quarta-feira, 6 de maio de 2015

Angola. “A NOSSA CONCLUSÃO É QUE HOUVE MATANÇA GRAVE!” - Abel Chivukuvuku




Abel Chivukuvuku, líder da CASA-CE, contou em exclusivo aquilo que viu na montanha Sume

Luísa Rogério – Rede Angola (ao)

No dia 16 de Abril último, nove agentes da Polícia Nacional foram assassinados no município da Caála na sequência de confrontos com fiéis da seita religiosa Luz no Mundo, liderada por Julino Kalupeteka. Pouco se sabe do que realmente aconteceu a seguir, mas alegações da chacina de membros da seita têm vindo a ser denunciadas publicamente. Com o propósito de apurar os factos, uma delegação da CASA-CE, chefiada pelo seu presidente, Abel Epalanga Chivukuvuku, esteve no Huambo de segunda a sexta-feira passadas. A delegação desdobrou-se em contactos com o governador provincial, Kundi Paihama, comandos das Forças Armadas Angolanas e da Polícia Nacional, autoridades tradicionais e religiosas. A delegação de Abel Chivukuvuku foi a primeira não ligada às autoridades a visitar a montanha de Sume, onde tudo se passou. Como tudo aconteceu e o resumo das constatações no terreno é apresentado por Abel Chivukuvuku em entrevista exclusiva ao Rede Angola, dada momentos antes de deixar a capital do Planalto Central.

No fim da visita de quatro dias à província do Huambo qual é a percepção que tem da realidade?

Nós viemos, como delegação da direcção da CASA-CE, para podermos perceber, investigar e auscultar o que aconteceu, porque é que aconteceu e como aconteceu. Viemos sem preconceitos e sem julgamentos. O nosso propósito não era procurar culpados, era entender o fenómeno para ajudarmos o nosso próprio país, que já teve muitos traumas no passado, e não permitir que acontecimentos desta natureza se voltem repetir. Assim que chegámos, reunimos primeiro com o Governo chefiado pelo próprio governador, o general Kundi Paihama. Tivemos duas horas de aceso debate. No fim tive um encontro privado, só eu e o general, para podermos evoluir um bocadinho em termos de abordagem que muitas vezes em grupo não é possível fazer. A reunião era muito grande, éramos mais de 30 pessoas dos dois lados. Também nos encontrámos com entidades eclesiásticas de todas as igrejas. Estivemos com o Arcebispado da Igreja Católica e, porque o bispo titular não estava, encontrámo-nos com Dom Francisco Viti e outros padres. Estivemos com os pastores da igreja Congregacional e com a Igreja Adventista do Sétimo Dia, de onde é originário o Kalupeteka. Estivemos ainda com autoridades tradicionais e da sociedade civil, procurando alargar o leque de conversa. Essa foi a primeira fase da abordagem. Depois passámos para a fase da constatação. Fomos à montanha do Sume. Fiáamos duas a três horas lá.

Pode descrever o ambiente que encontrou na montanha do Sume?

Depois vou descrever. Saídos da montanha do Sume, visitámos as aldeias circunvizinhas.

Quantas aldeias visitaram?

Três ou quatro aldeias. Foi difícil encontrar população porque as aldeias estavam quase todas desertas. Por outro lado, como íamos com escolta policial, muitas pessoas fugiam quando viam a polícia. Mas tivemos a sorte de encontrar dois cidadãos que nos descreveram o que aconteceu porque acompanharam de muito perto. Posteriormente fomos a uma aldeia chamada Km 25 onde também falámos com a população. Fomos dialogar com o Comando da Guarnição Militar, que foi ali colocado em Fevereiro deste ano, e visitamos a casa privada do Kalupeteka, que fica nesse posto administrativo. Por último, fomos a Caála para conversar com os responsáveis do município.

No dia seguinte, fomos ao Longonjo porque o governador nos tinha informado, e é público porque saiu na comunicação social, que teria havido alguns desacatos na comuna do Chilata, onde conversámos com uma série de cidadãos. Infelizmente, na Chilata a administradora comunal e os responsáveis policiais fugiram. Encontrámos alguns jovens da polícia, mas não pudemos fazer a auscultação.

No fim da missão, passámos à fase mais sentimental, mais humana, que foi visitar as viúvas dos polícias. Começámos pela Caála e culminámos aqui com a visita à mãe do comandante Catumbela. O pai do comandante Catumbela também acabou por falecer de cisma, de tanto desgosto. Portanto, encontrámos a viúva e a mãe do próprio Catumbela, também viúva. A morte aconteceu dias depois do falecimento do filho. Não conseguiu aguentar.

É minha convicção, com o máximo de honestidade possível nessas coisas de política, de que a seita a Luz do Mundo não representava perigo para a estabilidade do país. Em nenhum momento representava ameaça, até porque a própria seita tinha uma espécie de ambiente de cooperação com o Governo, que lhe foi dando bens. Ele não andava escondido, tinha interacção e diálogo com o Governo. Pelo que nos explicou o governador, no último encontro que tiveram, em Outubro do ano passado, quando o governador foi ao Sume conversar com o Kalupeteka, este tinha prometido que iria dissolver a seita, já que o Governo não concordava com ela. Isto nos foi dito pelo governador. Portanto, não representava ameaça.

É verdade que a seita tinha algumas práticas anti-sociais, e provavelmente não é a única. Muitas das várias seitas que temos pelo país têm práticas anti-sociais no sentido de, em certa medida, não acatarem imediatamente com determinados pressupostos administrativos. Por exemplo, o censo. O que nos foi explicado é que o Kalupeteka não o aceitou. Eles próprios fizeram a lista e mandaram ao Governo. Recusaram-se a dar os dados como religião, etnia, etc. Significa que tinham um ambiente de meia cooperação, mas com as suas próprias regras. Defendiam a teoria de que o ensino formal não é a coisa mais importante. Para eles é o ensino da vida, a vida é escola. Têm esse tipo de práticas.

Outra constatação é que o que ocorreu não aconteceu espontaneamente. Nós conversámos com o Comando Militar, destacado na aldeia Km 25, que foi transferido do Regimento Militar do Gove em Fevereiro para o Km 25 que é o posto administrativo, a aldeia mais próxima da montanha. Fica talvez a cinco quilómetros da montanha, significa que tudo isso estava em preparação.

A acção da Polícia já estava em preparação?

Absolutamente! Mas não é polícia, é um destacamento das Forças Armadas Angolanas (FAA). Deixe-me explicar: o destacamento que visitámos no Km 25 é das FAA. O próprio comandante é que nos explicou que foram transferidos do Gove em Fevereiro deste ano. Por outro lado, a maneira como o assalto ao acampamento ocorreu não foi de um momento para o outro. Teve fases. Na primeira, foi um agente sozinho levar ao acampamento a notificação do mandado de captura para o Kalupeteka e seus seguidores.

Quem expediu o mandado de captura?

O Governo provincial do Bié. Eventualmente o agente da Polícia encontrou hostilidade, pegou na motorizada dele e regressou. Não o agrediram mas, sentindo hostilidade, deixou o mandado e retirou-se. Em função disso, organizou-se a nova operação que ocorreu no sábado antepassado e também teve duas fases. Na primeira fase foi um grupo de agentes da Polícia à civil, em número que não nos foi bem esclarecido, mas anda à volta de dez agentes. Entraram no acampamento. O que ocorreu já não temos detalhes, mas sabemos que foram retidos porque já não voltaram. As outras autoridades perderam o primeiro contacto com esse primeiro grupo que era suposto capturar o Kalupeteka.

Em função disso, e foi o que o governador nos explicou, mandou cercar a montanha. Então vieram efectivos das FAA e da Polícia. Montaram um posto de comando para a operação num campo de futebol que fica a mais ou menos quinhentos metros do acampamento. Os populares explicaram-nos que a partir daí, quando os militares e polícias avançaram, já não foi para falar. Foi a disparar.

Como é o acampamento?

O acampamento tem duas partes. Tem uma parte de culto, numa espécie de descampado com muitas pedras onde se sentavam os crentes, e um altar onde ficavam, de certeza, as entidades da seita. Os disparos foram para essa área onde estavam as pessoas em culto. Por causa desse primeiro grupo de agentes da polícia à civil, o culto tinha parado. Estava tudo silencioso.Parte dos efectivos disparou contra as pessoas que estavam sentadas no culto e outra parte foi destruir o acampamento. Uns queimavam, outros disparavam. Os populares explicaram que ficavam sentados à frente as crianças e as mulheres, e atrás os homens. Era essa a ordem dos cultos. Quando iniciaram os disparos, os crentes começaram a cantar cânticos religiosos. Mas os homens que estavam atrás pegaram em paus, mocas e catanas para reagir.

Os populares foram ouvindo disparos e cânticos. Quando se aperceberam que afinal estavam a morrer, o resto debandou. O cidadão que nos explicou, nos seus relatórios disse que a dado momento deixaram de ouvir os cânticos. Depois de algum tempo, os disparos também pararam. Foi mais ou menos assim que decorreu a operação. Houve mortes e destruição.

Conseguiram apurar o número de indivíduos que viviam no acampamento?

O acampamento era grande. A ideia de que as pessoas ficavam ao ar livre não é verdade. O acampamento está numa encosta, tinha casas de chapa, todas elas bem alinhadas. Como a encosta é uma descida, tinham níveis, uma linha de casas no primeiro nível, depois descia-se ao segundo nível e assim sucessivamente

Aquilo estava bem ordenado. Tinham uma espécie de templo e a seguir o armazém logístico. Portanto, tinham casas bem estruturadas, água com sistema de gravidade, tubos e valas. Tinham energia e pelo que nos deram a entender, o Governo é que ofereceu o gerador. Tinham postes de iluminação com holofotes. Nas casinhas de chapa não havia energia. A energia ia só até ao templo principal e ao centro logístico. Tinham alimentação, encontrámos muita comida dispersa e medicamentos. Não tinham uma vida desumana.

Quer dizer que os crentes não viviam de modo quase primitivo, sem condições mínimas de subsistência?

Nada a ver. Quando fomos à casa do Kalupeteka na aldeia Km 25 constatámos que também foi assaltada e vandalizada pela Polícia. Não tiraram nada, penso que só foram à procura de evidências. Encontrámos tudo estruturado. Havia muitas lavras, todas com arame farpado. O Kalupeteka tinha a casa dele principal, onde vivia a esposa, mais outras três casas onde ficava, uma delas era o centro logístico. Encontrámos mais de 30 sacos grandes de milho na casa da vila, além da comida que encontrámos no campo.

Pelos relatos que obtivemos, tanto do governador como das outras pessoas, o que percebemos é que essa aglomeração de gente veio de muitos lados. Nós recolhemos até bilhetes de identidade, cartões de eleitor de pessoas que vieram de Luanda, do Lubango, etc. Elas foram convocadas pelo Kalupeteka para decidirem o que tinha prometido ao governador no sentido de dissolver a seita. Não quis tomar a decisão sozinho. Foi uma espécie de congresso, peregrinação ou convenção para decidirem o que fazer. É por isso que houve muita gente que veio de outras paragens.

Confirma as informações segundo as quais pessoas de várias províncias teriam vendido os seus bens para viverem na montanha?  

Não confirmo se as pessoas venderam ou não, o que confirmo é que a percepção que tive desse acampamento, dos relatos que ouvi do Governo e de outras fontes, alguns kalupetikistas vieram em peregrinação para regressarem. Deviam decidir sobre a promessa que o Kalupeteka tinha feito ao governador de dissolver a seita. Esse é o entendimento que tivemos.

Outro aspecto, a operação acabou por não ser uma questão policial porque envolveu as Forças Armadas. Até ao momento em que chegámos ao Sume, ainda havia um destacamento das FAA. Na aldeia Km 25 encontrámos o Comando pertencente à unidade do Gove. Portanto, foram forças anti-motim e Forças Armadas.

Está a referir-se à operação pós-morte dos agentes da Polícia?

A operação pós-desaparecimento ou falta de contacto dos primeiros agentes que foram lá à civil. A nossa conclusão é que houve matança grave! Não posso, com seriedade e honestidade, afirmar se houve genocídio ou não, mas matança grave houve. Morreram polícias, mas morreram muitos civis.

Tem alguma indicação de números? Fala-se em centenas de mortes…

Não arrisco números. Só a Polícia é que pode dar números, porque só eles tiveram a possibilidade de contar. Encontrámos muito sangue. Outro indicador, segundo a nossa percepção, é que a maioria das pessoas que morreram podem ter sido mulheres e crianças. Primeiro pela forma como eles se dispunham na hora das cerimónias religiosas e, por outro lado, pelos vestígios no terreno. Encontrámos muita roupa de criança, senhora e fraldas dispersas. Não sei se contei calças. Não me lembro de ter visto calças em todo acampamento. Também não fazia sentido a vandalização da casa do Kalupeteka que era fora do acampamento. Estava lá a esposa que teve de fugir.

Há alguma indicação do paradeiro da senhora?

Os camponeses que encontrámos no terreno só nos disseram que a esposa fugiu antes do ataque e da vandalização da casa. Quando ela se apercebeu que havia tiroteio na montanha, que fica a cinco quilómetros, abandonou a casa. Seria recomendável que as autoridades colocassem lá guardas. Não encontrámos nenhum vestígio das acusações que o Governo faz à UNITA. Encontramos sim, mantas do MPLA. Significa que havia naquela crença religiosa cidadãos que eram do MPLA e trouxeram as suas mantas que tinham a bandeira do MPLA, não da República. Como provavelmente também havia cidadãos da UNITA, do PRS e de outros partidos.

Algumas organizações da sociedade civil e cidadãos comuns no Huambo citam a existência de valas comuns. Tem alguma indicação de onde teriam sido sepultadas as vítimas civis?
Nós ficamos no perímetro mais próximo do acampamento. Vários colegas, e até polícias, foram relatando que sentiam odores. Sentiam cheio de putrefacção. Os colegas achavam que podíamos explorar um bocadinho mais, mas pensámos que não valia a pena. Só isso que podemos afirmar. Não vimos valas.

Tendo havido tantas mortes como é que se pode compreender a inexistência de óbitos em massa, testemunhas ou vítimas? Qual é a leitura da CASA-CE sobre esse “vazio”?

Como era uma espécie de congresso em que vieram pessoas de outras áreas, os convocados não tinham relação com as pessoas daqui. Por outro lado, os populares das aldeias circunvizinhas por onde passaámos, disseram que os fugitivos evitavam ir para aldeias onde não soubessem se havia kalupetequistas ou não. Só fugiam para as aldeias onde sabiam que encontrariam elementos da seita para serem escondidos.

Criou-se um clima de terror e medo. Não confirmo, mas tenho informações de que quando o Governo passou a mensagem de que todos aqueles que não localizassem os seus familiares fossem à casa mortuária identificar corpos, as pessoas tinham medo. Depois circulou a informação de que quem fosse identificar corpo era também conotado como kalupetequista. De modo que acabou só havendo cerimónias funerárias dos agentes da polícia e de mais ninguém.

A Polícia Nacional declara que houve 13 mortos entre a população civil e que todos tiveram funerais condignos.

Onde há uma confrontação com 13 mortos deve haver feridos. Na reunião que tivemos com o Governo pedimos para conversar com os feridos. Se existem, queríamos ir aos hospitais visitá-los. Não conseguimos ver nenhum ferido aqui no Huambo, nem na Caála, no Km 25 ou no Longonjo.

O que sabe sobre a localização e estado de saúde do Kalupeteka?

Informaram-nos que o Kalupeteka está detido. Perguntei directamente ao governador se sabia onde estava o Kalupeteka para o podermos visitar. O governador disse-nos que não sabia, que estava com as autoridades judiciais. Eu disse em jeito de brincadeira, “é possível que como governador não saiba, mas como agente da segurança de Estado que é, e o senhor é que nos disse que é da bófia, sabe onde está”. O Governo só teria mais vantagem, se o Kalupeteka ainda vive, em mostrá-lo. Não sei se vive ou não, mas a nossa démarche foi impossível. O governador não aceitou.

Não há nenhuma garantia de que esteja vivo? Conseguiram identificar algum familiar?

Não sabemos se vive ou não. O nosso propósito ao ir à sua casa era também para ver se identificávamos algum familiar que nos pudesse dizer alguma coisa sobre o senhor Kalupeteka. Não encontrámos ninguém, a casa estava deserta.

Feito o balanço da visita, quais são os próximos passos?

Pena que nós, angolanos, não aprendamos com a nossa vida. Tivemos um passado muito traumático, deveríamos encontrar paradigmas diferentes para o futuro. Não tem nenhum valor hoje nós acusarmos o Governo, ou o Governo acusar a UNITA. Não tem valor nenhum, as pessoas já morreram. O exercício da governação deveria ser antecipar os fenómenos e encontrar modelos de concertação de diálogo para resolver os problemas. Evitar que percamos mais vidas. Os polícias que morreram são cidadãos. Quando fui visitar a família do comandante Catumbela – que quase acabam por ser meus familiares também – senti o drama que vivem. Os filhos rapazes, os irmãos do comandante Catumbela, morreram na guerra. Ele era o último filho que tinha ficado. Como disse, o pai não aguentou, morreu cinco dias depois.

Os cidadãos civis que morreram, se vieram do Chipindo, de Benguela ou de onde for, são angolanos. Podem ter sido induzidos a práticas não muito sociais, mas podemos falar. Tudo isso pode ser concertado. Devemos encontrar modelos diferentes. O passado foi construído com base na manipulação e mentira. Deveríamos construir um futuro com base na verdade. Essa é a primeira constatação.

Quanto à segunda constatação, tenho alguma pena de ter indicadores de que o Presidente da República é manipulado com mentiras. Na reunião com o Governo Provincial disseram-nos que havia no Sume bunkers e valas de comunicação. Quando chegámos lá, não havia nada disso. A minha percepção é aquilo que nos disseram, é o relatório que mandam para Luanda e que influencia as decisões lá. Para terem deslocado uma unidade militar do Gove para o Km 25 essa ordem teve que vir de Luanda. O Comando Militar do Huambo não tem capacidade para fazer deslocar unidades. As ordens de Luanda foram dadas em função das informações enviadas daqui.

Ao nível central do Governo deveriam ter muita cautela quando recebem informações das províncias. Fazer investigação, perceber melhor, e não só prestarem atenção ao que o governador ou os serviços de segurança dizem. Essa ideia de que os Kalupeteka tinham armas não é verdade. Nós recolhemos no local invólucros de armas. A maioria delas são usadas pela polícia, uma arma chamada Galil. Mesmo assim ficámos com a impressão de que a área toda foi limpa antes de lá irmos.

As autoridades negaram à UNITA, às organizações da sociedade civil e aos jornalistas  o acesso ao local. A CASA-CE foi a primeira delegação a chegar ao local…

Não nos foi permitido acesso facilmente, nós forçámos. Quando estivemos com o governador, ele disse-nos que podíamos ir onde quiséssemos, mas sugeriu que eu deveria ir de helicóptero. Ele arranjaria binóculos para eu ver de cima. Dissemos que iríamos por terra. Quando chegámos a Caála, fomos directamente à administração onde encontrámos ordens de que não nos poderíamos deslocar para lá porque aquela era zona militarizada. Dissemos que não, fizemos uma espécie de acampamento na Administração. Os nossos carros bloquearam todas as vias de acesso à Administração. Não sairíamos enquanto não tivéssemos um carro da Polícia para ir connosco ao sítio. Ficámos ali parados. Pediram-nos para ir para um hotel esperar, não aceitámos.

Quanto tempo ficaram lá?

Cerca de 45 minutos, havia a visita do vice-Governador à Administração, encontrámos todo aquele aparato. O vice-Governador teve que parar longe e ir a pé porque nós tínhamos bloqueado os acessos. Disseram que iriam telefonar para outras instâncias para darem autorização, até que veio uma escolta policial local que nos permitiu ir. Se não fôssemos intransigentes não iríamos. Se aceitássemos quando disseram que era zona militarizada, não teríamos visitado. Fizemos finca-pé, ficámos ali e passaríamos a noite se não permitissem. Mas eles perceberam que iria dar escândalo e autorizaram.

Isto foi assim também em resultado do rescaldo da experiência que temos vivido nas províncias. Enfrentámos coisas inconcebíveis. Há administradores que vêm dizer “senhor Chivukuvuku agora não há campanha eleitoral, não podem vir ao município”. Como não? Encontrámos o administrador que disse que só tínhamos autorização para fazer reunião na administração, reunião na nossa sede e que depois partíssemos. Fomos ao município da Bibala e disseram à população para não sair de casa porque os que estavam a vir tinham ébola. Nós, portanto. No Camucuio meteram cadeados e correntes nos hospitais, trancaram os doentes dentro das enfermarias para não os visitarmos.

Não há liberdade de movimentação?

A experiência e o facto de nunca consentirmos ser travados é que nos permitiu ir ao Sume. Antes disso já tinha dito ao governador que não temos medo e lhe dei a ilustração de episódios anteriores, incluindo em Luanda. Quando as populações da Ilha foram transferidas para Kissama, nós fomos lá. Encontrámos uma primeira barreira policial, não podíamos passar depois da ponte. Deixámos os carros e começámos a andar a pé. Vieram helicópteros e mais polícias. Fizeram uma segunda barreira. Alguns colegas, como a deputada Odeth, foram violentados. Mas eu não permiti. Só disse, “agarrem-me se tiverem coragem”. Ninguém quis me agarrar e passei. A postura da UNITA foi diferente. Deram-lhes a informação de que não estavam autorizados e saíram. Estamos a ser factuais.

Fotos: Ampe Rogério

O Rede Angola foi à montanha do Sume e publicará esta semana uma Reportagem Especial sobre o “caso Kalupeteka”.

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