sábado, 18 de abril de 2015

A PROPÓSITO DO KUITO KUANAVALE – VI



 Martinho Júnior, Luanda

15 – O agrupamento FAPLA/FAR/PLAN tiveram antecipadamente, ao nível do seu mando, ao nível de José Eduardo dos Santos, de Fidel de Castro, de Sam Nujoma e de Oliver Tambo, entre outros mais, a visão das possibilidades de criar vantagens estratégicas que inevitavelmente se iriam reflectir depois nas conversações, a fim de alcançar os objectivos maiores: a independência da Namíbia, por tabela o fim do regime de Ian Smith e a independência do Zimbabwe, bem como o fim do próprio “apartheid”, com a introdução de eleições abrangentes na base de 1 homem / 1 voto.

A plataforma ideológica permitia encontrarem-se denominadores comuns na luta.

Sem essa visão, fruto da doutrina progressista que dominava a “Linha da Frente”, seria impossível introduzir meios, em tempo oportuno, que resultaram no desequilíbrio a favor do Movimento de Libertação em África, no próprio teatro de operações.

A experiência das possibilidades estratégicas e dos cenários que seriam assim produzidos, era algo que estava antes da tomada efectiva das decisões, por via da paciente colecta de dados, assim como de sua análise e foram os aliados dos angolanos e por inerente tabela os próprios angolanos, que tiveram a noção mais exacta da situação internacional, da África Austral e da própria África do Sul, face aos desafios que se impunham

A diplomacia e os serviços de inteligência cubanos já haviam demonstrado suas capacidades e aptidões em 1975, antes de ser desencadeada a Operação Carlota, quando fizeram um exame muito apertado do poder real que estava nas mãos, sobretudo, de Henry Kissinger (outro assíduo do “Le Cercle”, para além, entre outros mais, do “Clube Bilderberg” e “Trilateral”).

De facto nessa altura, os serviços diplomáticos e de inteligência cubanos puderam avaliar os reflexos do “síndroma do Vietname”, não só na sociedade norte-americana, mas sobretudo enquanto pressão sobre a administração de turno, a de Gerald Ford, ela própria debilitada com a imposição de saída de Nixon.

Por outro lado, a máquina burocrática-administrativa norte-americana demonstrou ser demasiado lenta face a imprevistos, como o que proporcionou Cuba…

As conclusões dos cubanos, sobre o que haviam diligentemente coligido e observado, possibilitaram avaliar da debilidade de suas potenciais respostas e enviar rapidamente para Angola, praticamente em cima do desencadear dos acontecimentos, um contingente importante (Operação Carlota) que participou nas três batalhas decisivas de Cabinda, de Kifangondo e do Ebo e permitiu a vitória ao MPLA no 11 de novembro de 1975, numa autêntica odisseia para quem possuía uma Marinha e uma aviação tão diminutas.
  
16 – A constatação dos serviços de diplomáticos e de inteligência cubanos, a quente sobre os desenvolvimentos relacionados com a Operação Carlota em Angola e suas implicações na África Austral, incluíram mesmo assim e necessariamente a hipótese de a administração de turno nos Estados Unidos, onde imperava o Secretário de Estado Henry Kissinger, desencadear uma escalada sem precedentes de acções militares, sobre Cuba, nas rotas marítimas e aéreas entre Cuba e Angola e mesmo em Angola.

Sinais disso teriam sido colhidos pelo jornalista soviético Oleg Ignatiev, conforme o que escreveu no seu livro “Uma arma secreta em África”.

Tive a oportunidade de acerca disso, no primeiro artigo subordinado ao tema “Trinta anos depois o desembarque” (publicado no Semanário “Actual”, na Internet em 2006), sublinhar os riscos que corriam o movimento de libertação em África e a revolução cubana:

Para o movimento de libertação as dificuldades, naqueles anos de 1974, 1975 e 1976 foram porém muitas, no campo militar e no campo das operações encobertas, desde a trajectória de Daniel Chipenda, que em desespero de causa acabou por se “oferecer” aos racistas Sul Africanos jogando um papel importante na constituição da força tarefa que foi disposta por aqueles contra Angola (“Operação Savannah”, pela via da “Task Force Zulu”), até aos riscos duma intervenção militar norte-americana que, se ocorresse, iria perturbar ou alterar profundamente a geo política e a geo estratégia da luta contra o colonialismo e contra o regime do “apartheid”.

Muito provavelmente os Estados Unidos teriam obtido ganhos muito sensíveis em África já na segunda metade da década de setenta se levassem avante a decisão da intervenção em Angola, apesar de a nível interno os falcões se verem obrigados a defrontar o cepticismo do eleitorado norte-americano, indelevelmente marcado pela derrota no Vietname e a sua política externa em relação a África ter de passar pelo crivo da situação muito incómoda de se ver identificada e alinhada com o governo corrupto de Mobutu e com o peso tão negativo do regime do “apartheid” .
  
17 – A força tarefa de intervenção militar dos Estados Unidos, segundo Oleg Ignátiev (um dos historiadores soviéticos que acompanharam os acontecimentos de então), em “Uma arma secreta em África”, chegou a estar preparada para a intervenção e em movimento na direcção de Angola, pelo que a força tarefa da CIA, que foi comandada por John Stockwell, era apenas a vanguarda do dispositivo total a empenhar.

Oleg Ignátiev sita a propósito um “relatório secreto preparado para uma organização internacional muito prestigiosa, sobre a participação da RSA e dos EUA na guerra de Angola”, mencionado a 11 de Janeiro de 1976 pelo jornal Londrino “The Observer”, segundo um artigo assinado pelo jornalista David Martin:

“No relatório diz-se que uma esquadra de navios de guerra americanos que incluía o porta-aviões Independence, um cruzador porta foguetões e três contra torpedeiros de escolta, entre 15 e 23 de Novembro de 1975, recebeu ordens para estar pronta a executar uma missão no conflito Angolano.

No portaaviões Independence havia 90 aviões a jacto F-14, Phantom e depois de 15 de Novembro o navio recebeu mais algumas centenas de toneladas de napalm, os foguetões sidewinder e bombas de metralha anti pessoal.

Juntamente com o Independence, no porto americano de Portsmouth encontravam-se as fragatas americanas Bowen e Ainsworth, o contra torpedeiro porta foguetões Farragut, o navio de salvação Kitywake e dois navios de transporte Kalamazzo e Denebola.

O porta-aviões Independence, segundo se diz no relatório secreto, fez-se ao mar em Portsmouth na noite de 27 para 28 de Novembro e, como afirmam círculos bem informados, acompanhado pelo Bowen e pelo Ainsworth.

Na primeira quinzena de Dezembro esta esquadra fez uma paragem nos Açores para se abastecer de alimentos e combustível. Os navios encontravam-se em estado de preparados para o combate.

O facto do porta-aviões e os navios que o acompanhavam estarem preparados para o combate deve ser avaliado à luz da informação transpirada dos círculos governamentais do governo americano, de que aviões de reconhecimento dos EUA realizavam voos no espaço aéreo de Angola a partir da região meridional da República do Zaire, a fim de seguir a deslocação das tropas do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).

As personalidades do Pentágono resolveram enviar esta esquadra para a costa de Angola precisamente a 15 de Novembro e este facto deixa de ser fortuito quando visto à luz da situação que surgiu na frente angolana a meados desse mês. No artigo acima mencionado do The Observer, diz-se que inicialmente as personalidades oficiais de Washington que sabiam dos futuros ataques da Namíbia (isto é da invasão de Angola pelas tropas regulares da RSA da Namíbia) consideravam que essas colunas iriam atingir Luanda a meados de Novembro, tendo derrotado antes as tropas do MPLA. Na realidade as tropas do MPLA fizeram essas colunas parar a norte de Novo Redondo.

Enquanto os navios de guerra americanos abundantemente munidos de material de guerra e de napalm e com quase uma centena de aviões militares a jacto a bordo navegavam junto ao litoral de Angola, o Presidente Ford, ao comentar a 19 de Dezembro a decisão do Senado de proibir o fornecimento de novos recursos e de armas às organizações de sua tutela em Angola exclamou dramaticamente – como podem os EUA … recusar-se a prestar qualquer ajuda à maioria da população local que pede o material de guerra apenas para a sua defesa! O problema de Angola não é, nunca foi e jamais será uma questão de envio de tropas armadas americanas. O único problema é a concessão de uma ajuda modesta”.

Com as lições que advieram sobre o “síndroma do Vietname” que afinal tanta afectava a manobra política, diplomática e geo estratégica por parte dos Estados Unidos em relação à África Austral, os países da Linha da Frente e seus aliados extra continentais, encontraram formas adicionais de encorajamento em relação às possibilidades e potencialidades do prosseguimento da luta contra o“apartheid”, algo que permitiu em 1987/1988 a vitória estratégica do Kuito Kuanavale.

*Foto do último encontro entre o Presidente José Eduardo dos Santos com o Presidente dos Conselhos de estado e de Ministros de Cuba, General de Exército Raul de Castro, a 18 de junho de 2014 – Recebió Raul el Presidente de Angola – http://www.cubadebate.cu/noticias/2014/06/18/recibio-raul-al-presidente-de-angola/#.U6STaH1dZjo
  
Artigos anteriores (os dois primeiros publicados em janeiro e o terceiro publicado em março de 2008, no Página Um, a retirados da blogosfera):

- Cuito Cuanavale – Vinte anos depois – I; 
- Cuito Cuanavale – Vinte anos depois – II; 
- Cuito Cuanavale – Vinte anos depois – III.
  
. Le Cercle – membership list – http://www.gnosticliberationfront.com/le_cercle.htm 
. Cuito Cuanavale vinte años despues – http://www.cubanet.org/htdocs/CNews/y08/abril08/04cronica1.html 
. The poverty of debate : Washington, UNITA and the public press – https://www.nytexaminer.com/2014/08/the-poverty-of-debate-washington-unita-and-the-american-press/ 

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