João
Gonçalves – Jornal de Notícias, opinião
Estas
crónicas levam no fim uma nota: "O autor escreve segundo a antiga
ortografia". Na realidade "o autor escreve em português", era o
que lá devia estar. Só não está porque, graças ao "acordo
ortográfico" de 1990 - de aplicação "obrigatória" a partir de hoje
uma vez terminado o "período de transição" -, a língua portuguesa
abastardou-se e ficou à mercê de outros interesses que não o único que
interessa: o da sua salvaguarda inteligente.
Basta
atentar em títulos de jornais, capas de livros, rodapés das televisões, no
"Diário da República", em documentos e "sítios" oficiais,
oficiosos e "institucionais" para se ter uma dolorosa ideia do
desastre a que conduziram as "facultatividades", as "cláusulas
de excepção" e as duplas grafias do "acordo". Os alunos, cuja
dificuldade com o Português é conhecida e tragicamente demonstrável, ficaram
reféns de uma "novilíngua" imposta pelos manuais escolares pelo que
corremos o risco de à "mais bem preparada geração" seguir-se "a
mais iletrada e analfabeta". Os miúdos não sabem como escrever o que os
afastará do gosto de ler. Penalizá-los nos exames por não seguirem o
"acordês" não reforça a disciplina mental indispensável à
aprendizagem. Apenas confunde e atemoriza. Porque passa a ser considerado
"erro ortográfico" escrever em português e não em
"acordês", esse aleijão a meio de lugar nenhum que Crato resolveu
apascentar. Por outro lado, insistir no argumentário vulgar da
"lusofonia" para defender o "acordo" releva da má-fé
política e da ignorância histórica.
Como
sugeria Vasco Pulido Valente pouco tempo após o Governo do doutor Cavaco Silva,
por interposto secretário de Estado Pedro Santana Lopes, ter subscrito o dito
"acordo", "nada em princípio impede Lisboa de se tornar o centro
do estudo do português: não só do português de Portugal, mas do português do
Brasil e do português de África". E acrescentava: "Convém talvez
lembrar que até ao século XVIII não havia outro senão o nosso e que mesmo a
literatura brasileira permaneceu até muito tarde tributária dele. O que impede,
na prática, que isso aconteça é a política pacóvia de "afirmação
cultural"", agora, da patética "lusofonia" que,
paradoxalmente, exibirá, findo em 2016 o período de transição brasileira, três
tristes normas ortográficas. Legislar sobre uma língua, na afirmação de Miguel
Tamen, é uma tontice e outra maior ainda é "imaginar que leis sobre a
língua possam ter efeitos". Um, todavia, com certeza terá. O da
desobediência.
- O
autor escreve segundo a antiga ortografia
*
A extensão (-) do título é da responsabilidade de PG
Sem comentários:
Enviar um comentário