quarta-feira, 13 de maio de 2015

DESOBEDECER AO “ACORDÊS” – OU COMO DE CÁGADOS PASSAMOS A CAGÁDOS



João Gonçalves – Jornal de Notícias, opinião

Estas crónicas levam no fim uma nota: "O autor escreve segundo a antiga ortografia". Na realidade "o autor escreve em português", era o que lá devia estar. Só não está porque, graças ao "acordo ortográfico" de 1990 - de aplicação "obrigatória" a partir de hoje uma vez terminado o "período de transição" -, a língua portuguesa abastardou-se e ficou à mercê de outros interesses que não o único que interessa: o da sua salvaguarda inteligente.

Basta atentar em títulos de jornais, capas de livros, rodapés das televisões, no "Diário da República", em documentos e "sítios" oficiais, oficiosos e "institucionais" para se ter uma dolorosa ideia do desastre a que conduziram as "facultatividades", as "cláusulas de excepção" e as duplas grafias do "acordo". Os alunos, cuja dificuldade com o Português é conhecida e tragicamente demonstrável, ficaram reféns de uma "novilíngua" imposta pelos manuais escolares pelo que corremos o risco de à "mais bem preparada geração" seguir-se "a mais iletrada e analfabeta". Os miúdos não sabem como escrever o que os afastará do gosto de ler. Penalizá-los nos exames por não seguirem o "acordês" não reforça a disciplina mental indispensável à aprendizagem. Apenas confunde e atemoriza. Porque passa a ser considerado "erro ortográfico" escrever em português e não em "acordês", esse aleijão a meio de lugar nenhum que Crato resolveu apascentar. Por outro lado, insistir no argumentário vulgar da "lusofonia" para defender o "acordo" releva da má-fé política e da ignorância histórica.

Como sugeria Vasco Pulido Valente pouco tempo após o Governo do doutor Cavaco Silva, por interposto secretário de Estado Pedro Santana Lopes, ter subscrito o dito "acordo", "nada em princípio impede Lisboa de se tornar o centro do estudo do português: não só do português de Portugal, mas do português do Brasil e do português de África". E acrescentava: "Convém talvez lembrar que até ao século XVIII não havia outro senão o nosso e que mesmo a literatura brasileira permaneceu até muito tarde tributária dele. O que impede, na prática, que isso aconteça é a política pacóvia de "afirmação cultural"", agora, da patética "lusofonia" que, paradoxalmente, exibirá, findo em 2016 o período de transição brasileira, três tristes normas ortográficas. Legislar sobre uma língua, na afirmação de Miguel Tamen, é uma tontice e outra maior ainda é "imaginar que leis sobre a língua possam ter efeitos". Um, todavia, com certeza terá. O da desobediência.

- O autor escreve segundo a antiga ortografia

* A extensão (-) do título é da responsabilidade de PG

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