quinta-feira, 16 de abril de 2015

São Tomé e Príncipe. O CAVALO, A ÉGUA, O POTRO E A MULA




Há um conto popular russo, se não me engano no nome do país em causa, que ridiculariza, de forma soberba, a mentalidade submissa, por um lado, e tiques de chico-espertismo, por outro lado, um pouco disseminado na nossa sociedade, momentaneamente em transformação acelerada, que caracteriza muito bem aquilo que somos como povo.

Diz o referido conto, em termos sintéticos, que um homem rico e um outro muito pobre viajavam juntos numa grande caminhada. Neste propósito, o homem rico montava um bonito exemplar de um cavalo castrado e o homem pobre seguia montado numa velha égua.

Durante a viagem em causa, numa noite, numa paragem específica para descanso, a égua do homem pobre pariu um potro. Sem que ambos dessem por isso, o potro em causa deslizou para baixo do ventre do cavalo do homem rico. Este, sem cerimónias nenhumas, de imediato, aproveitou a ocasião para dizer ao homem pobre que o seu cavalo tinha parido o potro em causa reclamando-o, portanto, para si.

Alguns acontecimentos recentes, passados em S.Tomé e Príncipe, refletem a realidade retratada acima, configurador da forma como o governo nos trata como cidadãos. Ou seja, somos uma espécie de tolos de um reino chefiado por Chicos-espertos que entendem que a realidade política, social e económica do país depende, em grande medida, somente das informações que recebemos, nalguns casos, de forma interesseira, por parte deste mesmo governo.

Num contexto como o nosso onde os instrumentos que permitem a informação pública constituem, simultaneamente, uma propriedade privada, torna-se difícil que a inteligência individual nos proteja das idiotices e chico-espertismo compagináveis com as atuações do homem rico e do homem pobre na história narrada acima.

O primeiro acontecimento, passado recentemente em S.Tomé e Príncipe, amplamente divulgado, pela generalidade dos órgãos de comunicação social nacionais e alguns estrangeiros, informa-nos que uma estrada que se começara a fazer, há doze anos, só agora foi concluída pelo governo do ADI. A notícia em causa, passada diversas vezes nalgumas rádios, tentava passar a ideia de que o governo atual do ADI, fora reformador neste domínio, quando comparado com outros governos da república. Só que todos nos esquecemos, de repente, que o ADI esteve no governo, durante dois anos, recentemente e, provavelmente, também se esquecera de concluir a referida estrada, naquele contexto temporal concreto.

Da mesma forma, a missa, um pouco por todo o país, em torno da iniciativa relacionada com o famoso “orçamento do cidadão” reflete, de forma fiel, todas as incongruências deste estilo político. Ou seja, com o dinheiro dos outros, que andam a financiar o nosso orçamento de Estado, o governo andou a perguntar aos cidadãos o que querem para as suas respetivas freguesias incluindo, nesta autêntica brincadeira, todos os devaneios e luxos populares, em detrimento de criação de condições, paulatinamente, para a produção de riqueza internamente que minimize, no médio e longo prazos, a nossa quase total dependência do exterior. Comportamo-nos, neste caso, como ricos e donos do potro, sabendo, todavia, que ele provém de éguas alheias.

Imaginem o que seria uma família, constituída por um pai, mãe, filhos, netos, avó, avô, etc., tecnicamente falidos, pedirem dinheiro emprestado a alguém e utilizarem-no, como meio de saírem desta situação de falência crónica, solicitando a cada membro da família em causa o que queriam fazer com o dinheiro em causa para satisfação do luxo e ambição pessoal, em detrimento de um plano de investimento familiar inclusivo que, no médio e longo prazos, acabasse por resolver ou minimizar todos os problemas da família em causa. Duvido que alguém, no seu perfeito juízo, daria, sistematicamente, dinheiro emprestado a esta família.

Temo que, decorrente deste autêntico luxo com o potro dos outros, no futuro, aqueles que têm assegurado, sistematicamente, as nossas necessidades orçamentais, comecem a refletir sobre as consequências da nossa insanidade neste âmbito e ponderem a utilidade e prosseguimento deste ato.

A corrida governamental desenfreada, para inauguração de chafarizes, um pouco por todo o país, é o retrato mais pálido e inconsistente desta política de um governo montado por cima de um cavalo castrado reivindicando os potros de éguas alheias.

Também sei que a política é feita destes atos simbólicos e que a posição voluntária do atual governo do ADI, querendo-se mostrar, desde o princípio da legislatura, elegantemente, como um rico por cima de um cavalo castrado, o que foi determinante para a assunção do slogan “Vamos Construir o Novo Dubai”, não deixa alternativas para outra postura política mais humilde, inclusiva, realista e pragmática que o país necessitaria nesta fase do seu desenvolvimento.

Só que quem tem uma postura tão assertiva e reivindicativa neste e noutros domínios, aparentemente em defesa dos interesses do país, tem que generalizá-la transversalmente noutros contextos.

De repente, desta vez, uma mula apareceu debaixo do ventre do cavalo castrado do homem rico e este fingiu que não era nada com ele comportando-se como os três macacos sábios: cego, surdo e mudo.

De facto, foi este o comportamento do governo do ADI relativamente ao navio Thunder, segundo as informações dos diversos órgãos de comunicação social, perseguido pela Interpol, que acabou por naufragar, de forma súbita, na nossa costa, depois de solicitar apoio logístico às autoridades nacionais para fazer o transbordo da sua mercadoria no país, mudança de tripulação e, eventualmente, adquirir um novo registo para continuar a sua prática predatória nas nossas águas.

Custa-me muito compreender que um governo que reivindica a propriedade de todos os potros alheios que lhe aparecem pela frente e, neste caso, perante uma boa mula recém-nascida, finge que não viu nada, não sabe nada e nem fala sobre nada.

Ninguém pede ao governo proclamações rocambolescas ou precipitadas sobre o assunto em causa. Não é isto que nos interessa como cidadãos. Todavia, perante um caso desta gravidade, esperava-se que, passados sensivelmente oito dias da ocorrência deste caso, o governo nos informasse coisas simples sobre o referido assunto. Desde logo: o navio em causa estava ou não sendo perseguido pela Interpol como sugere as notícias? Se tal facto estava, de facto, a ocorrer, e mediante o desfecho do mesmo que contactos o governo em causa já estabeleceu com a referida organização como parte integrante, voluntária ou involuntariamente, no mesmo?

Informalmente, o governo, ou a instituição vocacionada para o efeito, aparentemente, preparava-se para dar apoio logístico ao referido navio, permitir o transbordo da sua mercadoria no país bem como a mudança de tripulação e, eventualmente, permitir um novo registo para que o referido navio continuasse a sua prática predatória nas nossas águas. Perante as informações ulteriores, relacionadas com a perseguição do navio em causa pela Interpol, continua a ser esta a atitude e disponibilidade das entidades governamentais envolvidas no caso perante a situação em causa?

Deve ser esta a prática recomendável ou modus operandi, em termos de autorização para transbordo de mercadorias, registo de navios e decisão sobre a pesca nas nossas águas, por parte das entidades nacionais, demonstradas neste processo, bastando para tal o contacto informal e distante com as entidades interessadas negligenciando-se, todavia, outras informações mais pertinentes que nos proteja de práticas indesejáveis com eventuais consequências criminais e ambientais?

Que consequências ou impactos ambientais terá o referido naufrágio nas nossas águas? O governo tentou saber junto do comandante e da tripulação em causa a carga do referido navio e eventuais efeitos ou impactos ambientais decorrentes do referido naufrágio que possa contribuir para tranquilizar os cidadãos nacionais?

A resposta para estas e outras questões seriam importantes para o sossego e tranquilidade das pessoas. É para isto que o governo foi eleito. Mas, a impressão que dá, voluntária ou involuntariamente, de acordo com a postura do governo no assunto em causa, é que o comandante do navio e respetiva tripulação são vítimas da atuação da Sea Shepherd Conservation Society ou mesmo da Interpol e estes é que são os carrascos desta história. Ou seja, voluntária ou involuntariamente, transmitimos a ideia, perante a comunidade internacional, de um Estado frágil, permeável, ligeiro e condescendente com os eventuais infratores, onde, aliás, estes procuram refúgio mediante perseguições de entidades não-governamentais vocacionadas para o efeito ou mesmo policiais.

Tudo isto parece contraditório com a promoção de palestras, conferências e outras iniciativas em prol da atração de investimentos estrangeiros para o país. Quem vai investir num país que trata assuntos sérios e perigosos com esta ligeireza? Até que ponto a publicitação internacional deste assunto, sem esvaziamento oportuno do mesmo pelo governo central, coloca em causa os esforços de alguns empresários estrangeiros e do governo regional do Príncipe, decorrentes de uma estratégia organizada e implementada, em prol da inclusão do Príncipe na rede biosfera da Unesco e opção estratégica assumida para um desenvolvimento regional sustentável?

Quem vai assumir os estragos que a mula, recentemente nascida, está a provocar no reino? O governo não pode só assumir a paternidade dos potros. As mulas também têm que ter donos.

Adelino Cardoso Cassandra – T+ela Nón (st), opinião

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