quarta-feira, 15 de abril de 2015

Portugal. As famílias não têm filhos não é porque não queiram, é porque não podem



Paula Santos – Expresso, opinião

Esta é uma das conclusões que podemos retirar da leitura do Inquérito à Fecundidade 2013. Do conjunto de informações que constam deste estudo, destaca-se:

- o índice sintético de natalidade de 2013 é de 1,28;

- a fecundidade final esperada é de 1,78;

- a fecundidade desejada é de 2,31;

- só 8% dos residentes em Portugal afirma que não pretende ter filhos.

As famílias portuguesas pretendem ter mais filhos, desejam ter mais filhos. Mas esse desejo tem vindo a ser adiado e não se concretiza porque existem condicionalismos que as impedem de tomar essa decisão.

Portanto, a segunda conclusão é que a responsabilidade do baixo número de nascimento de crianças no país é de sucessivos governos e não das famílias, que não asseguram as condições para as famílias decidirem sem constrangimentos, o momento e o número de filhos.

O Inquérito à Fecundidade 2013 referia mesmo que hoje "ter filhos não é um direito, é um privilégio".

E que condicionalismos são esses que impedem as famílias de tomar a decisão de ter filhos? O Inquérito à Fecundidade levanta três questões principais: a precariedade laboral, os baixos rendimentos e os elevados custos com as creches.

Creio que os fatores que condicionam a natalidade são múltiplos: as condições de trabalho e o desrespeito pelos direitos, em especial do direito de maternidade e paternidade; o desemprego e a emigração, os baixos rendimentos; a redução dos apoios sociais; a inexistência de uma rede pública de creches e as crescentes dificuldades no acesso a direitos fundamentais, como a saúde, a educação ou a habitação condigna.

Muito tem sido dito e escrito a propósito da baixa natalidade. Mas perante as preocupações que vão sendo expressas, nomeadamente pelos membros do Governo e pelo PSD e CDS-PP, como é que isso se traduz em soluções concretas que efetivamente eliminem os obstáculos que condicionam a natalidade e se adotam medidas efetivas de incentivo à natalidade?

É que os que manifestam preocupações quanto à baixa natalidade são os mesmos que durante os últimos quatro anos que degradaram ainda mais as condições de vida das famílias com os cortes nos salários e nas prestações sociais, o aumento da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho, o aumento do horário de trabalho, a destruição de milhares de postos de trabalho incluindo na Administração Pública ou as constantes violações dos direitos de maternidade e paternidade. O resultado foi a redução de 1/5 do número de nascimentos, passando de cerca de 100 mil nascimentos para cerca de 80 mil nascimentos.

Por detrás destas pretensas preocupações persiste uma conceção retrógrada sobre a maternidade e os direitos da mulher. É que para além de procurarem responsabilizar as mulheres e as famílias pela redução da natalidade, constata-se o regresso de uma conceção que deve permanecer no passado quanto ao papel da mulher na família, no mundo do trabalho e na sociedade e que rejeita a maternidade e a paternidade livre, consciente e responsável.

A manter-se esta política como pretendem PSD e CDS-PP (veremos as medidas que constam do programa de estabilidade) o problema da baixa natalidade permanecerá. Só é possível inverter a baixa natalidade com a rutura com este caminho e com a implementação de uma política alternativa que:

- crie empregos com direitos e seguros, que ponha fim à precariedade e à instabilidade nas relações laborais;

- valorize os salários e a reponha os salários cortados;

- organize o tempo de trabalho para que permita uma verdadeira articulação entre a vida profissional e a vida pessoal e familiar, através da redução do horário de trabalho e do fim da desregulamentação do horário de trabalho e do banco de horas;

- reforce os direitos de maternidade e paternidade e que garanta o seu cumprimento;

- alargue os critérios de atribuição das prestações sociais, em especial do abono de família repondo a sua universalidade;

- desonere a enorme carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho;

- crie uma rede pública de equipamentos de apoio à infância;

- garanta a educação de qualidade para todos, até aos mais elevados níveis de ensino;

- assegure o direito à saúde, designadamente a efetivação dos direitos sexuais e reprodutivos, o planeamento familiar, a saúde materno-infantil e o aumento dos tratamentos de infertilidade;

- garanta o acesso à habitação condigna a custos acessíveis.

Só com uma política que valorize e reconheça a função social da maternidade, enquanto elemento essencial para o futuro das gerações é possível aumentar a natalidade.

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