'O
Brasil é o 5° maior importador de Israel. Precisamos deixar claro que o lucro
com essas parcerias vai para o esforço de guerra contra o povo palestino.'
Leonardo
Severo e Luiz Carvalho, de Hebron-Palestina – Carta Maior
Com
milhares de anos, Hebron, uma das cidades habitadas mais antigas do mundo, tem
seu nome árabe Khalil al-Rahman como “O amigo de Deus”. Da mesma forma que em
hebraico deriva da palavra “amigo”, com referência ao patriarca bíblico Abraão,
considerado um santo por cristãos, judeus e muçulmanos.
Infelizmente,
a benevolência e a cordialidade transformaram completamente o ambiente desde
1967, quando a presença israelense se desenhou nas ruas da cidade sagrada à
ponta de baioneta e algumas centenas de colonos sionistas passaram a impor o
pesadelo sobre o conjunto da população árabe. Atualmente, cerca de 175 mil
palestinos são obrigados – por força de tanques, fuzis e metralhadoras – a
conviver com mandos e desmandos diários dos ocupantes, entrincheirados em bairros
centrais por detrás dos checkpoints.
Na
chegada à cidade, fomos recebidos pelo jornalista e pesquisador Ahmad
Jaradad, do Centro de Informação Alternativa, que logo foi descrevendo como se
dá o cotidiano da ocupação. “Em Hebron, 5.500 palestinos não podem sequer
circular de carro. Mesmo se for algo emergencial, de doença grave, a pessoa
antes precisa informar a Autoridade Nacional Palestina, que por sua vez precisa
pedir autorização a Israel. Assim, muitas pessoas acabam tendo de socorrer os
entes queridos carregando nas costas, já que é mais rápido do que aguardar por
Israel. Isso é vexatório e humilhante”, relatou.
O
apartheid imposto por Israel se manifesta de diversas formas e os bloqueios
visam fazer da vida dos palestinos algo cada vez pior para que sejam estimulado
a deixar a terra. Uma das artimanhas é estrangular a economia por meio da
circulação de produtos.
Ahmad
Jaradad explica que Hebron produz uvas, vestuário e pedras para construção;
Ramalah, oliveiras; Jericó, laranjas, limões e batatas; e Gaza uma cesta de
vegetais, frutas e peixes. “Quando Israel impede o fluxo de produtos de Gaza,
os preços disparam. Produto essencial na dieta árabe, o quilo do preço do
tomate, que é de meio dólar (R$ 1,80) chega a 7,20 dólares. O peixe atualmente
é um sonho. Hebron é a cidade mais industrializada da Palestina, muita gente
foi expulsa do vale do Rio Jordão, mas fica sem poder nem ver sombra de peixe”,
diz.
Por
isso, também como resposta, ele faz um apelo para que a imprensa livre reforce
a campanha de boicote: “O Brasil é o quinto maior importador de Israel – mas
também de uma cesta de várias outros produtos com capital sionista, como o café
Três Corações, ou com joint-ventures com Israel. É importante deixar claro,
quando falarmos com a população, que o lucro com essas parcerias vai para o
esforço de guerra contra o povo palestino e a própria população civil de
Israel, que são em última instância as que mais sofrem com essa política
belicista”, declarou Ahmad Jaradad. E fez um alerta sobre a responsabilidade
coletiva com a construção de um novo tempo: “Sem a paz verdadeira, que é aquela
que garante direitos, a saída será a guerra permanente”.
De
acordo com o jornalista, “os assentamentos são um empecilho a que os palestinos
tenham paz e soberania em sua própria terra, pois tudo gira em função deles, da
negação de direitos”. No dia anterior à nossa chegada, a população simplesmente
ficou presa dentro das suas casas, sem poder sair. “Fecharam três checkpoints e
todos ficamos ilhados sem saber sequer a razão”, condenou.
“São
atropelos que não impactam somente nos direitos humanos, mas também nos
aspectos políticos”, esclarece Ahmad Jaradad, pois fomentam uma crescente
repulsa à forma discricionária com que o governo israelense se comporta em relação
a cidadãos que têm cada vez mais consciência dos seus direitos. “Hoje existe
uma mídia alternativa por meio da qual as pessoas são informadas de centenas de
milhares de manifestantes solidários à causa palestina em Londres, em Paris e
mesmo nos Estados Unidos, o que vai fortalecendo a convicção das novas
gerações. Por sua vez, o mundo inteiro vai se informando da realidade que
vivemos, de toda a brutalidade que significa a ocupação. Portanto, a solução
para o problema é política. Será a pressão sobre os governos o que mudará a
atual situação”, enfatizou.
Neste
momento, explicou o jornalista, “22% de toda a população dos territórios
ocupados (Cisjordânia e Jerusalém Oriental) estão aqui próximas à cidade de
Hebron”. “Diferente de outras cidades palestinas, aqui os colonos vivem dentro
da cidade. São cinco assentamentos distintos. Por causa deles, a cidade é
divida entre Norte e Sul, fisicamente. Todos os dias os colonos atacam a
população palestina. É um tipo de apartheid que é único, ainda mais agressivo,
pois há o confisco de terra dentro da própria cidade e nas ruas a presença dos
soldados e as cancelas estampam a ocupação por inteiro”, acrescentou. Durante
uma rápida caminhada pelo centro velho da cidade pudemos acompanhar de perto
grupos de soldados sionistas fazendo uma “ronda” de “segurança”, assim como ver
as redes erguidas pelos palestinos para se protegerem das pedras e do lixo
lançado pelos colonos israelenses sobre suas cabeças. Cenas indescritíveis,
como a da criança palestina de cinco anos presa recentemente em Hebron por
soldados de Israel.
Sobre
a gravidade da situação humanitária na Faixa da Gaza, Ahmad Jaradad denunciou o
empenho do regime sionista em manter sua política criminosa de cerco e
aniquilamento da população civil, abandonada à própria sorte em meio aos
rigores do inverno. Ao mesmo tempo, alertou, busca impedir qualquer comunicação
que denuncie a dura e crua realidade. “Recentemente, 125 ativistas dos
movimentos sociais de Gaza se inscreveram para ir ao Fórum Social Mundial de
Túnis e foram barrados pelas autoridades de Israel. Por quê? Para que não
pudessem dar visibilidade, com o seu depoimento, ao que está acontecendo lá
neste momento onde cerca de 400 mil pessoas estão sem ter onde para morar,
sobrevivendo sob as ruínas das suas casas, sob árvores ou nas ruas”, condenou.
Créditos
da foto: Rusty Stewart / Flickr
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