Pedreiro,
negro e executado pela PM: a farsa de um crime revelada
Pedreiro,
negro e morador da zona leste de São Paulo, foi executado por PMs quando estava
dominado e desarmado; Arrependido, sargento da PM, que é evangélico, revelou
como foi montada a farsa para tentar esconder crime
Primeira
hora de 1º de janeiro de 2015. Rua Erva de Ovelha, Vila Jacuí, periferia da zona
leste de São Paulo. O pedreiro Vagner de Sousa Ribeiro, um homem negro de
32 anos, vestindo camiseta regata de uma torcida uniformizada do Palmeiras,
está em pânico.
Acuado,
atrás de uma cama de casal em um quarto escuro, Lápis, como é conhecido desde a
infância nas ruas do bairro, implora para não ser morto por dois policiais do
2º Batalhão da Polícia
Militar que, a pouco mais de dois metros de distância, o têm sob a
mira de suas armas.
Os PMs gritam
para que o pedreiro saia de trás da cama e, com as mãos para o alto, se renda.
Ribeiro reluta, grita não estar armado e implora para que os PMs não atirem.
Quando decide deixar o escudo da cama, Ribeiro é jogado ao chão por dois tiros
de uma submetralhadora Famae, calibre 40.
Após
breve silêncio, Ribeiro recebe mais quatro disparos. Dessa vez eles partem de
uma carabina CT, calibre .30. O cheiro da pólvora se mistura ao do sangue que
escorre do corpo do pedreiro enquanto o sargento da PM Marcos Akira Rodrigues
Teixeira, 35 anos, responsável pelos dois primeiros tiros, se aproxima do homem
estirado.
A
luz do quarto é acesa quando o soldado Djalma Aparecido do Nascimento Junior,
25 anos, autor dos outros quatro tiros contra Ribeiro, os de carabina .30, se
aproxima do seu superior imediato, o sargento Akira, e entrega para ele um
revólver calibre 32.
Assim
que pega o revólver da mão do soldado Djalma, o sargento Akira dá três tiros
com a arma. Dois acertam as paredes do quarto onde Ribeiro já está morto e o
terceiro, a porta. Em seguida, a arma é colocada perto do corpo do pedreiro.
Simultaneamente
à morte de Ribeiro, a 170 metros de distância, na rua Erva de Carpinteiro,
outra equipe de PMs cerca
Vitor Lofte Barbosa, 22 anos. Moradores do lugar ouvem quando Barbosa grita “pelo
amor de Deus” para não ser morto e, em seguida, sete tiros são ouvidos.
Quatro
dos sete tiros contra Barbosa são disparados pelo sargento Antonio Eduardo
Prado, 46 anos. Os outros três são dados pelo cabo Luis Alberto Almeida Lima,
49. Os dois PMs são da Força Tática (suposta tropa de elite de cada batalhão da
PM paulista) do 29º Batalhão.
Levado
para o Hospital Santa Marcelina, Barbosa morre. O corpo de Ribeiro fica no
quarto onde foi baleado, à espera da perícia. Logo após as mortes, o
Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP),
da Polícia Civil, é acionado para investigá-las.
A
farsa sobre a morte de Ribeiro continua quando os PMs Akira e Djalma prestam
depoimento ao delegado Manoel Fernandes Soares, do DHPP. Eles inventam uma
versão fantasiosa para a morte de Ribeiro: ele estava armado, atirou vezes
contra os PMs e morreu no revide.
Os
PMs afirmam que Ribeiro e Barbosa, vizinhos na Vila Jacuí, integravam uma
quadrilha de ladrões que, no Reveillon de 2014 para 2015, usou explosivos para
atacar os caixas eletrônicos de uma agência do Banco do Brasil, distante cerca
de 500 metros das casas de ambos.
O
primeiro caso de “morte sob intervenção policial” ou “resistência seguida de
morte” de 2015 começou a mudar três dias depois (04/01) quando o sargento Akira
procurou um pastor evangélico para revelar que a morte de Ribeiro havia sido a
execução de um homem desarmado e já rendido.
Orientado
pelo pastor, o sargento Akira, acompanhado de seu irmão, Paulo, decide ir à Corregedoria(órgão
fiscalizador) da PM. Lá, ele revela em detalhes a farsa montada juntamente com
o soldado Djalma para tentar justificar a morte de Ribeiro.
Assim
que a Akira revela a verdade sobre a morte de Ribeiro, o juiz Luiz Alberto Moro
Cavalcante, corregedor do Tribunal de Justiça Militar de SP, determina a prisão
temporária, por 30 dias, do sargento Akira e do soldado Djalma.
Até
a confissão de Akira, a Corregedoria da PM tratava as mortes de Ribeiro e de
Barbosa como “resistência à prisão seguida de morte” ou “morte sob intervenção
policial” — que é quando o morto consta na apuração como “autor” e o PM,
responsável pela morte, a “vítima”.
Ao
tentar justificar a execução de Ribeiro, o sargento Akira disse “ter perdido a
cabeça e ficado com raiva”.
“Se
os PMs ficarem em liberdade, eles prejudicarão e dificultarão a apuração da
verdade. Ademais, os crimes são graves e as autoridades constituídas têm o
dever de investigar com seriedade, utilizando todos os meios legais
disponíveis, para transmitir à sociedade o sentimento de segurança e de credibilidade
nas instituições Polícia Militar e Justiça Militar Estadual”, escreveu o juiz
Cavalcante, na ordem de prisão contra os dois PMs. (continua)
Pragmatismo Político
*Título PG
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