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da libertação de centenas de reféns na Nigéria é bem-vindo. Mas é também
suspeita a coincidência entre supostas vitórias militares do governo e eventos
políticos, opina Thomas Mösch, chefe da redação hauçá da DW.
No
momento, tudo indica que um dos mais sanguinários grupos terroristas do mundo
esteja à beira da derrota militar, simplesmente travando as últimas batalhas de
retirada com os países atingidos, a Nigéria e seus vizinhos Chade, Camarões e
Níger. Na verdade, é algo quase inacreditável, depois de seis anos de manobras
basicamente fracassadas das Forças Armadas nigerianas.
Entretanto
é preciso encarar com ceticismo as notícias de sucesso por parte dos militares
nigerianos. Por demasiadas vezes, porta-vozes já anunciaram a vitória sobre o
Boko Haram ou a libertação de reféns, sem que nada acontecesse de concreto.
Os
acontecimentos das últimas semanas reforçam a suspeita de que o Boko Haram
seja, acima de tudo, um fenômeno local inflacionado por interesses políticos.
Duas dinâmicas explicam o sucesso dos terroristas nos últimos anos.
Em
primeiro lugar, durante anos tanto o Exército da Nigéria e sua liderança quanto
o governo em Abuja não levaram a sério o perigo da matança no empobrecido
nordeste. Por isso, desviaram para outros canais as verbas bilionárias
destinadas às forças de combate – à custa dos soldados rasos e de centenas de
milhares de cidadãos que perderam a vida, a saúde ou o local de morada.
A
elite política e militar só passou a agir quando reconheceu que um fracasso
diante do Boko Haram colocaria em perigo sua reeleição e, assim, o acesso às
riquezas do país. A rigor, já passava da hora para tal iniciativa, e por isso o
pleito teve que ser adiado.
Em
apenas seis semanas, as Forças Armadas dos países atingidos forçaram os
terroristas a recuarem, ao ponto de não conseguirem perturbar seriamente as
eleições nem mesmo em sua região de origem. Tarde demais, pois mesmo assim os
eleitores optaram pela oposição.
Em
segundo lugar, a súbita vulnerabilidade do grupo terrorista – tão temido até há
pouco – indica que seus recursos estão se esgotando. O Boko Haram não foi capaz
de financiar seus ultramodernos armamentos apenas com o saque de filiais
bancárias nos territórios ocupados ou com das quantias de resgate de ocasionais
sequestros.
Até
o momento, não há provas conclusivas de contribuições financeiras partindo de
redes internacionais. A maior parte do apoio ao Boko Haram deve ter vindo da
própria Nigéria. No passado, por diversas vezes as elites nigerianas instrumentalizaram
e armaram grupos militantes a fim de impor os próprios interesses hegemônicos –
tanto no Delta do Níger como em outras áreas do norte do país.
Não
foi mero acaso a coincidência cronológica entre a ascensão do Boko Haram a
exército terrorista capaz de abalar todo o país, e a posse de Goodluck Jonathan
como chefe de Estado, em 2010. Logo após a morte do presidente muçulmano Umaru
Musa Yar'Adua, partes da elite norte-nigeriana já haviam ameaçado tornar o país
ingovernável, caso o partido governista PDP apresentasse Jonathan como
candidato na campanha eleitoral de 2011.
O
passado já mostrou repetidamente que os estrategistas políticos da Nigéria não
hesitam em passar por cima milhares de cadáveres quando se trata de defender os
próprios interesses. Agora Jonathan perdeu a presidência e quase não se ouve
mais falar do Boko Haram. Acaso?
Até
agora não há indícios de que o presidente eleito Muhammadu Buhari esteja em
conluio com os financiadores do Boko Haram. Ele sempre manteve distância dos
corruptos por trás da política norte-nigeriana. Mesmo assim, é possível que
esses manipuladores acalentem a esperança de voltar a ter mais influência
agora, sob o novo presidente muçulmano, do que sob Jonathan.
É
de se duvidar que Buhari tenha poder de desativar as redes que controlam o
terror, ou mesmo de expô-las. No melhor dos casos, agora elas se acalmarão,
retirando seu apoio dos terroristas. E se algo restar do Boko Haram, serão no
máximo pequenas gangues de salteadores arruaceiros, como as que também existem
em outras partes da Nigéria.
Thomas
Mösch – Deutsche Welle, opinião
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