terça-feira, 2 de setembro de 2014

Portugal: NÃO HÁ TRABALHADORES NO NOVO BANCO



Pedro Tadeu – Diário de Notícias, opinião

A semântica é tramada. A campanha publicitária de lançamento do Novo Banco diz assim: "Nascer com o empenho renovado de seis mil colaboradores é um bom começo"... "Colaboradores?!", perguntei-me, com espanto. "Mas será que não há trabalhadores no Novo Banco?!" Tento, então, adivinhar as razões para ter sido adotada a opção de substituir a palavra "trabalhador" por "colaborador".

Eis a primeira hipótese: ser "trabalhador" foi considerado insulto capaz de fazer corar de vergonha estas seis mil almas do Novo Banco...

Entrar, de segunda a sexta-feira, às oito da manhã, nas 600 agências da instituição financeira para atender clientes a troco de um salário pago no final de cada mês é algo embaraçoso? É atribuir a alguém um estatuto pária na sociedade?

Eis algo que não aceito. Trabalhar é uma honra e, nos dias que correm, de desemprego crónico, arrisca-se a ser um privilégio. Colaborar, pontual e precariamente, é, isso sim, sinónimo de degradação de estatuto social. Não é por aqui.

Segunda hipótese: terá algo a ver com a apresentação? Como os bancários costumam andar de fato e gravata ou de fato saia-casaco, conforme o género, distinguem-se estes assalariados das hordas "proletas" de operários de ganga criando, com apenas uma palavra, uma elite especial dentro da mole imensa que declara ao Estado rendimentos por conta de outrem?

Se passearmos num centro comercial percebemos logo como essa linguagem corporal é coisa do século XX: ele há tanto corpo fabril a desfilar casaco Gucci e tanto burguês com cor de spa a estalar nos pés chinelos (havaianas, dizem eles) que também não pode ser por aí...

Resta-me esta terceira e última hipótese: o colaborador colabora e o trabalhador atrapalha.

Um colaborador não tem horário certo, não tem sindicato, não reclama, obedece, e está sempre com um sorriso. É um descanso.

Um trabalhador é um calão que só pensa em direitos e recusa deveres, um desconfiado que quer saber como os administradores governam a empresa, um obcecado com as desigualdades salariais, um perturbador. Um comuna, em suma.

(Isto de achar que todos os trabalhadores são comunas é presumir que todos os comunistas são trabalhadores, o que é uma óbvia mentira e um erro grave para quem é trabalhador e não é comunista.)

Chego ao fim sem conclusão segura sobre o slogan. Mas, constato: se no antigo BES existissem mais trabalhadores que achassem ter a obrigação de colaborar qualitativamente com a gestão da empresa - e não haver apenas colaboradores reduzidos à condição de verbos de encher - se calhar a tragédia financeira do Velho Banco não tinha acontecido.

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