Abel
Chivukuvuku, líder da CASA-CE, contou em exclusivo aquilo que viu na montanha
Sume
Luísa
Rogério – Rede Angola (ao)
No
dia 16 de Abril último, nove agentes da Polícia Nacional foram
assassinados no município da Caála na sequência de confrontos com fiéis da
seita religiosa Luz no Mundo, liderada por Julino Kalupeteka. Pouco se sabe do
que realmente aconteceu a seguir, mas alegações da chacina de membros da seita
têm vindo a ser denunciadas publicamente. Com o propósito de apurar os factos,
uma delegação da CASA-CE, chefiada pelo seu presidente, Abel Epalanga
Chivukuvuku, esteve no Huambo de segunda a sexta-feira passadas. A delegação
desdobrou-se em contactos com o governador provincial, Kundi Paihama, comandos
das Forças Armadas Angolanas e da Polícia Nacional, autoridades tradicionais e
religiosas. A delegação de Abel Chivukuvuku foi a primeira não ligada às
autoridades a visitar a montanha de Sume, onde tudo se passou. Como
tudo aconteceu e o resumo das constatações no terreno é apresentado por
Abel Chivukuvuku em entrevista exclusiva ao Rede Angola, dada momentos
antes de deixar a capital do Planalto Central.
No
fim da visita de quatro dias à província do Huambo qual é a percepção que tem
da realidade?
Nós
viemos, como delegação da direcção da CASA-CE, para podermos perceber,
investigar e auscultar o que aconteceu, porque é que aconteceu e como
aconteceu. Viemos sem preconceitos e sem julgamentos. O nosso propósito não era
procurar culpados, era entender o fenómeno para ajudarmos o nosso próprio país,
que já teve muitos traumas no passado, e não permitir que acontecimentos desta
natureza se voltem repetir. Assim que chegámos, reunimos primeiro com o Governo
chefiado pelo próprio governador, o general Kundi Paihama. Tivemos duas horas
de aceso debate. No fim tive um encontro privado, só eu e o general, para
podermos evoluir um bocadinho em termos de abordagem que muitas vezes em grupo
não é possível fazer. A reunião era muito grande, éramos mais de 30 pessoas
dos dois lados. Também nos encontrámos com entidades eclesiásticas de todas as
igrejas. Estivemos com o Arcebispado da Igreja Católica e, porque o bispo
titular não estava, encontrámo-nos com Dom Francisco Viti e outros padres.
Estivemos com os pastores da igreja Congregacional e com a Igreja Adventista do
Sétimo Dia, de onde é originário o Kalupeteka. Estivemos ainda com autoridades
tradicionais e da sociedade civil, procurando alargar o leque de conversa. Essa
foi a primeira fase da abordagem. Depois passámos para a fase da constatação.
Fomos à montanha do Sume. Fiáamos duas a três horas lá.
Pode
descrever o ambiente que encontrou na montanha do Sume?
Depois
vou descrever. Saídos da montanha do Sume, visitámos as aldeias circunvizinhas.
Quantas
aldeias visitaram?
Três
ou quatro aldeias. Foi difícil encontrar população porque as aldeias estavam
quase todas desertas. Por outro lado, como íamos com escolta policial, muitas
pessoas fugiam quando viam a polícia. Mas tivemos a sorte de encontrar dois
cidadãos que nos descreveram o que aconteceu porque acompanharam de muito
perto. Posteriormente fomos a uma aldeia chamada Km 25 onde também falámos com
a população. Fomos dialogar com o Comando da Guarnição Militar, que foi ali
colocado em Fevereiro deste ano, e visitamos a casa privada do Kalupeteka, que
fica nesse posto administrativo. Por último, fomos a Caála para conversar com
os responsáveis do município.
No
dia seguinte, fomos ao Longonjo porque o governador nos tinha informado, e é
público porque saiu na comunicação social, que teria havido alguns desacatos na
comuna do Chilata, onde conversámos com uma série de cidadãos. Infelizmente, na
Chilata a administradora comunal e os responsáveis policiais fugiram.
Encontrámos alguns jovens da polícia, mas não pudemos fazer a auscultação.
No
fim da missão, passámos à fase mais sentimental, mais humana, que foi visitar
as viúvas dos polícias. Começámos pela Caála e culminámos aqui com a visita à
mãe do comandante Catumbela. O pai do comandante Catumbela também acabou por
falecer de cisma, de tanto desgosto. Portanto, encontrámos a viúva e a mãe do
próprio Catumbela, também viúva. A morte aconteceu dias depois do falecimento
do filho. Não conseguiu aguentar.
É
minha convicção, com o máximo de honestidade possível nessas coisas de
política, de que a seita a Luz do Mundo não representava perigo para a
estabilidade do país. Em nenhum momento representava ameaça, até porque a
própria seita tinha uma espécie de ambiente de cooperação com o Governo, que
lhe foi dando bens. Ele não andava escondido, tinha interacção e diálogo
com o Governo. Pelo que nos explicou o governador, no último encontro que
tiveram, em Outubro do ano passado, quando o governador foi ao Sume conversar
com o Kalupeteka, este tinha prometido que iria dissolver a seita, já que o
Governo não concordava com ela. Isto nos foi dito pelo governador. Portanto,
não representava ameaça.
É
verdade que a seita tinha algumas práticas anti-sociais, e provavelmente não é
a única. Muitas das várias seitas que temos pelo país têm práticas anti-sociais
no sentido de, em certa medida, não acatarem imediatamente com determinados
pressupostos administrativos. Por exemplo, o censo. O que nos foi explicado é
que o Kalupeteka não o aceitou. Eles próprios fizeram a lista e mandaram ao
Governo. Recusaram-se a dar os dados como religião, etnia, etc. Significa que
tinham um ambiente de meia cooperação, mas com as suas próprias regras.
Defendiam a teoria de que o ensino formal não é a coisa mais importante. Para
eles é o ensino da vida, a vida é escola. Têm esse tipo de práticas.
Outra
constatação é que o que ocorreu não aconteceu espontaneamente. Nós conversámos
com o Comando Militar, destacado na aldeia Km 25, que foi transferido do
Regimento Militar do Gove em Fevereiro para o Km 25 que é o posto
administrativo, a aldeia mais próxima da montanha. Fica talvez a cinco
quilómetros da montanha, significa que tudo isso estava em preparação.
A
acção da Polícia já estava em preparação?
Absolutamente!
Mas não é polícia, é um destacamento das Forças Armadas Angolanas (FAA).
Deixe-me explicar: o destacamento que visitámos no Km 25 é das FAA. O próprio
comandante é que nos explicou que foram transferidos do Gove em Fevereiro deste
ano. Por outro lado, a maneira como o assalto ao acampamento ocorreu não foi de
um momento para o outro. Teve fases. Na primeira, foi um agente sozinho levar
ao acampamento a notificação do mandado de captura para o Kalupeteka e seus
seguidores.
Quem
expediu o mandado de captura?
O
Governo provincial do Bié. Eventualmente o agente da Polícia encontrou
hostilidade, pegou na motorizada dele e regressou. Não o agrediram mas,
sentindo hostilidade, deixou o mandado e retirou-se. Em função disso,
organizou-se a nova operação que ocorreu no sábado antepassado e também teve
duas fases. Na primeira fase foi um grupo de agentes da Polícia à civil, em
número que não nos foi bem esclarecido, mas anda à volta de dez agentes.
Entraram no acampamento. O que ocorreu já não temos detalhes, mas sabemos que
foram retidos porque já não voltaram. As outras autoridades perderam o primeiro
contacto com esse primeiro grupo que era suposto capturar o Kalupeteka.
Em
função disso, e foi o que o governador nos explicou, mandou cercar a montanha.
Então vieram efectivos das FAA e da Polícia. Montaram um posto de comando para
a operação num campo de futebol que fica a mais ou menos quinhentos metros do
acampamento. Os populares explicaram-nos que a partir daí, quando os
militares e polícias avançaram, já não foi para falar. Foi a disparar.
Como
é o acampamento?
O
acampamento tem duas partes. Tem uma parte de culto, numa espécie de descampado
com muitas pedras onde se sentavam os crentes, e um altar onde ficavam, de
certeza, as entidades da seita. Os disparos foram para essa área onde estavam
as pessoas em culto. Por
causa desse primeiro grupo de agentes da polícia à civil, o culto tinha parado.
Estava tudo silencioso.Parte dos efectivos disparou contra as pessoas que
estavam sentadas no culto e outra parte foi destruir o acampamento. Uns queimavam,
outros disparavam. Os populares explicaram que ficavam sentados à frente as
crianças e as mulheres, e atrás os homens. Era essa a ordem dos cultos. Quando
iniciaram os disparos, os crentes começaram a cantar cânticos religiosos. Mas
os homens que estavam atrás pegaram em paus, mocas e catanas para reagir.
Os
populares foram ouvindo disparos e cânticos. Quando se aperceberam que afinal
estavam a morrer, o resto debandou. O cidadão que nos explicou, nos seus
relatórios disse que a dado momento deixaram de ouvir os cânticos. Depois de
algum tempo, os disparos também pararam. Foi mais ou menos assim que decorreu a
operação. Houve mortes e destruição.
Conseguiram
apurar o número de indivíduos que viviam no acampamento?
O
acampamento era grande. A ideia de que as pessoas ficavam ao ar livre não é
verdade. O acampamento está numa encosta, tinha casas de chapa, todas elas bem
alinhadas. Como a encosta é uma descida, tinham níveis, uma linha de casas no
primeiro nível, depois descia-se ao segundo nível e assim
sucessivamente
Aquilo
estava bem ordenado. Tinham uma espécie de templo e a seguir o armazém
logístico. Portanto, tinham casas bem estruturadas, água com sistema de
gravidade, tubos e valas. Tinham energia e pelo que nos deram a entender, o
Governo é que ofereceu o gerador. Tinham postes de iluminação com holofotes.
Nas casinhas de chapa não havia energia. A energia ia só até ao templo
principal e ao centro logístico. Tinham alimentação, encontrámos muita comida
dispersa e medicamentos. Não tinham uma vida desumana.
Quer
dizer que os crentes não viviam de modo quase primitivo, sem condições mínimas
de subsistência?
Nada
a ver. Quando fomos à casa do Kalupeteka na aldeia Km 25 constatámos que também
foi assaltada e vandalizada pela Polícia. Não tiraram nada, penso que só foram
à procura de evidências. Encontrámos tudo estruturado. Havia muitas lavras,
todas com arame farpado. O Kalupeteka tinha a casa dele principal, onde vivia a
esposa, mais outras três casas onde ficava, uma delas era o centro logístico.
Encontrámos mais de 30 sacos grandes de milho na casa da vila, além da
comida que encontrámos no campo.
Pelos
relatos que obtivemos, tanto do governador como das outras pessoas, o que
percebemos é que essa aglomeração de gente veio de muitos lados. Nós recolhemos
até bilhetes de identidade, cartões de eleitor de pessoas que vieram de Luanda,
do Lubango, etc. Elas foram convocadas pelo Kalupeteka para decidirem o que
tinha prometido ao governador no sentido de dissolver a seita. Não quis tomar a
decisão sozinho. Foi uma espécie de congresso, peregrinação ou convenção para
decidirem o que fazer. É por isso que houve muita gente que veio de outras
paragens.
Confirma
as informações segundo as quais pessoas de várias províncias teriam vendido os
seus bens para viverem na montanha?
Não
confirmo se as pessoas venderam ou não, o que confirmo é que a percepção que
tive desse acampamento, dos relatos que ouvi do Governo e de outras fontes,
alguns kalupetikistas vieram em peregrinação para regressarem. Deviam decidir
sobre a promessa que o Kalupeteka tinha feito ao governador de dissolver a
seita. Esse é o entendimento que tivemos.
Outro
aspecto, a operação acabou por não ser uma questão policial porque envolveu as
Forças Armadas. Até ao momento em que chegámos ao Sume, ainda havia um destacamento
das FAA. Na aldeia Km 25 encontrámos o Comando pertencente à unidade do Gove.
Portanto, foram forças anti-motim e Forças Armadas.
Está
a referir-se à operação pós-morte dos agentes da Polícia?
A
operação pós-desaparecimento ou falta de contacto dos primeiros agentes que
foram lá à civil. A nossa conclusão é que houve matança grave! Não posso, com
seriedade e honestidade, afirmar se houve genocídio ou não, mas matança grave
houve. Morreram polícias, mas morreram muitos civis.
Tem
alguma indicação de números? Fala-se em centenas de mortes…
Não
arrisco números. Só a Polícia é que pode dar números, porque só eles
tiveram a possibilidade de contar. Encontrámos muito sangue. Outro
indicador, segundo a nossa percepção, é que a maioria das pessoas que morreram
podem ter sido mulheres e crianças. Primeiro pela forma como eles se dispunham
na hora das cerimónias religiosas e, por outro lado, pelos vestígios no
terreno. Encontrámos muita roupa de criança, senhora e fraldas dispersas. Não
sei se contei calças. Não me lembro de ter visto calças em todo acampamento.
Também não fazia sentido a vandalização da casa do Kalupeteka que era fora do
acampamento. Estava lá a esposa que teve de fugir.
Há
alguma indicação do paradeiro da senhora?
Os
camponeses que encontrámos no terreno só nos disseram que a esposa fugiu antes
do ataque e da vandalização da casa. Quando ela se apercebeu que havia tiroteio
na montanha, que fica a cinco quilómetros, abandonou a casa. Seria recomendável
que as autoridades colocassem lá guardas. Não encontrámos nenhum vestígio das
acusações que o Governo faz à UNITA. Encontramos sim, mantas do MPLA. Significa
que havia naquela crença religiosa cidadãos que eram do MPLA e trouxeram as
suas mantas que tinham a bandeira do MPLA, não da República. Como provavelmente
também havia cidadãos da UNITA, do PRS e de outros partidos.
Algumas
organizações da sociedade civil e cidadãos comuns no Huambo citam a existência
de valas comuns. Tem alguma indicação de onde teriam sido sepultadas as vítimas
civis?
Nós
ficamos no perímetro mais próximo do acampamento. Vários colegas, e até
polícias, foram relatando que sentiam odores. Sentiam cheio de putrefacção. Os
colegas achavam que podíamos explorar um bocadinho mais, mas pensámos que não
valia a pena. Só isso que podemos afirmar. Não vimos valas.
Tendo
havido tantas mortes como é que se pode compreender a inexistência de óbitos em
massa, testemunhas ou vítimas? Qual é a leitura da CASA-CE sobre esse “vazio”?
Como
era uma espécie de congresso em que vieram pessoas de outras áreas, os
convocados não tinham relação com as pessoas daqui. Por outro lado, os
populares das aldeias circunvizinhas por onde passaámos, disseram que os
fugitivos evitavam ir para aldeias onde não soubessem se havia kalupetequistas
ou não. Só fugiam para as aldeias onde sabiam que encontrariam elementos da
seita para serem escondidos.
Criou-se
um clima de terror e medo. Não confirmo, mas tenho informações de que quando o
Governo passou a mensagem de que todos aqueles que não localizassem os seus
familiares fossem à casa mortuária identificar corpos, as pessoas tinham medo.
Depois circulou a informação de que quem fosse identificar corpo era também
conotado como kalupetequista. De modo que acabou só havendo cerimónias
funerárias dos agentes da polícia e de mais ninguém.
A
Polícia Nacional declara que houve 13 mortos entre a população civil e que
todos tiveram funerais condignos.
Onde
há uma confrontação com 13 mortos deve haver feridos. Na reunião que
tivemos com o Governo pedimos para conversar com os feridos. Se existem,
queríamos ir aos hospitais visitá-los. Não conseguimos ver nenhum ferido aqui
no Huambo, nem na Caála, no Km 25 ou no Longonjo.
O
que sabe sobre a localização e estado de saúde do Kalupeteka?
Informaram-nos
que o Kalupeteka está detido. Perguntei directamente ao governador se sabia
onde estava o Kalupeteka para o podermos visitar. O governador disse-nos que
não sabia, que estava com as autoridades judiciais. Eu disse em jeito de
brincadeira, “é possível que como governador não saiba, mas como agente da
segurança de Estado que é, e o senhor é que nos disse que é da bófia, sabe onde
está”. O Governo só teria mais vantagem, se o Kalupeteka ainda vive, em mostrá-lo. Não sei
se vive ou não, mas a nossa démarche foi impossível. O governador não
aceitou.
Não
há nenhuma garantia de que esteja vivo? Conseguiram identificar algum familiar?
Não
sabemos se vive ou não. O nosso propósito ao ir à sua casa era também para ver
se identificávamos algum familiar que nos pudesse dizer alguma coisa sobre o
senhor Kalupeteka. Não encontrámos ninguém, a casa estava deserta.
Feito
o balanço da visita, quais são os próximos passos?
Pena
que nós, angolanos, não aprendamos com a nossa vida. Tivemos um passado muito
traumático, deveríamos encontrar paradigmas diferentes para o futuro. Não tem
nenhum valor hoje nós acusarmos o Governo, ou o Governo acusar a UNITA. Não tem
valor nenhum, as pessoas já morreram. O exercício da governação deveria
ser antecipar os fenómenos e encontrar modelos de concertação de diálogo
para resolver os problemas. Evitar que percamos mais vidas. Os polícias que
morreram são cidadãos. Quando fui visitar a família do comandante Catumbela –
que quase acabam por ser meus familiares também – senti o drama que vivem. Os
filhos rapazes, os irmãos do comandante Catumbela, morreram na guerra. Ele era
o último filho que tinha ficado. Como disse, o pai não aguentou, morreu cinco
dias depois.
Os
cidadãos civis que morreram, se vieram do Chipindo, de Benguela ou de onde for,
são angolanos. Podem ter sido induzidos a práticas não muito sociais, mas
podemos falar. Tudo isso pode ser concertado. Devemos encontrar modelos
diferentes. O passado foi construído com base na manipulação e mentira.
Deveríamos construir um futuro com base na verdade. Essa é a primeira
constatação.
Quanto
à segunda constatação, tenho alguma pena de ter indicadores de que o Presidente
da República é manipulado com mentiras. Na reunião com o Governo Provincial
disseram-nos que havia no Sume bunkers e valas de comunicação. Quando
chegámos lá, não havia nada disso. A minha percepção é aquilo que nos disseram,
é o relatório que mandam para Luanda e que influencia as decisões lá. Para
terem deslocado uma unidade militar do Gove para o Km 25 essa ordem teve que
vir de Luanda. O Comando Militar do Huambo não tem capacidade para fazer
deslocar unidades. As ordens de Luanda foram dadas em função das informações
enviadas daqui.
Ao
nível central do Governo deveriam ter muita cautela quando recebem informações
das províncias. Fazer investigação, perceber melhor, e não só prestarem atenção
ao que o governador ou os serviços de segurança dizem. Essa ideia de que os
Kalupeteka tinham armas não é verdade. Nós recolhemos no local invólucros de
armas. A maioria delas são usadas pela polícia, uma arma chamada Galil. Mesmo
assim ficámos com a impressão de que a área toda foi limpa antes de lá irmos.
As
autoridades negaram à UNITA, às organizações da sociedade civil e aos
jornalistas o acesso ao local. A CASA-CE foi a primeira delegação a
chegar ao local…
Não
nos foi permitido acesso facilmente, nós forçámos. Quando estivemos com o
governador, ele disse-nos que podíamos ir onde quiséssemos, mas sugeriu que eu
deveria ir de helicóptero. Ele arranjaria binóculos para eu ver de cima.
Dissemos que iríamos por terra. Quando chegámos a Caála, fomos directamente à
administração onde encontrámos ordens de que não nos poderíamos deslocar para
lá porque aquela era zona militarizada. Dissemos que não, fizemos uma espécie
de acampamento na Administração. Os nossos carros bloquearam todas as vias de
acesso à Administração. Não sairíamos enquanto não tivéssemos um carro da
Polícia para ir connosco ao sítio. Ficámos ali parados. Pediram-nos para ir
para um hotel esperar, não aceitámos.
Quanto
tempo ficaram lá?
Cerca
de 45 minutos, havia a visita do vice-Governador à Administração,
encontrámos todo aquele aparato. O vice-Governador teve que parar longe e ir a
pé porque nós tínhamos bloqueado os acessos. Disseram que iriam telefonar para
outras instâncias para darem autorização, até que veio uma escolta policial
local que nos permitiu ir. Se não fôssemos intransigentes não iríamos. Se
aceitássemos quando disseram que era zona militarizada, não teríamos visitado.
Fizemos finca-pé, ficámos ali e passaríamos a noite se não permitissem. Mas
eles perceberam que iria dar escândalo e autorizaram.
Isto
foi assim também em resultado do rescaldo da experiência que temos vivido nas
províncias. Enfrentámos coisas inconcebíveis. Há administradores que vêm dizer
“senhor Chivukuvuku agora não há campanha eleitoral, não podem vir ao
município”. Como não? Encontrámos o administrador que disse que só tínhamos
autorização para fazer reunião na administração, reunião na nossa sede e que
depois partíssemos. Fomos ao município da Bibala e disseram à população para
não sair de casa porque os que estavam a vir tinham ébola. Nós, portanto. No
Camucuio meteram cadeados e correntes nos hospitais, trancaram os doentes
dentro das enfermarias para não os visitarmos.
Não
há liberdade de movimentação?
A
experiência e o facto de nunca consentirmos ser travados é que nos permitiu ir
ao Sume. Antes disso já tinha dito ao governador que não temos medo e lhe dei a
ilustração de episódios anteriores, incluindo em Luanda. Quando as
populações da Ilha foram transferidas para Kissama, nós fomos lá. Encontrámos
uma primeira barreira policial, não podíamos passar depois da ponte. Deixámos
os carros e começámos a andar a pé. Vieram helicópteros e mais polícias.
Fizeram uma segunda barreira. Alguns colegas, como a deputada Odeth, foram
violentados. Mas eu não permiti. Só disse, “agarrem-me se tiverem coragem”.
Ninguém quis me agarrar e passei. A postura da UNITA foi diferente. Deram-lhes
a informação de que não estavam autorizados e saíram. Estamos a ser factuais.
Fotos:
Ampe Rogério
O
Rede Angola foi à montanha do Sume e publicará esta semana uma Reportagem
Especial sobre o “caso Kalupeteka”.
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