Um
dos retratos mais marcantes da crise que afeta o país nas últimas semanas tem
sido o cenário de completa desumanidade vivida na Amadora, no Bairro de Stª
Filomena e no Bairro 6 de Maio.
A
austeridade levou tudo à sua frente e o degradar das condições económicas das
famílias portuguesas, juntamente com o corte cego de apoios sociais que, nestas
zonas especificamente, eram o garante de uma vida nos mínimos da dignidade
humana, leva a situações cada vez mais comuns de impossibilidade de suportar
uma habitação, entre outras impossibilidades.
E
o direito à habitação é essencial, é um pilar que não pode nunca ser deixado de
parte porque é a base na qual qualquer um ou qualquer uma pode construir uma
vida. Daí decorrem outros direitos fundamentais, por isso sem habitação não há
perspetiva de futuro.
O
problema é que as políticas austeritárias inverteram o ónus da situação e
aquilo a que os governantes, nacionais ou locais, dão importância é à pressão
especulativa imobiliária. As populações dos bairros não geram lucros, mas se
retirarmos as pessoas da equação, destruirmos as casas e deixarmos um terreno
vazio para nova construção assim sim, já se pode fazer negócio!
O
que se assistiu na Amadora foi algo avassalador. Despejaram-se pessoas (jovens,
idosos, crianças, homens, mulheres) das suas casas e despojaram-se estas mesmas
pessoas de qualquer sentimento de dignidade ou respeito. Indo contra a tomada
de posição do Provedor de Justiça e usando força policial claramente
desproporcionada, o executivo da Amadora decidiu arrancar dezenas e dezenas de
pessoas das suas vidas.
Poder-se-iam
espantar alguns por se tratar de um executivo liderado pelo Partido Socialista,
mas só se espanta quem ainda espera algo daqueles lados! A desumanidade
demonstrada é gritante e o silêncio pelos lados do PS ainda mais. A 14 de abril
de 2014 o grupo municipal do Bloco de Esquerda apresentou uma moção em que se
deliberava condenar desalojamentos e demolições quando se verifique ausência de
alternativas, condenar a utilização de dispositivos policiais despropositados,
exigir o cumprimento da legislação no âmbito do direito à habitação e solicitar
pelos meios possíveis a suspensão dos despejos.http://www.am-lisboa.pt/documentos/1428937124U5rBS1po1Mk07JS8.pdf
O
executivo de Lisboa, também do Partido Socialista, até há pouco tempo liderado
por António Costa, reivindica para si um trabalho importante no que toca ao direito
à habitação (só não é, com certeza, para aqueles que menos têm!) decidiu que
não podia deliberar sobre esta matéria. Não se podia imiscuir num assunto de
outro município. Bom, em tantos outros temas as “sinergias” são sempre
evocadas, mas neste tema não. Neste tema não podia o PS tomar uma posição
política sobre um tema que supostamente condena. Neste tema o PS não se pode
pronunciar.
Há
uma coisa que deve ficar clara: na política, em especial na política local, não
se pode olhar a egos e fechar os olhos quando não nos interessa. Não podemos
deixar de criticar o nosso clube quando as suas ações são ilegais e de uma
grande violência. Há que tomar posições e quando a oportunidade surge e se foge
dela como o diabo da cruz os esclarecimentos ficam marcados.
Quando
se inviabiliza a votação de uma proposta de deliberação como a que foi
apresentada só pode significar uma coisa: é porque no que interessa não são tão
diferentes quanto isso e quem perde são sempre as populações, em especial
aquelas a quem a austeridade fustigou até não haver mais nada. Literalmente
nada.
Quando
se defende o direito à habitação tem que se defender no todo e em todos os
momentos, não só quando interessa fazer campanha política!
Esquerda.net
*Licenciada
em Ciências
Políticas e Relações Internacionais e mestranda em Ciências Políticas.
Dirigente do Bloco de Esquerda.
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