Carlos
Fino – África 21, opinião
Perante
realidade tão estranha, há um momento em que somos tentados a atribuir ao outro
– no caso, o asiático – a origem do problema. Mas é o próprio Joshua
Oppenheimer quem nos alerta, em entrevista, que o horror foi estimulado e
apoiado pelo ocidente. Todos somos, portanto, responsáveis.
Realizado
em 2012, candidato a um Óscar de melhor documentário e premiado em vários
festivais internacionais, o filme The Act of Killing (O Acto de Matar), do
norte-americano Joshua Oppenheimer, começa agora a ser largamente visto no
mundo inteiro e está a provocar na Indonésia um movimento de revisão do seu
passado sangrento.
Os
factos remontam aos anos 1965-1966, quando o então presidente Sukarno, líder
anti-colonialista e inspirador do movimento dos não-alinhados, foi afastado por
um golpe militar apoiado pelos Estados Unidos.
Seguiu-se
uma violenta onda de repressão em larga escala que levou, em menos de um ano,
ao assassinato sumário de mais de um milhão de pessoas – membros do partido
comunista, sindicalistas, professores, intelectuais, chineses, javaneses...
- acusadas de participarem ou serem coniventes com uma tentativa (real ou
imaginária?) de instaurar no país um regime comunista.
O
instrumento desse genocídio foi um corpo para-militar transformado em esquadrão
da morte, que recorria aos "serviços" dos elementos sociais mais
desclassificados.
O
filme mostra-nos um desses torcionários – Anwar Congo - que juntamente com
alguns parceiros seus descreve sem aparente remorso a forma como procediam às
execuções.
A
nova ordem que desde então e até hoje prevalece no país não só nunca questionou
esse período sangrento como consagrou até como heróis os assassinos.
Tudo
com a conivência cúmplice dos media, com jornalistas confessando terem
falsificado os factos para justificar a repressão e órgãos de impacto nacional
como a televisão pública acolhendo entre sorrisos e entrevistando em prime time
os criminosos, que admitem os assassinatos como se fosse tudo muito natural.
Só
no final, depois de ter assumido no cenário o lugar das suas próprias vítimas,
é que o assassino confesso esboça um início de arrependimento.
Na
Indonésia, apesar de alguma resistência das autoridades, o filme levou a que,
pela primeira vez desde os anos 60, as pessoas começassem a interrogar-se sobre
a legitimidade do golpe e do genocídio que se seguiu.
O
filme – que oscila entre o documentário e a ficção surreal - é perturbador
porque recusa a condenação à priori, dá voz aos criminosos e assim fazendo
confronta-nos com a aparente banalidade do mal.
Perante
realidade tão estranha, há um momento em que somos tentados a atribuir ao outro
– no caso, o asiático – a origem do problema. Mas é o próprio Joshua
Oppenheimer quem nos alerta, em entrevista, que o horror foi estimulado e
apoiado pelo ocidente. Todos somos, portanto, responsáveis.
Quer
isso dizer que não há salvação? O filme não chega a ser tão pessimista.
O
esboço de arrependimento final – sincero ou encenado, nunca saberemos –
resgata-nos para a possibilidade de um sentido de humanidade universal e
intrínseco, em que o mal é radicalmente condenado, independentemente quem o
pratique e de ser ou não legitimado pela correlação de forças dominante neste
ou naquele momento.
Ver
mais sobre este tema:
1.
http://www.theguardian.com/film/2013/jun/20/joshua-oppenheimer-act-of-killing
2.
https://www.youtube.com/watch?v=hHGbb64YxAk
3.
https://www.youtube.com/watch?v=Q3FcB1UZHlg&feature=share
*
Carlos Fino, jornalista português, foi enviado especial e correspondente
internacional da RTP - televisão pública portuguesa - em Moscou, Bruxelas e
Washington, e correspondente de guerra em diversos conflitos armados na
ex-URSS, Afeganistão, Albânia, Oriente Médio e Iraque. Foi
conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012),
cidade onde atualmente reside.
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