domingo, 21 de setembro de 2014

Portugal: SERÁ DE PROPÓSITO?



Pedro Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião

É provável que a vacuidade de Vítor Bento na análise política e económica seja parecida com a sua qualidade como gestor, mas nada indica que esteja louco ou que seja desprovido do mais básico bom senso. Assim sendo, não é de crer que ele e a sua equipa se tenham demitido por birra ou capricho, colocando em risco o Novo Banco e a já fragilíssima estabilidade do sistema financeiro.

A Bento foi-lhe solicitada uma missão, proposta uma estratégia e depois alguém no Governo ou no Banco de Portugal teve outra ideia e mudou tudo. Qualquer semelhança com a atuação típica do Executivo não é mera coincidência.

É por demais evidente que neste processo do BES/Novo Banco está escarrapachada a incompetência/inconsciência/irresponsabilidade que tem sido a assinatura deste Governo.

Em primeiro lugar, a espécie de delegação, no Banco de Portugal e em Carlos Costa, de poderes para conduzir a questão BES, pós-intervenção. A questão é de interesse público e quem está mandatado pelo povo para tratar assuntos desta gravidade é o Governo, diretamente, sem delegados. Um governo que aparece de toalha, para ir secando as mãos, e finge que é espectador num processo em que está em jogo 20% da riqueza nacional e que pode fazer implodir o sistema financeiro português, é um Governo suicida e irresponsável.

E onde estão as atribuições do Banco de Portugal para administrar bancos comerciais ou desenhar ou, mesmo, executar estratégias de gestão? E, claro está, temos a tarefa que deve estar a espantar o mundo dos bancos centrais: o Banco de Portugal como mediador de negócios de compra e venda.

Enquanto a antiga administração estava em funções, tínhamos ministros a definir a estratégia do banco na praça pública. De manhã era preciso consolidar, à tarde era preciso vender o mais depressa possível. Num dia, a ministra das Finanças punha em causa a supervisão, no outro enaltecia a tarefa do Banco de Portugal.

Tivemos uma estratégia e em meia dúzia de semanas arranjou--se outra: há que vender rapidamente o banco. Qualquer vendedor de carros usados sabe que anunciar pressa na venda faz diminuir o valor de um bem. Como no Governo faltam estadistas mas sobram vendedores de banha da cobra, o mais certo é alguém pensar que mesmo perdendo dinheiro dos contribuintes, mesmo pondo em causa o futuro da instituição, o importante é atirar o problema para um lado qualquer antes das eleições para parecer que o assunto está resolvido.

Mas eis que surge outra confusão. O novo presidente do banco, Stock da Cunha, na carta que dirigiu aos colaboradores do banco, disse que "temos de voltar a crescer em volume de negócios e créditos... e acabar com a discussão permanente sobre o modelo ou a data de venda". Das duas, uma: ou o Governo está a mentir, e afinal não tem pressa em vender, ou Stock da Cunha ainda estará menos tempo no banco do que Vítor Bento.

Estamos perante uma gigantesca trapalhada, em que o Governo se porta como uma barata tonta e se tenta esconder por detrás do Banco de Portugal. No entretanto, brinca com milhares de depositantes e põe em seriíssimo risco os outros bancos.

Os disparates são tantos e tão graves que há alturas em que é legítimo pensar que o Governo quer fazer implodir o Novo Banco e o sistema financeiro português. Talvez na sequência do que está a fazer à Justiça.

Não bastava termos um governo que não estava preparado para enfrentar a crise, temos também governantes que tratam o maior problema do nosso sistema financeiro das últimas décadas duma forma absolutamente errante e irresponsável. É azar a mais.

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