João
Manuel Rocha - Público
Se
em países africanos o português é factor de “unidade”, em Timor se se falar
apenas português os jornalistas “não vão perceber”, foi dito no debate “O
futuro da língua portuguesa”.
“Óoauêaió!”
A expressão, sem consoantes, usada por surfistas brasileiros para dizer “Olha o
barulho aí ó você!”, foi o exemplo dado por Paulo Motta, editor executivo d’ O
Globo, para lançar uma questão sem resposta: “Que português falaremos no
futuro?”. O que o debate entre directores e editores de jornais de todos os
países lusófonos permitiu, esta terça-feira, em Lisboa, foi antes a discussão
sobre problemas de afirmação e potencial da língua comum.
Se
a pergunta sobre o português do futuro era meramente retórica e a resposta
exigiria dotes de adivinhação, os participantes não se furtaram ao desafio
lançado pelo moderador, Nuno Pacheco, director-adjunto do PÚBLICO, e disseram
como vêem o presente e “O futuro da língua portuguesa” – tema do debate organizado
pelo Movimento 2014 - 800 anos da língua portuguesa.
“Sem
a língua portuguesa, como é que íamos comunicar?”, questionou Delfina Mugabe,
editora-chefe do jornal Notícias, de Moçambique, lembrando a
multiplicidade de línguas locais no seu país. “Onde existe o problema? A falta
de investimento. O ensino não é prioridade”, lamentou.
Francisco
Carmona, editor-executivo do também moçambicano Savana, apontou o paradoxo
de o português ser “língua oficial e ser falado apenas por uma minoria”.
Defendeu que é preciso, em primeiro lugar, promover o ensino das línguas locais
para, a partir daí, “se aprender o português”, o idioma com que se faz a
política e a economia e que “é o caminho”.
O
optimismo sobre futuro da língua portuguesa foi o tom dominante do debate. O guineense
António Nhaga, d’ O Democrata, recordou Amílcar Cabral, quando disse que a
maior riqueza que o colono deixou foi a língua, e chegou a declarar que “o
futuro da Guiné-Bissau depende do futuro da língua portuguesa”. Tal como Bacar
Baldé, director do Nô Pintcha, apontou um aspecto da actual situação no
país: a influência recíproca do crioulo e do português.
Mas
as dinâmicas são “muito diferentes”, como afirmou o deputado português Ribeiro
e Castro, do Movimento 2014. Se em
S. Tomé e Príncipe, como noutros países africanos, o
português é factor de “unidade”, como também disse Abel Veiga, director do Téla
Nón, não é assim em todo o espaço lusófono. Em Timor-Leste, se numa cerimónia
pública se falar apenas português, os jornalistas “não vão perceber”, contou
Salvador Soares, doSuara Timor Loro Sae.
Defina
Mugabe notou que o português “começa a ganhar espaço nos eventos
internacionais”. Mas, tal como outros participantes, lamentou que os dirigentes
políticos não usem por regra a língua nacional nos fóruns internacionais. “O
grande inimigo do português é o medo de se falar português”, chegou a dizer o
cabo-verdiano António Monteiro, do Expresso das Ilhas. Sabino Lopes, do
guineense Última Hora, criticou o facto de, numa recente deslocação à
Costa do Marfim, o Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados,
António Guterres, ter feito vários discursos em inglês e francês e nenhum em
português.
Só
um maior investimento no ensino – reclamado por intervenientes como Jaime
Langa, director do Notícias, ou Sabino Lopes – poderá permitir que o
português seja aquilo que Filomena Silva, d’ A Semana, de Cabo Verde, o
considera: um “veículo geoestratégico” com “grande potencial, que nos vai
servir a todos no desenvolvimento sustentado”. Ouviram-se críticas à falta de
investimento na difusão da língua e foi apontado o dedo a Portugal. Mas
nesse ponto as opiniões dividiram-se. “Não vejo por que é que tem que se dar
essa responsabilidade a Portugal”, afirmou Sales Neto, do Semanário
Angolense.
Embora
não tenha ocupado o essencial do debate, o acordo ortográfico não este ausente
– “veio desarrumar o português”, considera Sabino Lopes. Mas o futuro da língua
não se encerra na linguística nem na gramática, como observou Paulo Motta. “Em
vez de discutirmos gramática, para a cultura lusófona é importante conquistar
corações e mentes, o que se faz com o fado, com o samba, com o kuduru”, disse
ao PÚBLICO. No debate já tinha dado uma novidade para muitos: “Hoje em dia,
ouve-se mais bossa nova no Japão do que no Brasil”.
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