Um
partido-movimento pós-capitalista sacode a Europa. Que ideias o inspiram. Como
se comunica e organiza. Quais suas contradições. Que fará se chegar ao
governo
Gilles
Tremlett, no The Guardian - Outras Palavras - Tradução: Inês Castilho
No
início do ano acadêmico de 2008, Pablo Iglesias, um professor de 29 anos com um
piercing na sobrancelha e um rabo de cavalo, cumprimentou seus alunos na
faculdade de Ciências Políticas da Universidade Complutense, em Madri,
convidando-os a se manter em suas cadeiras. A ideia era reencenar uma cena do
filme Sociedade dos Poetas Mortos. A mensagem de Iglesias era simples.
Seus alunos estavam ali para estudar o poder, e os poderosos podem ser
contestados. Essa manobra era típica dele. Política, pensava Iglesias, não era
algo a ser apenas estudado. Era alguma coisa que ou você fazia, ou deixava os
outros fazerem por você. Como professor, ele era esperto, hiperativo e –
fundador de uma organização universitária denominada Contra-Poder – ligeiro no
apoio a protestos dos estudantes. Não cabia no perfil clássico de intelectual
doutrinário da esquerda espanhola liderada pelos comunistas. Mas tinha clareza
sobre quem culpar pelas enfermidades do mundo: o capitalismo irrestrito,
globalizado que, na esteira de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, havia se
instalado como ideologia dominante do mundo desenvolvido.
Iglesias
e alunos, ex-alunos e acadêmicos da faculdade deram duro pra espalhar suas
ideias. Produziram shows políticos de televisão e colaboraram com seus heróis
latino-americanos – líderes populistas de esquerda tais como Rafael Correa do
Equador ou Evo Morales da Bolívia. Mas quando eles lançaram seu próprio partido
político, em 17 de janeiro de 2014, e o denominaram Podemos, muitos
desacreditaram. Sem dinheiro, estrutura nenhuma e poucas diretrizes concretas,
parecia mais um partido anti-“austeridade” raivoso destinado a desaparecer em
meses.
Um
ano depois, em 31 de janeiro de 2015, Iglesias Iglesias atravessou um palco na
emblemática praça central de Madri, a Puerta del Sol. Estava lotada com 150 mil
pessoas, tão espremidas que era impossível de se mover. Ele se dirigiu à
multidão com a retórica apaixonada pela qual os adversários o rotularam como um
perigoso populista de esquerda. Protestou contra os monstros de “totalitarismo
financeiro” que humilhou a todos. Disse aos seguidores do Podemos para sonhar
e, como o nobre louco Don Quixote, “levar seus sonhos a sério”. A Espanha
tentava agarrar uma mudança histórica, convulsiva. A multidão agrupada era
herdeira do povo comum que – armado com facas, vasos de flores e pedras – havia
se rebelado contra as tropas napoleônicas em ruas próximas dali, dois séculos
antes. “Podemos sonhar, nós podemos ganhar!”, gritou.
As
pesquisas sugerem que ele está certo. Desde 1982, a Espanha vem sendo governada
por apenas dois partidos. Ainda assim, o jornal El País coloca agora
o Podemos com 22% [das intenções de voto], à frente de ambos: o conservador no
governo Partido Popular (PP) e sua oposição à esquerda, Partido Socialista
Obrero Español (PSOE). Se o Podemos crescer mais, Iglesias poderá tornar-se
primeiro ministro após as eleições marcadas para novembro. Seria um feito quase
inédito para um partido tão jovem.
Muitos
na Puerta del Sol aspiram ver esse dia. “Sim, podemos! Sim, podemos!”,
cantavam. Outros espectadores estremeceram, lembrando o elogio de Iglesias para
o falecido presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e temendo uma erupção do
populismo ao estilo latino-americano em um país dominado por dívida,
austeridade e desemprego. Mas sem o Podemos, temiam seus apoiadores, a Espanha
enfrentava a perspectiva de tornar-se uma Grécia, com o seu estado de
bem-estar social em desintegração, classe média deteriorada e
desigualdade desenfreada.
No
palco aquele dia, Iglesias declarou que o Podemos tomaria de volta o poder das
elites auto-referenciadas e o entregaria de volta ao povo. Para fazer isso, o
novo partido necessita de votos. Se isso significa emoções exaltadas e ser
acusado de populismo, que assim seja. E, como os fundadores do partido já
mostraram, se eles tiverem de renunciar a algumas de suas ideias para ampliar
seu apelo, ou arriscar-se a tensionar alguns em seu movimento de base ao
centralizar mais o poder, estão prontos a fazer isso também. O objetivo,
afinal, é ganhar.
*
* *
À
primeira vista, a ascensão estonteante do Podemos parece miraculosa. Na
verdade, o projeto evoluiu ao longo de muito tempo, ainda que nem mesmo os organizadores
soubessem se iria ao fim tornar-se um partido, ou que uma crise financeira
global lhes apresentaria sua oportunidade. Hoje, na Espanha, um terço da força
de trabalho ou está desempregada, ou ganha menos que o salário mínimo anual de
9.080 euros [R$ 28.800]. Nas grandes cidades, avistar pessoas fuçando
lixeiras à procura de alimentos ou coisas para vender — uma raridade na Espanha
pré-crise — não é mais chocante. Uma sombra fatalista tomou um país que viveu
uma onda de otimismo por três décadas, desde que saiu de uma ditadura para a
democracia. Depois de anos de crescimento econômico, a crise financeira
arrebentou a bolha da construção civil na Espanha. Inúmeros casos de corrupção
— que envolvem tanto o PP quanto o PSOE — alimentaram uma raiva generalizada
da classe política estabelecida. “A crise política é o momento de ousar”, disse
Iglesias a uma plateia recentemente. “É quando um revolucionário é capaz de
olhar as pessoas nos olhos e dizer-lhes: ‘Vejam, estes são são seus
inimigos.’”
Ele
não é o primeiro Pablo Iglesias a fazer tremer a ordem política da Espanha. Seu
nome vem do homem que fundou o PSOE em 1879. (Seus pais se conheceram numa
cerimônia em memória de Iglesias, diante de seu túmulo). Adolescente, Iglesias
era membro da Juventude Comunista em Vallecas, um dos bairros mais pobres e
orgulhosos de Madri. Ele vive lá até hoje, num modesto apartamento de um prédio
grafitado de 1980, de blocos médios e altos. (“Defenda sua felicidade, organize
sua raiva”, diz um graffiti.) Mesmo quando adolescente, ele era “um líder e
grande sedutor”, recorda um membro sênior do Podemos que participou do mesmo
grupo de jovens. Iglesias estudou Direito na Universidade Complutense antes de
obter uma segunda graduação em Ciência Política. Seguiu
no doutorado com uma tese PHD sobre desobediência e protestos antiglobalização
que foi premiada com distinção.
Foi
na Complutense, onde ele começou a ensinar depois de receber seu doutorado, que
Iglesias conheceu as pessoas-chave que iriam ajudá-lo a fundar o Podemos. Profundamente
influenciado por Antonio Gramsci, o pensador marxista italiano que argumentava
sobre a importância de vencer batalha contra o aparato que forma a
opinião pública, esse grupo também encontrou inspiração na Universidade de
Essex. Lá, o acadêmico argentino Ernesto Laclau começou, nos anos 70, a
escrever uma série de trabalhos sobre marxismo, populismo e democracia que,
juntamente com o trabalho de sua mulher belga Chantal Mouffe (agora na
Universidade de Westminister), teve um impacto profundo na liderança do
Podemos. Seu complexo livro de 1985, Hegemony and Socialist Strategy,
mantém-se como um ponto de referência-chave para a liderança do Podemos.
O
socialismo, argumentavam Laclau e Mouffe, não deveria mais focar na luta de
classes. Ao contrário, os socialistas deveriam procurar unir grupos
descontentes – tais como feministas, gays, ambientalistas, desempregados —
contra um inimigo claramente definido, geralmente o sistema estabelecido. Um
modo de fazer isso era através de um líder carismático que combateria os
poderosos em nome dos perdedores. Laclau e Mouffe encorajaram essa nova
esquerda a apelar aos eleitores com uma retórica simples e emocionalmente
envolvente. Eles argumentavam que as elites liberais tentam difamar essa
tática, denominando-a populismo, por medo de que as pessoas comuns se envolvam
com a política.
“Há
muito consenso e não dissenso suficiente [na política de esquerda]”, disse
Mouffe, uma mulher elegante de 71 anos, em seu apartamento em Londres, em fevereiro. Para
ela, o ascenso de populistas de direita como a Frente Nacional de Marine Le Pen
ou o Nigel Farage do Partido Independentista do Reino Unido (Ukip) é prova de
que o consenso pós-Thatcherismo – cimentado por social democratas da “terceira
via” como Tony Blair – deixou uma vácuo perigoso. “A escolha hoje é entre
populismo de direita ou de esquerda”, Mouffe disse a Iglesias numa entrevista à
TV em fevereiro.
Se
Iglesias viu durante muito tempo os neoliberais como inimigos e os
social-democratas como traidores, ele acabou por considerar a extrema esquerda
tradicional como tolos bem-intencionados. Eles condenavam a televisão como
inculta e manipuladora, recusando-se a enxergar que a política das pessoas era
cada vez mais definida pelos meios de comunicação que eles consumiam, ao invés
da lealdade com partidos. Isso era algo que os eruditos agressivos de
extrema-direita da Espanha tinham sacado em meados da década de 2000, com a
criação de canais de televisão que exerceram, sobre o PP, mais ou menos
a mesma pressão que a Fox News exerce sobre os republicanos nos EUA.
Iglesias acreditava que era tempo de a esquerda fazer algo parecido.
Em
maio de 2010 ele organizou um debate na faculdade que limitava os oradores a
turnos de 99 segundos. Nomeou o evento como o hino ska One Step Beyond.
Iglesias pediu à Tele-K, um canal de TV da vizinhança parcialmente alojado numa
garagem vaga de Vallcas, para gravá-los. “Fiquei pasmo com o talento de Pablo
como apresentador, e com cuidado que tomaram na produção”, disse-me o
diretor da Tele-K Paco Pérez. Ele ficou suficientemente impressionado para
convidar Iglesias a produzir e apresentar uma série de debates. Iglesias e sua
pequena equipe de estudantes e ativistas levou a idéia a sério, apesar da
audiência do canal ser minúscula. “Pablo até mesmo ensaiava – coisa que nunca
vimos”, disse Pérez. “O surpreendente é que começamos a ter uma grande
audiência online. Tornou-se um programa cult.” La Tuerka (brincadeir com
a palavra espanhola para maluco ou ferrado), inicialmente um debate modesto em
torno de uma mesa redonda, tornou-se a semente do Podemos.
*
* *
Em
15 de maio de 2011, Iñigo Errejón, o homem que viria a tornar-se o número 2 do
Podemos, chegou a Madri vindo de Quito, Equador. Errejón encontrava-se a alguns
dias de apresentar uma tese de PHD na Universidade Complutense, ligando o
sucesso de Evo Morales, o primeiro presidente indígena da Bolívia, às idéias de
Gramsci, Mouffe e Laclau. Amigos sugeriram que ele se dirigisse direto à Puerta
del Sol, onde uma coisa extraordinária estava acontecendo.
De
alguma forma, uma manifestação de protesto havia se transformado num
acampamento que a certa altura atraiu dezenas de milhares de pessoas. Os
Indignados, que iriam inspirar o movimento Occupy, tomaram em seguida praças de
cidades em todo o país, protestando contra políticos. “Não nos representam”
tornou-se o grito de guerra. Enquetes mostraram que 80% da população apoiava os
manifestantes. Alguns dos participantes até mesmo empunhavam a bandeira
vermelha-e-ouro da Espanha, sinal de que era algo muito maior que os
protestos-padrão de esquerda, em que a bandeira roxa, dourada e vermelha da há
muito perdida República da Espanha em geral predominava. Os Indignados debatiam
em assembleias ao ar livre, alternando as falas e usando gestos de mão – mãos
acenando para “sim”, braços cruzados para “não” – para expressar concordância
ou discordância.
Para
Iglesias e seus companheiros teóricos da Universidade Complutense, os protestos
faziam todo o sentido. O consenso entre os dois maiores partidos da Espanha em
torno da austeridade imposta pela Alemanha deixou órfãos muitos cidadãos, sem
ninguém para representá-los. “Os que estão no poder ainda governavam, mas não
mais convenciam as pessoas”, Errejón contou-me recentemente.
Ainda
assim, um mês depois que os protestos começaram, as praças estavam vazias. Seis
meses depois, no fim de 2011, a Espanha elegeu um novo governo, entre avisos de
que, quem quer que vencesse, estaria sob o comando da chanceler alemã Angela
Merkel. Eleitores desiludidos viram que mesmo o PSOE oferecia pouco mais que
obediência bovina às demandas de Merkel por mais austeridade. Com baixo
comparecimento às urnas, Mariano Rajoy, do PP, venceu por maioria absoluta e
introduziu mais cortes [de programas sociais e investimentos], enquanto ia
controlando, devagar, os déficits do orçamento, que chegaram a 11%. O espírito
indignado, parecia, havia sido esmagado.
Na
verdade, os Indignados continuaram a se reunir em assembleias, e para os
politicamente mais ativos La
Tuerka transformou-se num programa essencial. Com o
tempo, o show passou para o site de notícias online Público, e tornou-se
mais refinado. Cada edição começava com Iglesias ou seu companheiro
Complutense, professor Juan Carlos Monedero, apresentando um monólogo seguido
por um debate e música rap. Quando o serviço de língua espanhola da televisão
estatal do Irã, Hispan TV, pediu um programa apresentado por Iglesias, em
Janeiro de 2013, a equipe abraçou a ideia. Denominado Forte Apache, ele abria
com Iglesias montado numa moto Harley Davidson Sportster, colocando um capacete
na cabeça e — depois de um close de seus olhos — atirando um arco-e-flecha
enorme, tipo besta, nas costas antes de rugir. “Cuidado com a cabeça, homem
branco. Este é o Forte Apache!”, alertaram os trailers.
Contudo, ainda pregavam para um pequeno número de pessoas já convertidas.
Tudo
mudou em 25 de abril de 2013, quando Iglesias apareceu em um programa de debate
da direita no pequeno canal Intereconomia. “É um prazer cruzar linhas inimigas
e falar”, disse Iglesias ao introduzir-se. Estava em minoria. Ia debater
com quarto eruditos conservadores. Mas havia se preparado e saiu-se muito bem.
Logo começou a receber convites para aparecer em programas de debates nos
principais canais da Espanha. Os níveis de audiência estouravam à medida em que
ele, munido com fatos sem fim e uma série de mensagens simples, derrubava
seus companheiros de debate. O arrogante jovem professor geralmente se sentava
com um tornozelo descansando em um joelho e um braço casualmente jogado por
trás da cadeira, com um sorriso que de vez em quando derrapava para a
condescendência. Repetia, como um mantra, que a culpa pelos problemas da
Espanha era de “la casta”, seu nome para os políticos e elites corruptos que
ele clamava terem vendido o país aos bancos. O outro inimigo era a chanceler
alemã Angela Merkel e os tecnocratas não eleitos que supervisionavam o euro
desde o Banco Central Europeu em Frankfurt. Iglesias não queria que a Espanha
saísse da União Europeia, mas também não estava satisfeito com a situação.
Acima de tudo, queria que os espanhóis recobrassem a “soberania”, um conceito
que, como muitos outros, manteve-se confuso.
Uma
estrela midiática havia nascido. Muitos o conheciam apenas como “el
coletas” (“o de rabo-de-cavalo”). Iglesias havia gasto anos afiando sua
técnica, fazendo teatro e até mesmo frequentando um curso de apresentador na
academia da televisão estatal RTVE. Comunicação, ele já havia declarado em sua
tese de doutorado, era chave para protestos. Por anos ele e Monedero vinham
dizendo à coalizão de esquerda liderada pelos comunistas, Izquierda Unida (IU),
que deviam aprender com os latino-americanos e ampliar seu apelo. Agora
propunham um amplo movimento de esquerda, com consultas prévias abertas,
nas quais candidatos outsiders, tais como Iglesias pudessem
concorrer. Receberam um firme não do líder da IU, Cayo Lara, que mais tarde
declarou que Iglesias tinha “os princípios de Groucho Marx”. Então, eles
próprios criaram a dinâmica.
*
* *
O
plano do Podemos foi cimentado num jantar em agosto de 2014, durante uma festa
minúscula e radical denominada Izquierda Anticapitalista (IA). Iglesias e o
peso-pesado da IA, Miguel Urbán, então um veterano de 33 anos de múltiplos
movimentos de protestos, concordaram em trabalhar juntos, criando o estranho e
tenso casamento entre um único, carismático líder – Iglesias – e uma
organização que odeia hierarquia. “Pablo tinha prestígio político e midiático,
mas isso não era suficiente”, me disse Urbán. “Nós precisávamos de uma base
organizacional que se espalhasse por todo o país, e essa era a IA.”
O
plano era ousado e altamente improvável. Era para ser um assalto ao poder em 18
meses, com o objetivo final de substituir o PSOE como expressão da
esquerda e destituir o primeiro-ministro Rajoy na eleição geral de 2015. O
núcleo duro de acadêmicos da faculdade de Ciências Políticas da Complutense que
eram veteranos de La
Tuerka , iria gerir a campanha. Por fim, seriam capazes de
experimentar suas ideias em escala nacional.
O
primeiro teste para o Podemos seria nas eleições européias de maio de 2014.
Muitos eleitores veem o Parlamento Europeu como um órgão sem
dentes, porque as principais decisões da UE são tomadas em outro lugar.
Com tão pouco em jogo, eles assumem riscos, na cabine de votação. Iglesias e
Urbán viram as eleições europeias como um potencial trampolim para sua campanha
às eleições gerais de 2015. O nome do partido — que ecoa não apenas o slogan da
campanha de 2008 de Barack Obama, mas também um jingle de TV para a seleção
espanhola de futebol que venceu a Copa Europeia e Copa do Mundo –
surgiu durante uma viagem de carro poucos meses após a formação do pacto
inicial entre Iglesias e Urbán. “Pensamos em ‘Sim, você pode!’, mas esse já
existia”, disse Urbán. “Então fomos para Podemos [Nós Podemos]. Era bem
afirmativo.”
Em
17 de janeiro de 2014, Iglesias anunciou oficialmente a criação do Podemos num
pequeno teatro em Lavapiés, o bairro de Madrid que na última década concentrou
livrarias alternativas, galerias e bares. Iglesias (seu piercing da sobrancelha
agora removido para melhorar sua imagem eleitoral) explicou que um dos pilares
do projeto Podemos seria os “círculos”, assembleias ao estilo indignados. Estes
círculos, construídos em torno de comunidades locais ou de interesses políticos
compartilhados, poderia, reunir-se, debater ou votar presencialmente ou online.
Iglesias disse à multidão que se 50 mil pessoas assinassem uma petição no
site do Podemos, ele lideraria uma lista de candidatos às eleições do
Parlamento Europeu em maio. A
meta foi atingida dentro de 24 horas, apesar do site ter dado pau durante parte
desse tempo.
O
projeto Podemos nasceu com duas contradições que se tornariam crescentemente
aparentes no decorrer do tempo. Primeiro, seria tanto radical quanto
pragmático, em sua busca de poder. Segundo, ele se comprometeu a deixar o
controle nas mãos de ativistas de base, apesar do fato de o partido depender da
popularidade de um só homem. Mas, no início, essas tensões estavam longe da
mente da maioria das pessoas. Excitação e idealismo eram a norma.
Pablo
Echenique, um físico pesquisador com atrofia muscular na coluna, assistiu à
fala de Lavapiés no YouTube, em sua casa em Zaragoza, no centro da Espanha.
Três anos antes, Echenique saiu às ruas de Zaragoza em sua cadeira de rodas
elétrica para juntar-se aos manifestantes indignados. Ele estava animado com os
debates, mas frustrado pela falta de ação. “Eles não tinham garra”, disse-me.
“Não houve resposta sobre o que fazer em seguida.” Quando ,
quatro dias depois do discurso de Lavapiés, Iglesias viajou para um centro
cultural ao lado da Plaza San Agustín, em Zaragoza, para seu primeiro encontro
da campanha eleitoral europeia, Echenique chegou cedo, mas os 180 assentos do
salão foram rapidamente preenchidos. “Logo havia 500 pessoas de fora, por isso
Pablo disse: ‘Sei que está frio, mas pior é não ter emprego. Não cabemos aqui,
então vamos lá fora na praça.’ Estava gelado.”
Foi
em Zaragoza que Urbán se deu conta, pela primeira vez, que o Podemos podia ser
bem sucedido. “Enquanto esperava na porta, alguém me perguntou se eu era do
Podemos de Zaragoza”, me disse Urbán. “Eu estava à procura da organização do
Podemos, mas pensava que ela ainda não existia, então disse apenas que tinha
vindo de Madri. Ele respondeu, ‘Bem, sou do Podemos na Catalunha’. Aquela
cidade tem apenas 20 mil habitantes. De repente, me dei conta de que alguma
coisa tinha realmente mudado. Era o equivalente político da ocupação das
praças.” Surgiu um padrão, reuniões de campanha apinhadas, geralmente ignoradas
pela mídia. Para os envolvidos, foi emocionante. Urbán levou para casa o
dinheiro arrecadado nas reuniões para contar. “Chegamos a conseguir 2 mil euros
numa única reunião. Era como pertencer a uma igreja”, disse ele.
Echenique
ficou inspirado. “Disse para Pablo, ‘Você diz que deveríamos nos organizar, mas
eu nunca estive num partido político organizado. Pode me dar algumas ideias?’
Pablo disse que era como fazer sexo: você começa mal, mas aprende com a
experiência.” Echenique entrou em dois círculos, um em Zaragoza e um grupo
online para portadores de deficiência. Foi um dos 150 candidatos apontados
pelos círculos para o parlamento europeu. Eles foram classificados em ordem por
33 mil pessoas que se inscreveram no site do partido. Iglesias ficou em
primeiro; Echenique, em
quinto. Apenas um entre os doze primeiros candidatos tinha
mais de 36 anos.
O
Podemos então embarcou no complexo processo de escrever um manifesto eleitoral
“participativo”, baseado nas ideias surgidas nos círculos e depois votadas
online. O resultado foi original, mas também pouco pático e concreto.
Demandava-se um salário básico do Estado para todos os cidadãos e não pagamento
de partes “ilegítimas” da dívida pública, embora o manifesto não especificasse
que partes eram essas – duas medidas de que o Podemos recuou desde então.
Pouco
mais de um mês antes das eleições europeias, as pesquisas do próprio Podemos
revelaram que apenas 8% dos espanhóis haviam dado ouvidos a eles. Contudo, 50%
sabiam quem era Pablo Iglesias. O partido deu o controverso passo de mudar seu
logo, colocando nele a face de Iglesias para garantir que fosse estampado nas
células. Dezoito dias antes das eleições, o instituto de pesquisas estatal CIS
disse que Podemos poderia chegar perto de conseguir um assento.
Na
noite da eleição, o Podemos surpreendeu a todos. Obteve 8% dos votos, com
Iglesias, Echenique e outros três tornando-se deputados. No meio de toda a
celebração, Iglesias permaneceu frio. O PP ainda estava no governo, alertou. A
batalha estava apenas começando.
*
* *
Oito
meses após as eleições, num voo de volta de Atenas a Madri em janeiro, Iglesias
ocupou, como sempre, um assento econômico. Ele acabava de ajudar Alexis Tsipras
do Syriza a fechar um comício de campanha com um verso de Leonard Cohen –
“Primeiro tomaremos Manhattan; depois, Berlin” – e algumas bem pronunciadas
palavras em grego. Era
cedo, depois de uma noite que havia se prolongado até tarde, mas ele já estava
no modo trabalho. “Bebo Red Bull para poder ler em longos voos”, disse no
lounge do hotel, enquanto um empresário grego, dono de restaurantes em Madri,
insistia em pagar nosso café, entusiasmado com as mudanças que ocorriam nos
dois países.
Em
privado, a combativa persona pública de Iglesias dá lugar a uma cuidadosa
educação (“Ele é como o genro perfeito”, de acordo com Mouffe). Ao contrário de
outros políticos proeminentes, recusa-se a andar em carros oficiais, mas perdeu
a liberdade de andar nas ruas ou ir a um bar sem ser parado. Quando chegou no
aeroporto de Barajas, em Madri, uma vendedora de bilhetes de loteria que o viu
interrompeu seu caminho. “Você não precisa comprar. Apenas vença!”, disse ela,
os olhos arregalados.
Iglesias
sentiu-se energizado pela visita a Atenas, mas Tsipras havia sido menos efusivo
na noite anterior quando, numa festa no terraço de uma boate com uma vista
espetacular do Parthenon, perguntei a ele se uma vitória futura do Podemos era
chave para o Syriza. Não realmente, respondeu ele. “As eleições vão demorar um
pouco”, disse o homem que, três dias depois, tornou-se o solitário rebelde
contra a austeridade na Europa. “Penso que nós abriremos caminho para eles.”
A
Espanha não é a Grécia. A austeridade pode estar ferindo – a organização
Caritas, da Igreja Católica, distribuiu comida, roupas e ajuda a 2,5 milhões de
pessoas (uma em cada 20 espanhóis) no ano passado – mas não produziu as cenas
de privação que se vê regularmente nas ruas de Atenas, tais como as filas em
farmácias de caridade, onde os excluídos da assistência médica estatal buscam
medicamentos. Ainda assim, “se isso pode acontecer com a gente”, disse
Iliopoulou Vassiliki, uma farmacêutico voluntário, expressando um medo
compartilhado por muitos adeptos do Podemos, “quem será o próximo?”
Alguns
dias depois de Iglesias retornar de Atenas, ele visitou Valência para um
comício. O Podemos conquistará muitos votos do jovens nas eleições gerais, mas
aqueles que participam de seus comícios – muitos deles membros dos círculos
locais do Podemos – são em sua maioria mais velhos. O ativismo vem mais
facilmente para aqueles que estão em seus 40 anos ou acima disso, muitos dos
quais lembram os inebriantes primeiros anos da transição democrática da Espanha
e se surpreendem com a passividade da geração mais jovem. Autofalantes bombando People
Have the Power de Patti Smith para 8 mil pessoas que lotavam o estádio de
basquete. “Aí vem o momento rockstar”, avisou um jornalista espanhol, conforme
Iglesias e Errejón recebiam aplausos estridentes. Uma mulher de meia-idade com
calças estampadas de pele de leopardo berrou: “Presidente! Presidente! “Alguém
gritou:” Viva a mãe que deu você à luz”!
Como
capital de uma região notória pela corrupção política, Valência é solo fértil
para o Podemos. Iglesias lê uma carta de Nerea, uma menina que estava ali em
seu nono aniversário. “Gostamos de você porque ajuda as pessoas”, dizia.
“Obrigada por dar a meus pais esperança de novo.” O pai segurou a menina acima
de sua cabeça. “Eles [o sistema] não estão com medo de mim, Nerea. Eles estão
com medo de você e das famílias que disseram ‘basta!’, disse Iglesias, antes de
seguir com uma série de slogans: “Os sorrisos mudaram de lado”; “Claro que
podemos!” John Carlin, um redator do El País, diz que Iglesias está
vendendo um conto religioso semelhante àquele de Jesus expulsando os
mercadores. A implicação é que os seguidores do Podemos preferem o sentimento
inspirador da fé compartilhada à fria razão. Lembrei-me de um voluntário em um
escritório do Podemos em Madri que me surpreendeu ao me dizer que não votaria
para eles. “Há muita emoção”, disse ele.
A
ativista do Podemos Irene Camps veio para o comício com os membros do círculo
de Manises, uma cidade industrial batalhadora próximo ao aeroporto de Valencia,
onde um ex-prefeito do PP está sendo julgado por suposta corrupção (que ele
nega). Uma noite, algumas semanas após o comício, Camps e eu estávamos em
frente ao supermercado local Consum com meia dúzia de mulheres que esperavam
para passar pelo caixa. Perto, um grande teatro, cuja construção começou
durante os dias de boom na Espanha antes da quebra de 2007, mantém-se
inacabado. “Todo mundo está falando sobre o Podemos. Devíamos dar-lhes uma
chance”, afirmou Paqui Fernández, a mulher que se disse líder do grupo. Ela e
suas amigas lembraram que essa terra era ocupada por “casas na caverna” —
moradias construídas em buracos nas rochas – nos anos 1950. Era um sinal do
quanto a Espanha havia avançado desde a morte de Francisco Franco em 1975, mas
também de que as memórias da pobreza não são tão antigas. Camps é parte da
antes ampliada, e agora minguante e amedrontada classe média. “Se não mudarmos
as coisas”, disse ela, “vou acabar como Paqui.”
No
dia seguinte, banhada pelo sol de inverno, Camps ajudou numa assembleia ao ar
livre do Podemos em uma propriedade em ruínas de casas geminadas no campo, fora
de Manises. Pessoas do local, tímidas, entraram em uma roda de ativistas
animados, de camisa roxa, e foram aplaudidas por arejar seus medos. Os
novecentos e tantos círculos do partido são chave para a abordagem
participativa e popularidade local do Podemos, mas são difíceis de controlar.
(O partido ainda não tem uma lista completa deles.) Qualquer um pode participar
e votar.
Se
o Podemos deseja ser mais do que um partido tradicional ou um movimento
pesadamente populista, então precisa funcionar com democracia direta. O uso que
o grupo faz de sites de transparência (detalhando todos os gastos, inclusive
salários), ferramentas de votação e discussão online já é de ponta. Seu site de
debates Plaza Podemos atrai regularmente entre 10 mil e 20 mil visitantes
diários. “Não se usa ferramentas onine nessa escala em qualquer outro lugar do
mundo”, me disse Ben Knight, um dos empresários por trás de um aplicativo de
tomada de decisão colaborativa, o Loomio.
Mas
no uso mais amplo da democracia direta, assim como em outras matérias, o
Podemos ainda não tem uma estratégia definida. Os únicos princípios fixos são
de que os membros sênior do partido, incluindo Iglesias, podem ser demitidos
por referendo, e as coalizões pós-eleitorais precisam ser aprovadas pelos
apoiadores. O Podemos poderá equilibrar as demandas de seus ativistas de
base, que esperam formular políticas, com a poderosa influência de Iglesias e
sua turma de acadêmicos complutenses? Esta é ainda das mais questões
desafiadoras para o futuro do partido.
Quando
chegou o momento de finalmente decidir a estrutura do partido, numa assembleia
aberta no último outono [espanhol], a equipe de Iglesias desejava um líder
forte. A proposta rival de Echenique, de uma liderança compartilhada de três
pessoas, ganhou o apoio de muitos círculos de ativistas, mas obteve apenas
um quinto dos 112 mil votos online. “Você poderia dizer que Iglesias ganhou os
votos mais superficiais”, disse Miguel Arana Catania, do LaboDemo, uma
consultoria digital que aconselha o Podemos. “Eram as pessoas que o tinham
visto na TV.” É só no nível local, ou quando o comparecimento é baixo, que o
grupo Complutense perde o controle.
*
* *
A
liderança carismática está no DNA do Podemos. Os membros sêniores admitem que o
projeto seria impossível sem a visão, habilidades televisivas e liderança de
Iglesias. Isso não o transforma num Hugo Chávez, como alguns gostam de dizer,
mas levanta questões sobre o tanto de poder que ele pode acumular. “Não sou
insubstituível”, o próprio Iglesias já declarou. “Sou um ativista, não um macho
alfa, e me coloco sob as ordens da maioria.”
Membros
de sua equipe mais próxima de 60 pessoas, a maioria que já trabalhou em
escritórios apertados, com tapetes ondulados e campainhas quebradas, muitas
vezes professam lealdade eterna. “Eu me sinto atingido pelos ataques a ele”,
admitiu um. Muitos no grupo deixaram seus estudos, carreiras ou
relacionamentos ao longo do ano passado, conforme o projeto Podemos decolou.
Aqueles que têm filhos — uma pequena minoria, já que a idade média é de 26
– queixam-se de que o trabalho é muito desgastante. Predominam os homens,
embora o partido apresente listas “zíper” de candidatos (em referência
aos dentes de um zíper), com homens e mulheres alternados, para cargos
públicos. Outros que gostariam de trabalhar para o Podemos dizem que o teto
salarial de 1.900 euros mensais [R$ 6.050] é proibitivo. (Ganhos acima disso,
em cargos públicos, são doados para o partido e outras causas.)
O
Podemos tem uma sede nova em Madri, alguns andares abaixo das salas bagunçadas
onde acampou depois das eleições europeias. Foi nesse escritório sombrio que,
13 meses depois de fundar seu partido, Iglesias concordou em encontrar-se para
uma entrevista. “Enfim, o homem mais procurado do mundo”, brincou alguém de sua
equipe conforme esperávamos na porta. Iglesias parecia estranhamente deslocado
nessa imaculada porém anódina nova casa, com seus carpetes e portas de madeira
brilhante estilo-hotel. Suas pulseiras e seu cabelo, adornados por uma banda
elástica colorida, contrastam com seu uniforme opaco do dia-a-dia, camisa
xadrez e jeans. (“Nenhum deles está interessado em dinheiro”, disse um colega
do núcleo de professores da Complutense.) Ele admitiu que estava cansado, e um
olhar um pouco embaçado ressaltou a impressão de ascetismo.
Iglesias
está consciente do paradoxo de um partido com raízes anticapitalistas
candidatando-se para administrar uma economia baseada no mercado. “No curto
prazo, estamos limitados a usar o Estado para redistribuir um pouco mais, ter
tributos justos, estimular a economia e começar a construir um modelo que
recupere a indústria e traga de volta a soberania. Nós aceitamos que o euro é
inescapável. A mudança que representamos é, de certa forma, sobre recuperar um
consenso que 20 anos atrás incluiria até mesmo algumas partes da democracia
cristã.” Entre outras medidas, ele estimularia a economia redistribuindo
dinheiro para os pobres e aumentando a folha de pagamento público, admitindo
mais fiscais de impostos, juizes e agentes de serviço social, e pagando por
isso com um aumento de impostos.
Um
governo Iglesias tomaria algumas lições com o Syriza. Ele não viu a negociação
que o Syriza fez em fevereiro, que estendeu por quatro meses o prazo de um
grande empréstimo feito à Grécia, como um recuo de seu amigo Tsipras. “Ao
adotar uma postura dura, um país pequeno e fraco, que é muito menos importante
para a zona do euro e da UE do que a Espanha, mudou o modo como as coisas são
feitas”, disse ele. Nas negociações, Iglesias usaria os músculos da Espanha,
quarta maior economia da zona do euro (o que, implicitamente, torna-a grande o
suficiente para ameaçar a estabilidade da moeda). “Não se consegue tudo, mas se
você começa com altivez e resiste, os resultados são completamente
diferentes.”
Iglesias
gosta de desviar perguntas sobre populismo apontando a promessa de Rajoy na
eleição de 2011 de criar 3,5 milhões de empregos, quando a economia na verdade
perdeu 600 mil desde então. “Os verdadeiros populistas são aqueles que fazem
promessas impossíveis”, disse. Mas o partido se prende a nós ao longo da
narrativa. Errejón me disse que seus adversários estavam tanto certos como
errados, ao chamá-los de populistas. “O stablishment usa populismo como
sinônimo de dizer para a maioria empobrecida o que ela quer ouvir”, disse ele.
“Isso nos leva direto de volta para a noção de que só os mais ricos devem
votar. É como se as massas fossem crianças.” Iglesias evitou o assunto com um
lampejo de arrogância intelectual. “Laclau nunca usaria o conceito de populismo
da forma como os leitores do Guardian iriam entendê-lo”, disse ele,
negando que houvesse qualquer demagogia no Podemos e acrescentando que, para
Laclau, a maioria dos políticos eram populistas, de todo modo.
Sua
proposta para maior soberania dos espanhóis inclui uma maior separação da
Europa em relação aos EUA, que ele sente ter ditado a política da UE sobre a
Ucrânia. “Não sinto nenhuma simpatia ideológica por Putin, mas penso que a UE
errou ao adotar postura tão beligerante contra a Rússia”, disse. Referindo-se
aos protestos na praça Maidan, em Kiev, que acabaram levando à derrubada do
governo, ele disse: “Não era razoável apoiar algo que – para usar uma expressão
mais suave do que golpe de estado – era um deslocamento ilegal do poder
político.”
Iglesias
não viu conflito entre os valores do Podemos e o fato de apresentar um programa
num canal que muitos veem como espaço de propaganda para a teocracia repressiva
do Irã. “No Forte Apache, eu tenho completo controle de estilo e conteúdo”,
disse. Fosse ele primeiro ministro, Iglesias ficaria feliz em manter o programa
e apresentar entrevistas com atores, diretores de cinema, intelectuais e
políticos. “Seria uma maneira de mostrar que você pode devotar-se à política
sem parar de fazer outras coisas”, disse. “Não sei se seria possível na
prática. O cotidiano de um primeiro-ministro traz limitações, mas estamos aqui
para mudar as coisas.”
As
eleições regionais de 24 de maio mostrarão se Podemos chegou ao topo. Nos
últimos meses, o Ciudadanos, um novo rival de centro-direita, transformou o
cenário politico mais uma vez. Com a sua promessa de desalojar o establishment
e inaugurar uma nova era de política transparente, livre de corrupção, o
grupo oferece uma alternativa segura para aqueles que temem o Podemos. Ele
tem, em Albert Rivera ,
um líder jovem carismático — mas muito mais ortodoxo — para rivalizar com
Iglesias. A economia espanhola ressurgente, agora crescendo e criando empregos
mais rapidamente que a maioria dos países da Europa, pode impulsionar Rajoy na
eleição geral de maio ou, pelo menos, legar uma economia parcialmente sanada a
quem sucedê-lo. Matérias da mídia, que colocou luz sobre as estreitas relações
entre alguns membros destacados do Podemos e a Venezuela, também arranharam a
sua imagem pouco antes das eleições de 22 março para o parlamento na região sul
de Andalucia, tradicionalmente ligada ao Partido Socialista. Mesmo assim, o
Podemos duplicou a sua votação (a partir de eleições europeias ) para 15%.
Mas
o terremoto Podemos já abalou o status quo, forçando o PSOE a eleger um jovem
novo líder – Pedro Sánchez –, enquanto a IU se desintegra em amargas lutas
internas sobre a possibilidade de aliar-se com o partido que pode comprovar seu
declínio. Sondagem de opinião do El País coloca o Podemos, com margem
estreita, como o partido mais popular da Espanha, mas sem uma margem que lhe permita
governar sem fazer coalizão com os “velhos” partidos amaldiçoados como parte da
“casta”. Isso poderá obrigar o Podemos a ir para a oposição. “Espero que
estejam dispostos a trabalhar com a gente”, me disse o ex-ministro do PSOE Juan
Fernando López Aguilar em Bruxelas, em dezembro. “Mas até agora, vejo uma
ameaçadora mistura de arrogância, paixão cega e condescendência.”
É
tentador ver o Podemos como uma operação bem planejada por um grupo de acadêmicos
talentosos, seguindo um roteiro populista escrito por um grupo de
pensadores radicais, mais isso seria simples demais. O grupo é, na
verdade, o resultado de um esforço em aberto, feito por idealistas
não-ortodoxos para promover mudança, combinando convicção jovem com um
desejo de testar suas ideias no mundo real. Contudo, à medida em que tentam
forjar um novo consenso, eles inevitavelmente afastam-se de suas raízes
radicais. Numa aula que Iglesias deu para estudantes visitantes no Parlamento
europeu em dezembro – talvez a última em muito tempo – ele reconheceu que se
governar pelas regras atuais do capitalismo europeu, os críticos de esquerda o
acusarão de ser um reformista covarde. “A resposta para isso é: ‘E onde estão
suas armas para nos livrar do capitalismo?’”, disse. Realismo, portanto, tanto
quanto idealismo, ditarão o futuro do Podemos. Somente quando colocado em
prática descobriremos como, ou se, o “método” participativo do Podemos muda a
democracia, a política europeia ou a vida das pessoas comuns. Mas o certo é que
Iglesias provou aquilo que apontou a seus alunos: o poder pode realmente ser
desafiado.
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