Tiago
Mota Saraiva – jornal i, opinião
É
improvável que o primeiro-ministro não se recorde se recebeu um salário de
cinco mil euros. É improvável que, exercendo a actividade de deputado, não se
recorde se realizou contemporaneamente uma actividade profissional remunerada.
É improvável que o secretário-geral da Assembleia da República Albino Azevedo
Soares desconhecesse que estava a mentir quando assinou o parecer sobre o
regime de exclusividade de Passos Coelho, ou que o facto de o seu nome
improvável constar no conselho fiscal de uma seguradora do BCP – quando também
se encontra em regime de exclusividade – tenha sido um erro lamentável. É
improvável que Passos Coelho, quando remeteu mais esclarecimentos para a PGR,
não soubesse que esta não investiga suspeitas de crimes prescritos.
Se
a sucessão de improbabilidades for verdadeira, estamos entre um fenómeno de
incompetência e um problema psiquiátrico. Isso não invalida que as perguntas
tenham de ter respostas e que os implicados tenham legitimidade para se manter
em funções.
Parece-me
particularmente interessante que esta história com alguns anos apenas seja
revelada agora e com uma aparente facilidade na obtenção de documentos que a
credibilizam. Este é um momento em que o regime está em desajuste, seja pelas
condenações recentes e pesadas dos ex-ministros socialistas Vara e Lurdes
Rodrigues, seja pelo processo que envolve Ricardo Salgado que, ainda em 2013,
era identificado pelo “Jornal de Negócios” como o 3.º mais poderoso de
Portugal, a seguir a Merkel e Draghi.
Afastemo-nos
do caso em concreto para reconhecer que o problema deste governo não era Miguel
Relvas, nem o do anterior era José Sócrates, e não nos iludamos que se resolve
com uma lei ou algumas condenações. O problema é do regime e do poder que se
constituiu, mais do que dos políticos e partidos em geral.
Ou
os cidadãos decidem construir uma ruptura e exercer o seu poder soberano e
popular, ou continuaremos a pagar a factura de um regime podre e a contribuir
para um país sem futuro.
Escreve
ao sábado
Sem comentários:
Enviar um comentário