Baptista-Bastos
– Diário de Notícias, opinião
A
derrota de António José Seguro, pela extensão e pelo número, configurou o
escorraçar de um mal-amado e o desfazer de um equívoco. A política do
secretário-geral do PS (ou, melhor, a falta dela) para enfrentar e combater a
agenda do PSD; os indícios fornecidos pelas grandes manifestações populares; as
decisões do Governo, cada vez mais autoritário e infenso aos clamores e às
angústias da população, tudo isso exigiam uma disposição, uma coragem e,
sobretudo, uma força moral de que Seguro não dispunha.
As
suas intervenções, no Parlamento e fora dele, a falsa desenvoltura e o oculto
embaraço; a miséria de uma retórica que personalizava tudo com um "eu
quero" enfático, haviam feito deste homem obsoleto a caricatura de um
político a sério. Adicione-se a estas falhas as deficiências de carácter,
reveladas logo após a queda de Sócrates, que apenas por pudor não insisto em
relembrar.
Durante
a campanha assistimos à simpatia com que Seguro era tratado por elementos do
Governo, e por comentadores e jornalistas estipendiados, e ao mal dissimulado
desdém destes por António Costa. Sem esquecer as afirmações do Marcelo e do
Marques Mendes, os quais entendiam que uma vitória de Seguro seria mais
benévola para Passos Coelho. Penso que as coisas não são assim tão distendidas
entre Costa e Seguro, mas o primeiro provém de outra cultura ideológica, de
outra família política e de predicados consolidados em lutas antigas e nobres.
Um legado nada despiciendo.
Não
se pense que, assim de repente, Costa vai restituir as funções, as noções e os
princípios comuns a um partido socialista, há muito esquecidos e traídos. No
Fórum Lisboa revi muitos daqueles que ressuscitam sempre que lhes cheira a
poder, a empregos e a funçanatas.
O
PS, cheio de artroses, de vícios e de cãibras, tem de ser removido, e Costa e
os seus enfrentam trabalhos e ciladas enormíssimos. Esta é a questão mais
premente que se apresenta. Que Partido Socialista deseja António Costa, depois
de desenterrar velhos símbolos, como o punho erguido, e o cravo vermelho,
afastados do proscénio, como se ambos não fossem pertença de uma longa história
resistente e sem donos?
Os
obstáculos que o grande vencedor das primárias vai encontrar têm que ver com os
que querem um PS sossegadinho e brunido, de vã retórica e absorto no
"deixar andar", e aqueles que ambicionam rumar a outros portos. A
votação de domingo surge como o despertar de qualquer coisa de veemente e de
profundo. Claro que a participação dos "simpatizantes" e o número
significativo dos votantes, aparentemente não filiados, sugerem outras
injunções e permitem admitir que os "externos" deram um impulso
poderoso ao movimento das coisas. Os sinais e as exigências de mudança, no
partido e no País, não podem ser ignorados por uns e por outros.
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