terça-feira, 30 de setembro de 2014

Portugal: IMPROBABILIDADES



Tiago Mota Saraiva – jornal i, opinião

É improvável que o primeiro-ministro não se recorde se recebeu um salário de cinco mil euros. É improvável que, exercendo a actividade de deputado, não se recorde se realizou contemporaneamente uma actividade profissional remunerada. É improvável que o secretário-geral da Assembleia da República Albino Azevedo Soares desconhecesse que estava a mentir quando assinou o parecer sobre o regime de exclusividade de Passos Coelho, ou que o facto de o seu nome improvável constar no conselho fiscal de uma seguradora do BCP – quando também se encontra em regime de exclusividade – tenha sido um erro lamentável. É improvável que Passos Coelho, quando remeteu mais esclarecimentos para a PGR, não soubesse que esta não investiga suspeitas de crimes prescritos.

Se a sucessão de improbabilidades for verdadeira, estamos entre um fenómeno de incompetência e um problema psiquiátrico. Isso não invalida que as perguntas tenham de ter respostas e que os implicados tenham legitimidade para se manter em funções.

Parece-me particularmente interessante que esta história com alguns anos apenas seja revelada agora e com uma aparente facilidade na obtenção de documentos que a credibilizam. Este é um momento em que o regime está em desajuste, seja pelas condenações recentes e pesadas dos ex-ministros socialistas Vara e Lurdes Rodrigues, seja pelo processo que envolve Ricardo Salgado que, ainda em 2013, era identificado pelo “Jornal de Negócios” como o 3.º mais poderoso de Portugal, a seguir a Merkel e Draghi.

Afastemo-nos do caso em concreto para reconhecer que o problema deste governo não era Miguel Relvas, nem o do anterior era José Sócrates, e não nos iludamos que se resolve com uma lei ou algumas condenações. O problema é do regime e do poder que se constituiu, mais do que dos políticos e partidos em geral.

Ou os cidadãos decidem construir uma ruptura e exercer o seu poder soberano e popular, ou continuaremos a pagar a factura de um regime podre e a contribuir para um país sem futuro.

Escreve ao sábado

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