Immanuel Wallerstein – O Diário - Outros autores
Quando
Obama disputava a presidência em 2008 fez muitas promessas – como é normal que
os políticos façam –, mas a promessa com que se comprometeu foi sair do Iraque
e do Afeganistão. E não a vai cumprir. O que está de facto a fazer é a meter os
Estados Unidos em mais países.
O
presidente Barack Obama disse aos Estados Unidos, e em particular a seu
Congresso, que tem de fazer algo muito importante no Médio Oriente para deter o
desastre. A análise do suposto problema é extremamente opaca, mas os tambores
patrióticos começam a subir o tom e quase todo o mundo, de momento, acompanha o
jogo. Uma cabeça mais tranquila diria que se agitam desesperados por uma
situação por cuja criação os Estados Unidos são os maiores responsáveis. Não
sabem o que fazer, de modo que actuam em pânico.
A
explicação é simples. Os Estados Unidos encontram-se em séria decadência. Tudo
lhes está a correr mal. E tomados de pânico são como o condutor de um poderoso
automóvel que perdeu o controlo e não sabe como diminuir a velocidade. De modo
que acelera e se encaminha para um choque importante. O carro gira em todas as
direcções e derrapa. É autodestrutivo para o condutor, mas o choque pode também
arrastar o resto do mundo para um desastre.
Dedica-se muita atenção ao que Obama faz e ao que não fez. Mesmo os seus defensores mais próximos parecem duvidar dele. Um comentador australiano no Financial Times resumiu-o numa frase: “em 2014 o mundo repentinamente fartou-se de Barack Obama”. Pergunto-me se Obama não se cansou de Obama. Mas é um erro culpá-lo apenas a ele. Virtualmente ninguém entre os líderes estadunidenses propôs alternativas que fossem mais sensatas. Muito pelo contrario. Há os instigadores da guerra, que quiseram bombardear tudo de imediato. Há os políticos que efectivamente pensam que fará uma grande diferença quem ganhe as próximas eleições nos Estados Unidos.
Uma
rara voz de saúde mental provém de uma entrevista (aparecida no New York Times)
com Daniel Benjamim, que foi o principal assessor de antiterrorismo do
Departamento de Estado estado-unidense durante o primeiro período presidencial
de Obama. Apelidou de farsa a chamada ameaça do ISIS, quando membros do
gabinete e outras figuras militares de alta patente descrevem a ameaça em
injustificados termos de catástrofe. E afirma que o que vêm dizendo não assenta
em nenhuma prova corroborada e apenas demonstra quão fácil é para os
funcionários e os media acelerarem o público no sentido do pânico. Mas, ¿quem
faz caso do senhor Benjamin?
De
momento, e com a ajuda de horripilantes fotos que mostram a decapitação de dois
jornalistas estadunidenses às mãos do Califado, as sondagens nos Estados Unidos
mostram um enorme apoio a uma acção militar. Mas, ¿quanto vai isso durar? O
apoio permanece enquanto pareça haver resultados concretos. O chefe do Estado
Maior Conjunto, Martin Dempsey, ao propor uma acção militar diz que levará pelo
menos três anos. Multipliquem isso por cinco e talvez se aproximem de quanto
vai durar. E o público estado-unidense com toda a certeza que se desiludirá
rapidamente.
Por
agora, o que Obama propõe é bombardear alguma coisa na Síria, não o envio de
tropas “ao terreno”, mas o incremento de tropas especiais (até agora 2 mil)
para ministrar treino no Iraque (e provavelmente em outros lugares). Quando
Obama disputava a presidência em 2008 fez muitas promessas – como é normal que
os políticos façam –, mas a promessa com que se comprometeu foi sair do Iraque
e do Afeganistão. E não a vai cumprir. De facto o que está é a meter os Estados
Unidos em mais países.
A
coligação de Obama vai oferecer treino aos que define como “os bons”. E parece
que esse treino ocorrerá na Arabia Saudita. É bom para a Arabia Saudita. Podem
examinar todos os que vão ser treinados e decidir em quais confiar e em quais
não se pode confiar. Isto torna possível que o regime saudita (no mínimo tão
atrapalhado como o regime dos Estados Unidos) pareça estar a fazer alguma
coisa, e permite-lhe sobreviver um pouco mais.
Há
formas de superar este cenário catastrófico. Não obstante implicam a decisão de
fazer a viragem da guerra para os acordos políticos entre toda a espécie de
grupos que não se apreciam entre si e que não confiam uns nos outros. Tais
arranjos políticos não são desconhecidos, mas são difíceis de levar a cabo, e
quando se acabam de pactuar são frágeis, até que se consolidam. Um elemento
principal nos acordos que estão em processo no Médio Oriente é não um maior,
mas um menor envolvimento dos Estados Unidos. Ninguém confia nos Estados
Unidos, mesmo que momentaneamente invoquem a assistência estado-unidense para
isto ou para aquilo. O New York Times referiu que, na reunião em que Obama conseguiu o
acordo para avançar com a sua nova coligação, o apoio dos países do Médio
Oriente presentes foi “frouxo” e “renitente” devido a que existe “de todo o
lado uma crescente desconfiança em relação aos Estados Unidos”. De modo que
embora prossiga o jogo, de algum modo limitado, ninguém vai mostrar gratidão a
qualquer assistência estado-unidense. O fundo da questão é que os povos do
Médio Oriente querem gerir o seu próprio espectáculo, e não corresponder ao que
os Estados Unidos acham que é bom para eles.
©
Immanuel Wallerstein
Fonte:
http://www.jornada.unam.mx/2014/09/21/opinion/022a1mun
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