domingo, 3 de maio de 2015

PORTUGAL APOSTA FORTE NA LAVAGEM DO REGIME ANGOLANO



Folha 8 digital (ao) – 01 maio 2015

Em Portugal tudo serve para lavar a imagem do regime de José Eduardo dos Santos. Com a maioria, ou tota­lidade, dos processos de investigação sobre even­tuais ilícitos criminais que envolvem altos dignitários do regime arquivados, não é de estranhar que a esma­gadora maioria da comuni­cação social lusa também tenha optado por arquivar o jornalismo, substituindo-o pela propaganda e lavagem da imagem do nosso país.

Mesmo estando em Angola, os supostos jornalistas por­tugueses limitam-se a ser correias de transmissão das verdades oficiais. O recente caso do massacre na Caála (Huambo), no passado dia 16, em que dos confrontos entre a “seita” religiosa Ka­lupeteka e forças policiais e militares resultaram em mais de mil (1.000) mortos, revelaram que o que conta é a versão oficial: 13 mortos e não se fala mais nisso.

Mas o branqueamento da imagem do regime de José Eduardo dos Santos, um presidente da República nunca nominalmente eleito e que está no poder desde 1979, teve na portuguesa TVI (importa recordá-lo) o seu mais alto expoente. Foi sabujice e bajulação pura mas, certamente bem re­munerada.

Sob o título “Os caminhos de Angola”, o “jornalista” Victor Bandarra apresen­tou em duas partes, no principal espaço noticioso da TVI, uma alargada publi­-reportagem que resultou de um mês de viagem turís­tica pelo país.

Em Outubro de 2013, o Pra­vda de Luanda (“Jornal de Angola”, segundo o MPLA) atacou forte e feio a TVI, acusando os seus jornalis­tas de serem analfabetos, virando todas as baterias para José Alberto Carvalho (director de informação) e Judite Sousa (directora­-adjunta], tratando-a como a “segunda dama de Seara”.

Nesse texto sobre a “fuga dos escriturários”, o nosso Pravda (que não se inibiu, antes pelo contrário, de contratar Victor Bandarra para palestrar em Luanda sobre – imaginem! – jor­nalismo) é dito que a “TVI apresentou num dos seus noticiários o Jornal de An­gola como ‘a voz oficial do regime angolano’”. Mos­trando ser um paradigma do que de mais nobre, puro e honorável existe no jorna­lismo moderno, o jornal de José Ribeiro, Artur Queiroz e companhia, escreveu que “a TVI é a voz oficial da dona Rosita (Rosa Cullell, administradora delegada da Media Capital, dona da TVI) dos espanhóis” ou, em alternativa, “voz do conde Pais do Amaral, então pre­sidente do Conselho de Ad­ministração da Media Capi­tal“. Mas há mais. “A TVI é a voz oficial de José Alberto Carvalho, que a jornalista Manuela Moura Guedes tratou por Zé Beto e apo­dou de burro”; “o canal de televisão é a voz oficial da segunda dama de Seara, inesperadamente apeada de primeira dama de Sintra”.

Com este cenário, com a reacção do órgão oficial do regime, sendo o nosso país um mercado apetitoso pelo dinheiro marginal que tem, pelos caixotes diplomáticos cheios de dólares que ater­ram em Lisboa, pelos avul­tados investimentos que faz nas lavandarias portugue­sas, a TVI do – citemos o Jornal de Angola – “escritu­rário” José Alberto Carva­lho e da “ex-primeira dama de Sintra”, tinha de fazer alguma coisa, engrossando a sabujice lusa.

E quem melhor do que Vic­tor Bandarra, um “jornalis­ta” amigo do presidente do Conselho de Administra­ção das Edições Novembro, e director do Jornal de An­gola, António José Ribeiro, para lavar a imagem do re­gime e, dessa forma, sanar as divergências entre os “escriturários” de Queluz de Baixo e os crónicos can­didatos ao Prémio Pulitzer?

Feita a escolha, até por que Victor Bandarra é um exí­mio conhecedor dos hotéis de luxo de Luanda, tal como domina a máquina onde numa ponta se põe a Cartei­ra Profissional de Jornalista e na outra sai o diploma de vendedor de banha da co­bra, eis que a equipa da TVI ruma a Luanda para, duran­te um mês, fazer turismo e reunir os ingredientes necessários para o slogan “A TVI lava (ainda) mais branco”.

Quem não deve ter gostado da reportagem publicitária da TVI deve ter sido a sua congénere TPA que, assim, se viu ultrapassada na mis­são de lavagem e propa­ganda. A Televisão Pública de Angola pode, contudo, contratar Victor Bandarra para – como fez o Jornal de Angola – dar lições sobre a arte de bem bajular o dono.

Com um guião que bem po­deria ter sido escrito (se é que não foi) por José Ribei­ro, a esta acção publicitária mascarada de reportagem, intitulada “Os caminhos de Angola”, nem sequer faltou alto contributo histórico­-cultural de Manuel Pedro Pacavira (colaborador da PIDE como consta da folha 84 do Processo Crime nº 554/66 existente na Torre do Tombo, em Lisboa).

No referido artigo do Jornal de Angola sobre a TVI e em que coloca José Alberto Carvalho e Judite de Sousa ao nível da escumalha, diz­-se que “Pedro da Paixão Franco, o príncipe dos jor­nalistas angolanos, dizia que era muito difícil fazer progredir o jornalismo da época, porque da “metrópo­le” chegavam carradas de analfabetos que mal passa­vam o Equador eram logo transformados em jornalis­tas.”

E como é que a TVI res­pondeu a esses insultos? À boa maneira portugue­sa: pondo-se de cócoras e “dando o cu e três tostões”, pela mão de um dos seus (Victor Bandarra), aos que a achincalharam sem apelo nem agravo.

“E em Portugal surgiu um fenómeno notável e que merecia um estudo profun­do. Depois do 25 de Abril de 1974 o analfabetismo foi sendo banido, de uma forma galopante. Até há pouco, ninguém conhecia o segredo de tão simpático sucesso. Só agora se com­preende o que aconteceu. Os analfabetos foram todos a correr para o jornalismo. E como eles dão nas vis­tas!”, escrevia o Jornal de Angola a propósito da TVI, admitindo-se que Victor Bandarra (até por ser amigo do paladino dos paladinos do jornalismo mundial, José Ribeiro) não esteja nessa sargeta.

“Um dia destes, a TVI apresentou num dos seus noticiários o Jornal de An­gola como “a voz oficial do regime angolano”. Os anal­fabetos têm o seu quê de inimputáveis. Mas fica mal a profissionais do mesmo ofício entrarem por terre­nos tão pantanosos. O Jor­nal de Angola é a voz dos seus leitores. E dos jorna­listas que livremente escre­vem nas suas páginas. Nada mais do que isso. Aqui não há vozes do dono nem pro­pagandistas. Há jornalistas honrados que todos os dias tentam dar o melhor que podem e sabem para fazer chegar aos leitores os acon­tecimentos do dia”, dizia o articulista do Pravda numa enciclopédica e, como ago­ra se constata, bem sucedi­da lição de jornalismo ende­reçada aos profissionais da TVI mas, sobretudo, a José Alberto Carvalho e Judite de Sousa.

“O Jornal de Angola tem um estatuto editorial que é se­guido com rigor e sem he­sitações. Se todos fizessem o mesmo, não assistíamos aos espectáculos deplorá­veis que vemos na TVI e noutros órgãos de comuni­cação social portugueses. Se o jornalismo português não estivesse atolado em fretes, se não fosse servi­do por analfabetos de pai e mãe, provavelmente hoje Portugal não estava a ser destruído pela Troika. E os portugueses não viviam angustiados por desconhe­cerem o dia de amanhã”, lia-se no artigo que ajudou decisivamente a colocar a TVI no rumo certo, ou seja, o da subserviência perante aqueles que põe qualquer coisa na mão (ou noutro sí­tio qualquer) dos portugue­ses para os satisfazer.

A cedência dos directo­res de informação da TVI perante esta emblemática “reportagem” que mais não foi do que a lavagem, mais uma, da imagem de um regime, envergonha todos os seus jornalistas e deveria levar à demissão de José Alberto Carvalho e Judite de Sousa. Mas tal não aconteceu. Superiores interesses financeiros e de mercado levam a que a TVI coma e cale. Além disso, provavelmente a convite do Jornal de An­gola, ainda vamos um dia deste ver em Luanda os directores de informação da TVI a ser palestrantes de jornalismo.

O QUE BANDARRA NÃO VIU

Depois de um ementa de lagosta, trufas pretas, caran­guejos gigantes, cordeiro as­sado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supre­mos de galinha com espuma de raiz de beterraba, queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, e vinhos do tipo Château-Gril­let 2005, seria difícil a Victor Bandarra ver alguma coisa para além do que lhe disse­ram para ver.

Compreende-se, por isso, que não tenha visto que:

- 68 em cada 100 dos angola­nos são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome.

- 45% das crianças angolanas sofrem de má nutrição cróni­ca, que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos.

- No “ranking” que analisa a corrupção, Angola está sem­pre no top.

- A dependência sócio-eco­nómica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos, e que o silêncio de muitos, ou omissão, deve­-se à coacção e às ameaças do partido que está no poder desde 1975.

- A corrupção política e eco­nómica seja hoje como on­tem e certamente amanhã, utilizada contra todos os que querem ser livres.

- Angola disponibiliza ape­nas 3 a 6% do seu orçamento para a saúde dos seus cida­dãos, e que este dinheiro não chega sequer para atender 20% da população, o que torna o Serviço Nacional de Saúde inoperante e presa fá­cil de interesses particulares.

- 80% do Produto Interno Bruto é produzido por es­trangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada foi subtraída do erário pú­blico e está concentrada em menos de 0,5% de uma popu­lação. - Em Angola o acesso à boa educação, aos condomí­nios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às li­citações dos blocos petrolífe­ros, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.


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