Paulo
Monteiro jr* - Expresso das Ilhas (cv), opinião
Quando
se percorre o país real e se contacta com os actores da sociedade civil, nos
meios rurais e urbanos, para além do manifesto estado de desencanto com o
Governo incumbente, há uma grande questão sempre colocada e em relação à qual
não é fácil responder: se o país tem a capacidade de pagar a sua enorme dívida
externa (pública e privada)?
Um
dos três problemas mais sérios da economia cabo-verdiana é a continuação do
forte endividamento externo público, para o qual o governo não foi capaz de
definir uma estratégia de contenção para valores considerados sustentáveis.
Assim, neste começo do século XXI, o nível dadívida pública externa em
relação à riqueza nacional produzida cada ano aumentou de forma significativa:
de 56.7 por cento em 2000, ela situa-se hoje em 85.0 por cento do produto
interno bruto (PIB), o que representa um significativo agravamento da posição
devedora da economia cabo-verdiana face ao resto do mundo. Destaca-se o facto
de, em 2013, pela primeira vez, a parte dostock de dívida pública externa bilateralultrapassar
a da dívida multilateral, algo inédito na economia cabo-verdiana nestas quase
quatro décadas da existência da República. Sublinhe-se que o essencial da
dívida externa bilateral do país (pública e privada) é para com Portugal.
O
crescimento galopante da dívida pública externa entre 2009 e 2014, o rácio da
dívida pública externa quase duplica, passando de 43.0 por cento para 85.0 por
cento do PIB - só parcialmente decorre da recente crise económica e financeira
europeia e mundial. A evolução da posição devedora da economia cabo-verdiana
deve-se essencialmente a uma abordagem dirigista profundamente errada por parte
do governo assente no aumento da dívida pública face ao exterior para o
financiamento de investimento na construção e obras públicas (estradas
asfaltadas, barragens, casas para todos) e demais sectores não transaccionáveis.
Como os factos indicam os efeitos têm sido reduzidos no crescimento do PIB.
Mas
esta iniciativa desenfreada de endividamento público para o financiamento de
investimento na construção e obras públicas tem sobretudo um triplo efeito
arrasador: (i) aumenta as necessidades de financiamento externo da economia
(ii) limita os recursos de crédito às pequenas e médias empresas – menos
crédito e caro -, asfixiando a iniciativa privada (iii) aumenta o risco –
país e a deterioração dorating da República, adiando o nosso acesso
aos mercados financeiros internacionais.
Numa
visão prospectiva intertemporal, este endividamento externo do perímetro das
administrações públicas equivale essencialmente a impostos futuros. Não é mais
do que tributação diferida que se traduz numa transferência muito onerosa para
as gerações futuras cabo-verdianas. Por um lado, no caso do endividamento
externo, o fardo para as gerações futuras é brutal porque nenhum agente
económico cabo-verdiano residente (famílias ou empresas) recebe como herança
títulos desse endividamento. De um ponto de vista estritamente financeiro, ao
nível global, a transferência líquida de uma geração a uma outra futura é
positiva e corresponde à totalidade da dívida externa. Por outro lado, a
contrapartida real da dívida pública externa em termos do valor do património -
das construções e obras públicas - é nitidamente inferior ao valor actual de
impostos futuros.
É
importante discutir como esses sacrifícios, resultantes das más decisões de
hoje, devem ser repartidos entre todos os contribuintes, incluindo os mais
modestos – através do IVA que pagam desde o primeiro escudo que gastam nas suas
compras mais indispensáveis – que sobrevivam a tanto desgoverno. Será
inteiramente demagógico pretender que é possível poupar todos aqueles que não
deveriam sofrer com eles. Mas a medida desses sacrifícios deveria ser
proporcional às posses de cada um.
Já
não é possível fugir à realidade: o governo incumbente asfixia as empresas
privadas e está a ensaiar uma tragédia grega com a acumulação excessiva de
dívida externa. A questão de não fazer as devoluções do Imposto sobre o Valor
Acrescentado (IVA) e do IUR às empresas e o não pagamento aos bancos das
bonificações de taxas de juros dos empréstimos para aquisição de habitação e
habitação jovem é a opção do governo por um «default» doméstico da
sua dívida, como podia ser a opção do não pagamento dos salários ou das pensões
aos funcionários públicos. Sendo ambas moralmente repugnantes.
Neste
contexto, ao ter avançado com a obrigação das empresas pagarem os impostos
antecipadamente (mesmo antes de efectivarem a venda dos seus produtos ou
serviços!), o governo e o partido que o sustenta demonstram uma falta de
consciência social (dados os custos sociais significativos desta medida) e uma
atitude não amiga das empresas, onde está o grande potencial de dinamismo da
economia.
É
imperativo para o Governo newcomer promover um conjunto de reformas
estruturais, que incluam pôr em ordem as contas públicas de maneira virtuosa,
relançar a iniciativa privada e fomentar uma combinação de vantagens
específicas na economia para a captação de investimento directo estrangeiro,
pilares fundamentais para aumentar o crescimento tendencial da economia
cabo-verdiana e o aumento sustentado de emprego qualificado.
*Prof.
de Economia do ISCJS
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