domingo, 12 de outubro de 2014

Portugal: ATITUDES POUCO DEMOCRÁTICAS



Luís Rosa – jornal i, opinião

É inconcebível que o Constitucional demore cinco anos a escrutinar as contas dos partidos

Estamos em 1972. Washington, DC, capital dos Estados Unidos. Cinco homens invadem um escritório do Partido Democrata situado no edifício Watergate com o objectivo de colocar escutas telefónicas. Alguns são apanhados por um segurança e levados a julgamento no dia seguinte. Movidos pela curiosidade, dois jornalistas começam a investigar a identidade dos assaltantes e começam a detectar ligações ao Partido Republicano. Estávamos em ano de eleições presidenciais e Richard Nixon procurava a reeleição para um segundo mandato, concorrendo contra o democrata Hubert Humphrey. Um dos assaltantes do Watergate, descobriram os jornalistas, fazia parte da folha salarial de um comité de reeleição de Nixon, enquanto outro dos invasores tinha recebido na sua conta um cheque de 25 mil dólares que tinha sido endossado pelo mesmo comité. Eram duas provas sólidas que ligavam o fundo de campanha eleitoral de Richard Nixon à invasão do edifício Watergate.

Estas informações só foram descobertas pelos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein porque há mais de 40 anos (sim, leu bem) já era possível qualquer cidadão norte-americano aceder facilmente à informação de quem financiava as campanhas eleitorais. A seguir à demissão de Nixon foram aprovadas novas regras que tornaram as campanhas eleitorais totalmente transparentes para todos os cidadãos. O caso Watergate não deixa por isso de representar também a força da democracia norte-americana e a importância de um escrutínio intenso dos partidos políticos por parte da comunicação social em nome dos cidadãos.

Regressemos a 2014, Lisboa, capital de Portugal. PSD, PS, CDS, PCP e Bloco de Esquerda, os cinco partidos com assento parlamentar, recusam-se a revelar ao i os donativos que receberam de particulares durante os anos de 2012 e 2013. Uns nem sequer se dignaram responder aos jornalistas João D'Epiney e Pedro Rainho, enquanto os comunistas não vêm "interesse jornalístico na pormenorização" - certamente uma atitude saudosista do tempo da União Soviética, em que o "interesse jornalístico" era definido pelo partido. Enquanto os americanos conseguem saber no próprio momento quem participou num jantar de campanha, os portugueses ainda não sabem quem doou dinheiro aos partidos em 2010, 2011, 2012 e 2013. Para quem gosta de pensar que Portugal é um país subdesenvolvido, e não um país da União Europeia, está aqui um excelente argumento.

É inconcebível que as contas de 2009 dos partidos só tenham sido finalmente analisadas pelo Tribunal Constitucional em Abril deste ano, tal como nenhum norte-americano aceitaria que as contas dos partidos políticos demorassem quatro anos a ser escrutinadas.

A proibição dos financiamentos por empresas, o aumento dos subsídios públicos para as campanhas eleitorais, a publicitação obrigatória das listas dos doadores individuais e a proibição de doações em dinheiro introduziu maior transparência no financiamento dos partidos. Podemos dizer que o tempo das malas de dinheiro, porventura, já lá vai. Tal como a ligação promíscua entre o sector da construção civil e das obras públicas e os partidos políticos terá diminuído substancialmente. Mas nenhuma democracia resiste à opacidade. Nem mesmo à mais básica, como recusar a divulgação da lista dos doadores. É com atitudes como esta dos cinco partidos com assento parlamentar que é descrita nas páginas ao lado que fenómenos como Marinho e Pinto ganham fôlego. Merecidamente para os partidos tradicionais, mas infelizmente para a democracia.


Sem comentários:

Mais lidas da semana