João
Camargo, Porto, Portugal – Opera Mundi 21.01.2015
Perceber
o que um governo Syriza propõe aos milhões de precários na Grécia deve ser
avaliado pelos milhões que na Europa estão sob o jugo da austeridade
2015
é o 6.º ano de recessão grega. A destruição imposta pela União Europeia e pela
Alemanha à economia e à sociedade gregas são as conhecidas. As medidas de
austeridade levaram à perda de mais de 60 bilhões de euros do campo social e do
trabalho - 30% de todo o PIB grego, sem precedentes do ponto de vista dos
países ditos desenvolvidos. Um desemprego de 25,8% (50,6% entre os jovens)
levou à ascensão descontrolada da precariedade, do mercado negro e de um êxodo
histórico. Três em cada cinco gregos vivem na pobreza ou sob ameaça da mesma. O
sistema público de saúde foi paulatinamente desmantelado, assim como a educação
pública, e a falência induzida do Estado Social levou a fenômenos de
desagregação só vistos em guerras.
No
mês passado, o governo de centro-direita de Samaras não conseguiu uma maioria
para eleger um novo Presidente da República e caiu. Este governo e o anterior
do PS local (Pasok), foram os responsáveis pela implementação do programa de
“resgate” da “troika” [Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo
Monetário Internacional], que exigiu como colateral a destruição da sociedade
grega. A emergência de uma alternativa política, materializada no partido de
esquerda Syriza, focado no combate à austeridade, foi a grande novidade deste
tempo na Grécia e dia 25 de janeiro haverá eleições no país. Todas as sondagens
apontam para a vitória do Syriza.
Até
as eleições da Grécia o principal foco na discussão será a exigência do Syriza
de reestruturar parte significativa da dívida pública grega (hoje nos 350
bilhões de euros – 175% do PIB). Este eixo principal tem consequências
indiretas naquilo que é o emprego, os direitos sociais e trabalhistas porque
permite mobilizar recursos para os problemas sociais e econômicos provocados
pela crise da troika. Importa, além disso, olhar para aquilo que é apontado no
programa deste provável primeiro governo antiausteridade a ser eleito na Europa
desde a crise de 2008, relativamente às principais chagas que afetam gerações
inteiras na Europa austera: a precariedade e o desemprego.
Perceber
o que um governo Syriza propõe aos milhões de precários na Grécia deve ser
avaliado pelos milhões que na Europa estão sob o jugo da austeridade e permitir
ver alternativas no futuro. O partido propõe um plano de criação de emprego
três bilhões para criar 300 mil postos de trabalho em dois anos, abolir
impostos sobre rendimentos abaixo dos 12 mil euros por ano, fazer o salário
mínimo voltar aos 751 euros anteriores à troika e aumentar prestações sociais e
subsídios de desemprego.
Propõe
ainda um reajustamento das relações trabalhistas, valorizando o trabalho e a
sua participação nos processos decisórios, abolindo as reformas trabalhistas
prévias (despedimentos sem justa causa, utilização de "terceirização"
nas contratações públicas), reintroduzindo a negociação coletiva e apoiando
novas formas de representação coletiva. Propõe ainda um novo paradigma de
desenvolvimento social e ambiental, justo, solidário e de pleno emprego.
O
programa eleitoral deste partido grego responde a algumas questões importantes
para milhões de pessoas. Longe de ser uma resposta completa e que aponte a uma
resolução final do problema, assinala a precariedade como uma prioridade. Sem
ilusões de que um programa eleitoral seja mais do que é, e sabendo da pressão
política que cairá sobre a Grécia se ela levar por diante a sua alternativa
contracorrente numa Europa austera e precária, são de assinalar estas propostas
como alguns referenciais sob os quais se pode construir uma alternativa para
milhões de precárias e precários por toda a Europa.
* João
Camargo é engenheiro ambiental, trabalhador a “part-time” e ativista dos
Precários Inflexíveis
**Publicado originalmente no P3
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