sexta-feira, 17 de abril de 2015

Portugal. DO FANATISMO IDEOLÓGICO




Um dos retratos mais marcantes da crise que afeta o país nas últimas semanas tem sido o cenário de completa desumanidade vivida na Amadora, no Bairro de Stª Filomena e no Bairro 6 de Maio.


A austeridade levou tudo à sua frente e o degradar das condições económicas das famílias portuguesas, juntamente com o corte cego de apoios sociais que, nestas zonas especificamente, eram o garante de uma vida nos mínimos da dignidade humana, leva a situações cada vez mais comuns de impossibilidade de suportar uma habitação, entre outras impossibilidades.

E o direito à habitação é essencial, é um pilar que não pode nunca ser deixado de parte porque é a base na qual qualquer um ou qualquer uma pode construir uma vida. Daí decorrem outros direitos fundamentais, por isso sem habitação não há perspetiva de futuro.

O problema é que as políticas austeritárias inverteram o ónus da situação e aquilo a que os governantes, nacionais ou locais, dão importância é à pressão especulativa imobiliária. As populações dos bairros não geram lucros, mas se retirarmos as pessoas da equação, destruirmos as casas e deixarmos um terreno vazio para nova construção assim sim, já se pode fazer negócio!

O que se assistiu na Amadora foi algo avassalador. Despejaram-se pessoas (jovens, idosos, crianças, homens, mulheres) das suas casas e despojaram-se estas mesmas pessoas de qualquer sentimento de dignidade ou respeito. Indo contra a tomada de posição do Provedor de Justiça e usando força policial claramente desproporcionada, o executivo da Amadora decidiu arrancar dezenas e dezenas de pessoas das suas vidas.

Poder-se-iam espantar alguns por se tratar de um executivo liderado pelo Partido Socialista, mas só se espanta quem ainda espera algo daqueles lados! A desumanidade demonstrada é gritante e o silêncio pelos lados do PS ainda mais. A 14 de abril de 2014 o grupo municipal do Bloco de Esquerda apresentou uma moção em que se deliberava condenar desalojamentos e demolições quando se verifique ausência de alternativas, condenar a utilização de dispositivos policiais despropositados, exigir o cumprimento da legislação no âmbito do direito à habitação e solicitar pelos meios possíveis a suspensão dos despejos.http://www.am-lisboa.pt/documentos/1428937124U5rBS1po1Mk07JS8.pdf

O executivo de Lisboa, também do Partido Socialista, até há pouco tempo liderado por António Costa, reivindica para si um trabalho importante no que toca ao direito à habitação (só não é, com certeza, para aqueles que menos têm!) decidiu que não podia deliberar sobre esta matéria. Não se podia imiscuir num assunto de outro município. Bom, em tantos outros temas as “sinergias” são sempre evocadas, mas neste tema não. Neste tema não podia o PS tomar uma posição política sobre um tema que supostamente condena. Neste tema o PS não se pode pronunciar.

Há uma coisa que deve ficar clara: na política, em especial na política local, não se pode olhar a egos e fechar os olhos quando não nos interessa. Não podemos deixar de criticar o nosso clube quando as suas ações são ilegais e de uma grande violência. Há que tomar posições e quando a oportunidade surge e se foge dela como o diabo da cruz os esclarecimentos ficam marcados.

Quando se inviabiliza a votação de uma proposta de deliberação como a que foi apresentada só pode significar uma coisa: é porque no que interessa não são tão diferentes quanto isso e quem perde são sempre as populações, em especial aquelas a quem a austeridade fustigou até não haver mais nada. Literalmente nada.

Quando se defende o direito à habitação tem que se defender no todo e em todos os momentos, não só quando interessa fazer campanha política!

Esquerda.net

*Licenciada em Ciências Políticas e Relações Internacionais e mestranda em Ciências Políticas. Dirigente do Bloco de Esquerda.

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