Nuno
Ramos de Almeida – jornal i, opinião
Comentadores
de turno estão indignados: "Não se pode deter um primeiro-ministro como
outra pessoa qualquer." A justiça não é isso mesmo, todos sermos tratados
como iguais?
A
1 de Julho de 2008, o "Diário de Notícias" reportava, com as palavras
do excelente João Pedro Henriques, o lançamento de uma biografia muito fofinha
de José Sócrates. Na mesa, para apresentar o livro "O Menino de Ouro do
PS", sobre a vida do então primeiro-ministro, estava o barão do PSD Dias
Loureiro. "Este elogiou 'as características políticas de Sócrates'. Por
exemplo, a sua 'atenção aos detalhes'. 'Só quem está atento aos detalhes pode
fazer grandes coisas. Essa é uma característica dos grandes homens.'
Elogiou-lhe também a 'sensatez' e a 'prudência' e ainda o 'optimismo': 'O
optimismo de Sócrates faz muito bem a Portugal."
Tivemos
uma geração de meninos de ouro que conduziu de facto Portugal; mais duvidosa é
avaliação das benesses que trouxe ao país. Temos de facto uma geração de
políticos endinheirados num país falido.
Algum
tempo depois, o apresentador do livro seria ouvido na comissão parlamentar de
inquérito sobre o caso BPN. Entre muitos factos relativos à sua participação na
gestão de um banco que roubou milhares de milhões de euros aos contribuintes
estava o negócio de Porto Rico, que custou à SLN, detentora do banco, mais de
30 milhões de euros, e as suas relações com o milionário libanês Abdul El
Assir, preso em Julho de 2012 por ligação a um caso de tráfico de armas com o
Paquistão que envolveria até um atentado em Karachi. Apesar de
tudo isto, não creio que Dias Loureiro, como a maioria dos antigos detentores
de cargos públicos, seja alguma vez condenado por um tribunal nacional. A
justiça portuguesa tem mostrado até muito respeitinho e uma fantástica
capacidade de arquivar e fazer prescrever casos.
Até
à sua detenção para interrogatório, o ex-primeiro ministro José Sócrates sempre
teve o condão de não ser formalmente investigado em casos em que era o
principal suspeito.
Já
no longínquo caso da Cova da Beira, relacionado com irregularidades na
aprovação e construção de uma ETAR, o elemento do Ministério Público que
dirigiu a investigação confessou à jornalista Alexandra Borges que, apesar de haver
depoimentos e indícios que levantavam dúvidas sobre o comportamento do então
secretário de Estado do Ambiente, José Sócrates, ele considerou que "não
havia indícios para incomodar o senhor secretário de Estado".
É
esse argumento que preside à sacrossanta ideia que muitos comentadores têm
repetido em reacção à detenção do antigo líder do PS: "Não se pode actuar
com um antigo primeiro-ministro da mesma forma que se procede com um cidadão
qualquer." Sintomaticamente, não lhes passa pela cabeça que esta ideia
viola todos os princípios democráticos: para haver justiça tem de ser igual
para todos.
Bem
sabemos que os comentadores convivem bem com um país em que se prende gente que
rouba arroz em supermercados porque tem fome enquanto os poderosos enriquecem ilegalmente
à nossa custa; esta gente acha normal que se vendam em hasta pública casas de
família por dívidas de 1800 euros, enquanto se legislam perdões fiscais
milionários aos donos de grandes empresas que depois vão empregar os ministros.
Há
muito que os políticos que mandam em nós cheiram mal. E, como dizia Eça de
Queiroz, a estes políticos, como às fraldas, convém mudá-los regulamente. Isto
só vai ao sítio derrotando o bloco central que governou em alternância até
agora. Podemos?
Editor-executivo
- Escreve à terça-feira
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