banco destinguido no ano passado com o "Best Bank Award", da Global Finance, o prémio para melhor banco em Angola.

A administração Salgado, ontem destacada pela academia, respeitada pela comunicação social e sempre muito bem relacionada com o Estado, tornou-se no último bode expiatório. Onde esteve então a troika, que nos últimos três anos se ingeriu em todas as decisões democráticas do país, comentou e criticou cada direito laboral, cada nível salarial, sem nunca ter reparado nas imparidades que se avolumavam no GES/BES? E onde estão agora os editorialistas e colunistas que viam em Salgado não só o óraculo da economia portuguesa, mas o herói capitalista que recusou ajuda pública? 

Ricardo Salgado é, hoje, o último banqueiro que é preciso julgar para que o sistema bancário possa, finalmente, voltar ao normal.

Jorge, José, João e Ricardo. Todos foram os últimos a cair para que tudo pudesse ficar na mesma.  

No último caso, como no primeiro, o Banco de Portugal foi incapaz de identificar os anos e anos de contabilidade criativa, a acumulação de fraudes e de operações de branquamento de capitais. Mas poderia ser de outra forma? Afinal, grande parte dos esquemas passavam por offshores, lugares construidos, precisamente, para escapar aos olhares reguladores e tributários. Em qualquer uma destas crises bancárias as práticas de investimento e especulação inundaram a atividade comercial, pondo em em causa a estabilidade e segurança dos depositantes e, de uma forma ou de outra, todas conduziram a intervenção do Estado e à injeção de dinheiros públicos. 

A sociedade deve julgar e punir cada um dos últimos maus banqueiros, mas nunca deixará de os produzir se insistir em acreditar que serão sempre os últimos.

Na academia, a teoria económica ortodoxa continua a não querer assumir que não tem poder de previsão. Está de tal forma marcada pela longínqua ideia da perfeição dos mercados, que só agora os mais sofisticados modelos  utilizados pelos bancos centrais (entre eles o BCE) começam a tentar incorporar a possibilidade de falência de um agente financeiro. Até agora, a grande maioria dos modelos acreditava, simplesmente, que os bancos não iam à falência.

Fora da academia, desde o início da crise financeira que governos, Comissão e Conselho Europeus, parlamentos, e bancos centrais foram céleres a aprovar novas regras orçamentais, novos mecanismos de austeridade e, até, novas formas de regulação. As medidas que realmente importam - o fim dos offshores e paraísos fiscais, a separação entre a banca de investimento e a banca comercial ou a erradicação de produtos altamente especulativos - ficaram na gaveta. Porquê? Não é possível que acreditem que Ricardo Salgado seja o último banqueiro. 

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