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No
demais, as propostas orçamentais do governo merecem uma sonora gargalhada,
evitada apenas pelos sofrimentos que vão ampliar
A
agonia do governo é um facto evidente. Já aqui o escrevi mais do que uma vez. E
se dúvidas houvessem, estas ficaram dissipadas com a proposta de Orçamento do
Estado para 2015, apresentada pela senhora ministra das Finanças, com
indisfarçável, mas despropositada euforia, como se estivesse num copo d' água. Quando
apenas anunciava, afinal, mais um aumento da carga fiscal, encoberto num imenso
rol de falácias e de enganos. Esta proposta de Orçamento (bem como o
"experimentalismo" que envolveu a sua discussão, os golpes e
contragolpes entre os parceiros da coligação, e o tom festivo com que foi
apresentada) não é só um exercício de irresponsabilidade e demagogia. É,
definitivamente, o toque de finados de um governo há muito tempo à deriva,
ainda a sobreviver com a respiração boca a boca de Belém.
Vamos
por partes. Lembremos, em primeiro lugar, aos mais distraídos que, desde o
primeiro momento, este governo optou por ir para além do memorando inicial da
troika. As consequências dessa opção, feita em parte por razões ideológicas, e
noutra parte por servilismo a Berlim, foram desastrosas. O memorando inicial da
troika parece hoje um "suave" conjunto de medidas de austeridade,
comparado com a calamidade que se abateu sobre os portugueses nestes últimos 3
anos. Desde o início de 2012 que o governo deixou de estar confrontado com a
situação que tinha herdado. Passou a estar confrontado com a situação que,
irresponsavelmente, tinha provocado na economia. Lembramo-nos, certamente, do
cândido espanto de Vítor Gaspar perante o desemprego a crescer em flecha. Ou que o
previsto na cartilha da troika era o défice orçamental atingir os 3% no final
do ano passado, quando no final deste ano ainda vamos estar acima dos 4%.
Aliás, Portugal foi o país intervencionado onde as previsões do défice
orçamental mais falharam. O pornográfico aumento da carga fiscal, o permanente
ataque aos salários dos funcionários públicos e às pensões de reforma, a saída
do país de muitos milhares de jovens, a deterioração da Administração Pública,
em geral, e da Educação Pública, em particular, a dimensão da pobreza que por
aí crassa não eram uma inevitabilidade que resultasse do passado. São sobretudo
as consequências das opções deste governo.
O
inquérito do INE às Condições de Vida dos Portugueses, mesmo desactualizado (já
há mais um ano e meio de empobrecimento notório), dá a medida dos efeitos das
opções deste governo: a população na pobreza absoluta cresceu quase 30% de 2011
para 2013; 1 em 4 portugueses vive em "privação material", segundo a
classificação estatística, o que significa, em linguagem corrente, na miséria.
Perante este quadro, o governo propõe aliviar os impostos sobre as empresas,
beneficiando os grandes grupos económicos, e - pasme-se - limitar as prestações
sociais de base não contributiva que aliviam os mais necessitados. E, como diz a
própria ministra das Finanças, com esta receita "vamos levar 10 anos até
voltar à normalidade".
Ademais,
as propostas orçamentais do governo merecem uma sonora gargalhada, evitada
apenas pelos sofrimentos que vão ampliar. A deriva é tal que até a vergonha se
perdeu: o exemplo paradigmático é a proposta de aumento de 864 milhões de euros
nas despesas dos gabinetes ministeriais, enquanto são retirados 700 milhões de
euros na Educação. O emaranhado de alterações ao IRS são, no geral, um engodo,
que vai aumentar a receita deste imposto em vez de a diminuir. A cereja em cima
do bolo ficou reservada, como mais uma anedota de campanha eleitoral, para a
contribuição extraordinária: cobramos agora e, se cobrarmos mais impostos do
que o previsto, devolvemos em 2016. Primeiro, exageraram o crescimento
económico e as previsões de receitas para que isso não aconteça; segundo, sabem
que não estão no governo em 2016. O guião é o mesmo da última campanha
eleitoral: garantir a uma adolescente de Vila Franca de Xira que não haveria
cortes no subsídio de férias e de Natal dos seus pais.
Como
diria Eça de Queirós: "sobre a nudez crua da verdade, o manto diáfano da
fantasia". Este governo anda a vender "relíquias da Terra Santa"
fabricadas em série nas oficinas neoliberais dos corredores de São Bento.
Jurista.
Escreve à segunda-feira
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