Inês
Cardoso – Jornal de Notícias, opinião
Os
mortos não falam. Os seus fantasmas muitas vezes sim. Em seis dias, cerca de
mil imigrantes terão morrido no Mediterrâneo, quando tentavam chegar a uma
Europa que perspetivavam como porto de abrigo. Nenhum deles poderá contar-nos o
que os fez acreditar que valia a pena o risco de subirem para um barco
sobrelotado e sem condições. Mas os seus fantasmas lembram-nos o que acontece
(há tantos anos que a multiplicação de tragédias só pode fazer-nos corar de
vergonha) quando é negado a pessoas desesperadas um acesso seguro a território
europeu.
Ontem
a União Europeia decidiu reunir-se de emergência e admitir que o Mediterrâneo
se tornou "a estrada mais perigosa do mundo". O alarmante aumento de
mortes no mar coincide com o fim, em outubro passado, da operação italiana
"Mare Nostrum", que permitiu salvar 150 mil pessoas num ano. O custo
do dispositivo montado? Nove milhões de euros por mês, um preço considerado
demasiado alto antes de mais por Roma, que o liderava e colocava em prática,
mas no fundo pelos parceiros europeus a quem compete partilhar esse esforço.
Sucedeu-se
o dispositivo mais ligeiro batizado de Tritão, enquadrado na Frontex, a agência
europeia de vigilância de fronteiras. Com participação de dez países, esta
operação diminuiu de 32 para 21 o número de navios mobilizados e reduziu
igualmente a fatura para 2,9 milhões de euros mensais.
A
questão será de número de navios, de arames farpados e de pares de olhos
aplicados para vigiar fronteiras? Decididamente não. Ao longo dos anos, as
rotas de circulação foram-se alterando consoante os pontos em que a Europa
reforçava muros. Olhar para Lampedusa e para o Mediterrâneo implica, antes de
mais, encarar as causas profundas da imigração.
É
urgente analisar as motivações que empurram tantas pessoas para o desespero: os
ataques sangrentos do grupo radical Boko Haram, a guerra civil na Síria, o
contexto caótico na Somália e na Líbia ou a ditadura de Issayas Afewerki na
Eritreia. O aparelho de controlo de imigrantes da Europa não é suficiente para
identificar e responder a tantos indivíduos que podem estar a necessitar de
proteção internacional.
Os
responsáveis pelas travessias que metem centenas de pessoas em perigo, em
barcos sobrelotados, são terroristas, classificou o presidente de França,
François Hollande. Sim, são. Mas não são os únicos culpados num mundo que
continua a girar a demasiadas velocidades. Um mundo em que há espaço para
artigos de opinião como o que, no jornal "The Sun", classificou estes
imigrantes "como baratas" e "uma peste de humanos selvagens".
A vida é um bem inestimável. O mundo, esse, consegue ser um inferno.
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