segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

DE QUE SERVE UM GOVERNO SYRIZA PARA OS PRECÁRIOS?



João Camargo, Porto, Portugal – Opera Mundi 21.01.2015

Perceber o que um governo Syriza propõe aos milhões de precários na Grécia deve ser avaliado pelos milhões que na Europa estão sob o jugo da austeridade

2015 é o 6.º ano de recessão grega. A destruição imposta pela União Europeia e pela Alemanha à economia e à sociedade gregas são as conhecidas. As medidas de austeridade levaram à perda de mais de 60 bilhões de euros do campo social e do trabalho - 30% de todo o PIB grego, sem precedentes do ponto de vista dos países ditos desenvolvidos. Um desemprego de 25,8% (50,6% entre os jovens) levou à ascensão descontrolada da precariedade, do mercado negro e de um êxodo histórico. Três em cada cinco gregos vivem na pobreza ou sob ameaça da mesma. O sistema público de saúde foi paulatinamente desmantelado, assim como a educação pública, e a falência induzida do Estado Social levou a fenômenos de desagregação só vistos em guerras.

No mês passado, o governo de centro-direita de Samaras não conseguiu uma maioria para eleger um novo Presidente da República e caiu. Este governo e o anterior do PS local (Pasok), foram os responsáveis pela implementação do programa de “resgate” da “troika” [Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional], que exigiu como colateral a destruição da sociedade grega. A emergência de uma alternativa política, materializada no partido de esquerda Syriza, focado no combate à austeridade, foi a grande novidade deste tempo na Grécia e dia 25 de janeiro haverá eleições no país. Todas as sondagens apontam para a vitória do Syriza.

Até as eleições da Grécia o principal foco na discussão será a exigência do Syriza de reestruturar parte significativa da dívida pública grega (hoje nos 350 bilhões de euros – 175% do PIB). Este eixo principal tem consequências indiretas naquilo que é o emprego, os direitos sociais e trabalhistas porque permite mobilizar recursos para os problemas sociais e econômicos provocados pela crise da troika. Importa, além disso, olhar para aquilo que é apontado no programa deste provável primeiro governo antiausteridade a ser eleito na Europa desde a crise de 2008, relativamente às principais chagas que afetam gerações inteiras na Europa austera: a precariedade e o desemprego.

Perceber o que um governo Syriza propõe aos milhões de precários na Grécia deve ser avaliado pelos milhões que na Europa estão sob o jugo da austeridade e permitir ver alternativas no futuro. O partido propõe um plano de criação de emprego três bilhões para criar 300 mil postos de trabalho em dois anos, abolir impostos sobre rendimentos abaixo dos 12 mil euros por ano, fazer o salário mínimo voltar aos 751 euros anteriores à troika e aumentar prestações sociais e subsídios de desemprego.

Propõe ainda um reajustamento das relações trabalhistas, valorizando o trabalho e a sua participação nos processos decisórios, abolindo as reformas trabalhistas prévias (despedimentos sem justa causa, utilização de "terceirização" nas contratações públicas), reintroduzindo a negociação coletiva e apoiando novas formas de representação coletiva. Propõe ainda um novo paradigma de desenvolvimento social e ambiental, justo, solidário e de pleno emprego.

O programa eleitoral deste partido grego responde a algumas questões importantes para milhões de pessoas. Longe de ser uma resposta completa e que aponte a uma resolução final do problema, assinala a precariedade como uma prioridade. Sem ilusões de que um programa eleitoral seja mais do que é, e sabendo da pressão política que cairá sobre a Grécia se ela levar por diante a sua alternativa contracorrente numa Europa austera e precária, são de assinalar estas propostas como alguns referenciais sob os quais se pode construir uma alternativa para milhões de precárias e precários por toda a Europa.

* João Camargo é engenheiro ambiental, trabalhador a “part-time” e ativista dos Precários Inflexíveis

**Publicado originalmente no P3

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