Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Durão
Barroso fez, no Parlamento Europeu, o discurso de um alucinado. Como é
possível, com um mínimo de realismo, dizer que a União Europeia (UE) está hoje
melhor do que estava quando assumiu a presidência da Comissão?
Nestes
dez anos, o "projeto europeu" sofreu uma profunda desfiguração e
desconfiguração que nega objetivos e princípios em que se fundava; como
"projeto político comum" é hoje um monte de cacos; perdeu prestígio e
influência internacional e contribuiu para o aumento de tensões e perigos dentro
do espaço europeu, no Médio Oriente, no norte de África e em países árabes;
encetou um retrocesso social e civilizacional; aumentou o desemprego e está a
tolher o futuro da juventude em grande parte dos países membros; falhou no
crescimento económico, tendo-se agravado as desigualdades e a injustiça na
distribuição dos rendimentos e da riqueza; do seu espaço continua a sair a
maior parte do dinheiro e as operações que alimentam os paraísos fiscais, os
recetores do imenso roubo "legal" que vem sendo feito aos povos.
Não
querendo precipitar-me em julgamentos, digo, por isso, que é muito cedo para se
perceber se Barroso esteve mais ao serviço dos interesses hegemónicos da
Alemanha, se ao serviço de objetivos e estratégia do imperialismo americano que
se agita em perigosa decadência. Mas parece inquestionável que fez dos europeus
carne para canhão na dura guerra que o neoliberalismo económico e financeiro
tem em marcha.
A
carreira internacional de Durão Barroso nasceu nos Açores, nessa execrável
cimeira em que servia de cicerone a George Bush, Tony Blair, José Maria Aznar,
quando estes, sobre mentiras, engendraram a decisão final de invasão e
destruição do Iraque. O que valem, na boca de Barroso, as palavras diálogo,
cooperação, solidariedade ou paz? Essa cimeira desencadeou um processo de
guerras horrorosas, de incremento de intolerâncias, de fundamentalismos, de
barbárie, de generalização de atos terroristas. A Humanidade está a pagar um
preço altíssimo por essa loucura imperialista e belicista.
Durão
Barroso foi, em regra, a voz inexistente contra as injustiças e tudo fez para
que os povos europeus não se pudessem pronunciar sobre o seu destino,
desarmando as consultas sobre os projetos de "Constituição Europeia"
que, se tivessem ido em frente, haveriam de gerar compromissos políticos
alternativos e evitar que o Tratado de Lisboa viesse a consagrar uma UE
dualista e injusta. Manipulando a tese de que não há um modelo social europeu,
mas sim tantos modelos quantos os países membros, ele promoveu um processo de harmonização
social no retrocesso. Numa atitude de servilismo transatlântico incentivou o
chamado Tratado de Livre Comércio com os EUA, que muitos problemas criará ao
desenvolvimento de países europeus. Durão Barroso foi o matreiro promotor das
políticas de austeridade, sempre em manobrismos negociais, tendo apoiado um tal
fundamentalismo financeiro e austeritário que ultrapassou as receitas do FMI.
Agora,
em poucos dias, com a saída de Barroso, formou-se um sentimento de alívio e
esperança em vários atores políticos e económicos. É caso para dizer que o ato
mais relevante, mais esperançoso do seu desempenho foi, sem dúvida, a sua
saída. Mas essa esperança poderá não passar de uma miragem se analisada com
mais atenção.
A
UE é hoje um navio cheio de rombos em rota perigosa. A promessa de algum
desaperto da austeridade a troco da desvalorização salarial, da perda de
direitos no trabalho e de prosseguimento do ataque ao Estado social, sempre
debaixo do slogan "Reformas estruturais", é um grave perigo.
Sem
a resolução dos grandes bloqueios que as políticas europeias significam, sem
solução para as dívidas (em grande parte fruto das políticas da UE), sem outro
rumo para o euro ou ajuda aos países em dificuldades para se libertarem dos
aprisionamentos da moeda única, sem possibilidades de investimento e a
desinfeção do sistema financeiro, não há condições para esperança. Ficarmos
prisioneiros da ideia de um milagre, quando a mudança se resume à presença nova
do Sr. Juncker e ao seu discurso de "sensibilidade social", pode ser
muito pouco e colocar-nos à espera do que jamais acontecerá.
Sem comentários:
Enviar um comentário