Pedro
Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião
1 "O
governo optou por não aumentar os impostos", disse Maria Luís Albuquerque
na conferência de imprensa de apresentação do Orçamento de Estado para 2015.
Ficamos logo a saber que a ministra das finanças não fala com Paulo Portas, nem
devem frequentar o mesmo conselho de ministros. Pelos vistos, a dúvida era se
se subiam os impostos ou não, logo, o vice-primeiro-ministro, quando defendia
publicamente a descida da sobretaxa, não fazia a mais pequena ideia do que se
estava a passar. Digamos que estamos perante um Governo sui generis.
No
dia seguinte, titulava o DN: "um orçamento que não sobe impostos mas
agrava a carga fiscal". Ou seja, os impostos não aumentam, mas vamos pagar
mais impostos. Não vamos empobrecer, mas vamos ficar mais pobres. Ninguém se
está a rir da nossa cara, estão apenas a gozar connosco.
Estávamos
a assistir às habituais críticas ao Tribunal Constitucional por este insistir
em fazer cumprir a Constituição, quando apareceram boas notícias: acaba parte
da CES e começam-se a repor os salários dos funcionários públicos. A sra.
ministra disse que a responsabilidade por estas duas medidas era do Governo. Se
calhar, desta vez, nem estava a gozar, nem queria enganar ninguém, devia estar,
com certeza, confusa por ter estado a falar do Tribunal Constitucional.
2 "Eu
sei que há políticos que acham que as eleições se ganham baixando impostos e
aumentando salários", disse o primeiro-ministro, no dia da apresentação do
OE. Ou seja, Passos Coelho não perde uma oportunidade para humilhar Paulo
Portas.
Não
consta que o irrevogável Vice-primeiro-ministro tenha dito saber que existem
políticos que não hesitam em dizer que não vão cortar salários e pensões para
ganhar eleições. Também não foram divulgadas declarações de Paulo Portas sobre
o novo rumo do ex-partido do contribuinte e do pensionista.
3 Segundo
Maria Luís não dá para cortar na despesa. Pelos vistos, não havia assim tantas
gorduras, nem tanto consumo intermédio. Mesmo os cortes em salários e pensões -
os que a Constituição permite - não chegam. Nem mesmo a genial reforma do
Estado que ia reduzir estruturalmente a despesa, desenhada por Paulo Portas e
explicada num documento que fica para a história do anedotário político,
conseguiu vergar o monstro batizado por Cavaco Silva.
Mas
nem tudo está perdido. Afinal cai haver cortes na despesa.
Voltam
os cantados consumos intermédios. Pelos vistos só agora é que foi possível
descobrir 507 milhões deles para cortar. Também se esperou pelo próximo ano
para acabar com as despesas em licenças de software, pareceres e assim: 317
milhões de euros... gente esquecida. Depois temos ainda mais 300 milhões de
poupança na misteriosa rúbrica "Outras medidas sectoriais", que é
como quem diz logo se vê. Resumindo, com estas e outras mais de metade dos
cortes na despesa ninguém sabe como serão feitos.
Deixemos
de lado o corte de 700 milhões na educação. Segundo o ministro Crato, para o
ano não há mais experimentalismos, logo o dinheiro não deve fazer falta.
Alguém
se lembra da consolidação através dum esforço de 1/3 na receita e 2/3 na
despesa?
Lá
está, baixando impostos e aumentando salários podem-se não ganhar eleições, mas
já mentindo...
4 Anedotas,
brincadeiras, despesa que desaparece sem se saber bem como e, não podia faltar,
um pouco de ilusionismo. Temos, por exemplo, uma previsão de crescimento do
consumo privado de 2% e uma previsão de aumento na receita do IVA de 4,6%. Ou
seja, ou vamos ter um crescimento inimaginável na detecção da fuga a este
imposto ou estamos perante um puro delírio. E por falar em delírio, teremos a
devolução da sobretaxa se o IVA e o IRS subirem 6,4%, sabendo que a previsão do
crescimento do PIB é de 1,5%. Talvez seja aquele ilusionismo já nosso
conhecido: o que faz desaparecer o coelho mas não o faz reaparecer.
5 É
por estas e por outras que concordo com algumas análises que tenho lido e
ouvido, que este é um orçamento na linha dos anteriores: ficcionista nas
previsões mas muito real a destruir a economia. A mesma economia de cuja
evolução positiva depende a execução deste OE. Isto é, faz-se depender tudo do
bom desempenho económico quando a carga fiscal aumenta, as economias dos
mercados para onde exportamos fraquejam, o investimento continua anémico e os
nossos conhecidos mercados não andam propriamente estáveis. Talvez fosse bom
lembrar que ultimamente não tem havido grande fartura de milagres.
6 Há,
porém, sempre um pouco de paraíso na zona de desastre. A reforma do IRS e a
pacote da Fiscalidade verde vão no bom sentido. É verdade que o efeito no
rendimento é, para a esmagadora maiorias das famílias, muito baixo, mas a
possibilidade de mais tipos de deduções serem admitidas é um bom sinal. Tal
como é uma excelente indicação a substituição do quociente conjugal pelo
familiar, apoiando, por pouco que seja, as famílias com dependentes a cargo.
A
Fiscalidade verde é um dossier bem pensado e com uma visão que vai muito para
além do aspeto fiscal. Incentiva comportamentos que beneficiam a comunidade,
como a diminuição dos sacos de plástico, menos emissões de CO2, os apoios à
utilização de carros elétricos.
No
fundo os dois pacotes são bons exemplos do que seria um bom caminho, e não só
fiscal: uma visão de política global com contributos para mais apoios às
famílias e a uma boa política ambiental. O problema, claro está, é que essa
visão não existe, e a que há é de forma a destruir até as boas iniciativas.
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