domingo, 21 de setembro de 2014

AS CONSEQUÊNCIAS COLATERAIS DO VÍRUS ÉBOLA



Roger Godwin – Jornal de Angola - 21 de Setembro, 2014

É evidente que a comunidade internacional está preocupada com a evolução do ébola, mas mais pelos efeitos que o vírus pode ter dentro das suas fronteiras do que, propriamente, pela devastação e pelo pânico que está a provocar no continente africano.

À medida que o tempo avança sem que nada de substancialmente forte seja feito, ou conseguido, para travar a evolução do vírus ébola, vai aumentando e agravando-se a lista das consequências colaterais provocadas por esta devastadora doença.

Numa altura em que já se registaram 2.460 vítimas mortais da epidemia, entre mais de 100 médicos e enfermeiras africanas, os Estados Unidos da América anunciaram a decisão de financiar e enviar para o terreno três mil militares que terão por missão ajudar na construção de centros de saúde na Libéria, Serra Leoa e Guiné Conakry.

Estes centros de saúde, especialmente habilitados a combater a progressão do vírus ébola, serão apetrechados com o que de mais moderno existe em termos de combate a diversos tipos de epidemias e serão accionados por especialistas de diversos países.

Parte dos 25 milhões de dólares disponibilizados pela China para ajudar no combate ao ébola poderão vir a ser utilizados na aquisição de equipamento e no pagamento dos salários aos trabalhadores localmente recrutados.

Calcula-se que, neste momento, cerca de 3.500 pessoas tenham já sido infectados com o vírus ébola na Guiné Conakry, Serra leoa e Libéria. Só nestes três países há a registar a morte de 1.900 doentes. A Organização Mundial de Saúde teme que se nada for imediatamente feito mais de 20 mil pessoas possam ser também atingidas.

A Organização Médicos Sem Fronteiras, que tem estado a trabalhar no terreno para travar a progressão da doença, acusa os governos da Serra Leoa, Guine e Libéria de terem respondido de forma “letalmente criminosa” aos desafios levantados pelo vírus.

Na base destas críticas estão algumas das medidas por eles tomadas, como a criação de “centros de quarentena” a céu aberto e sem a necessária vigilância sanitária e, ainda, uma certa “timidez” no impedimento dos seus cidadãos viajarem para o estrangeiro, sobretudo por via terrestre.

Numa recente conferência realizada no Ghana, onde foi analisada e discutida a melhor maneira de actuar de forma coordenada no combate ao ébola, o ministro da Saúde da Serra Leoa primou pela ausência, como se o assunto em discussão não dissesse respeito ao seu país.

É esta falta de coordenação entre os países mais atingidos pelo ébola que está a preocupar as organizações internacionais ligadas ao sector da Saúde, uma vez que torna mais difícil, a nível internacional, o estabelecimento de uma estratégia conjunta que se possa revelar efectivamente eficaz. Nessa reunião foi pedido o levantamento da interdição dos voos comerciais para aqueles três países sob o argumento de que essa medida “afecta psicologicamente” as populações mais atingidas pelo ébola.

Neste momento apenas se pode chegar por via aérea a Serra Leoa, Libéria e Guine Conakry através de Bruxelas ou de Casablanca. Em contrapartida, a Costa do Marfim e o Senegal encerraram todas as suas fronteiras terrestres com aqueles três países.

Neste momento, além daqueles países existem já três casos confirmados de morte pelo vírus do ébola na Nigéria, através da contaminação de um doente proveniente da Libéria e 31 vítimas na República Democrática do Congo por causas que as autoridades locais não conseguiram apurar de forma convincente. A nível das respectivas economias o Banco Mundial prevê uma diminuição de 2.3 por cento no desenvolvimento da Guiné Conakry, de 8.9 por cento na Serra Leoa e de 11.7 por cento na Libéria, o país efectivamente mais atingido pela doença.

Um aspecto curioso e que as organizações internacionais não costumam tratar com a devida atenção prende-se com o facto dos médicos e enfermeiras ocidentais que contraíram a doença terem conseguido escapar com vida, graças a aplicação de uma série de medicamentos e medidas que se revelaram extremamente eficazes.

A questão que se levanta prende-se com as razões que levaram os grandes laboratórios internacionais a não disponibilizarem os medicamentos que salvaram essas vidas para serem aplicados aos doentes que se encontram na Guiné Conackry, Libéria e Serra Leoa.
 Não se querendo acreditar que se esteja perante uma atitude selectiva, a verdade é que esses grandes laboratórios internacionais deveriam prestar uma maior atenção às vítimas africanas e tratá-las de modo igual aos pacientes provenientes de outros continentes de forma mais efectiva e sem olhar a questões financeiras.

É evidente que a comunidade internacional está preocupada com a evolução do ébola, mas mais pelos efeitos que o vírus pode ter dentro das suas fronteiras do que, propriamente, pela devastação e pelo pânico que está a provocar no continente africano.

Por outro lado essa mesma preocupação poderá estar associada a uma estranha revelação feita pelas Nações Unidas, que se mostrou preocupada com os efeitos do vírus do ébola na gestão das reservas alimentares, temendo que isso possa provocar um severo agravamento dos preços.

Apesar dessas preocupações, a verdade é que só agora o Conselho de Segurança aprovou uma moção, não se sabe com que efeitos práticos, que considera a epidemia do ébola um perigo para a paz e a estabilidade no continente africano.
É evidente que esta preocupação é legítima, mas seria mais curial que a preocupação principal se centrasse na necessidade de encontrar formas de poupar vidas humanas, até porque depois de morrerem as pessoas não têm mais como se preocupar com o custo e o valor dos produtos alimentares.

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