Afonso
Camões – Jornal de Notícias, opinião
Juntemos
dois ou três canídeos e observemos. Rodopiam sobre si próprios, cada qual
cheirando o traseiro do outro. Na minha terra, chamamos cheira-cus a este
impulso irracional que é também tão comum no condomínio privado em que se
transformou a política caseira, comentadores e politólogos incluídos.
Isto,
a propósito da fumaça gerada pelo lançamento da biografia de Pedro Passos
Coelho e do episódio da revelação de que Paulo Portas (que o próprio desmentiu
e Passos confirmou) se demitira "irrevogavelmente" por mensagem de
telemóvel, no início daquele verão de 2013.
Andou-se
nisto dias a fio. E questionou-se a sinceridade da troca de alianças entre os
líderes do PSD e do CDS, anunciada a 25 de abril. Ora, com a mesma frieza e
calculismo com que geriu a crise de há dois anos, amarrando Portas ao compromisso
de governo, Passos veio esclarecer, de vez, que é verdade o que a sua biografia
autorizada revela em discurso direto, e que não é um episódio desses que ameaça
o fito eleitoral da coligação.
"Passámos
por uma crise verdadeira, não foi uma crise falsificada", disse Passos em
entrevista. "E superámos esse momento porque tivemos a maturidade
suficiente para evitar um desentendimento".
Ou
seja, disse o que quis dizer, para dizer que não esquece. E Portas não tem
outro remédio senão encaixar. Porque é calando agora a divergência que paga a
sobrevivência política.
Como,
aliás, se viu ontem à noite, em Guimarães, onde ambos partilharam o primeiro
comício da mais longa campanha eleitoral da nossa história democrática. Vieram
dizer que a coligação está firme e que desejam, merecem e acreditam na vitória.
Ninguém esperaria que dissessem o contrário.
Passos
e Portas podem até detestar-se, e há dirigentes de ambos os partidos a garantir
que quase não se falam. Mas estão reféns um do outro. Eles sabem, tal como o
PCP, que o sistema eleitoral português favorece as coligações. Esta é uma
escolha de conveniência, que acontece por necessidade. Não resulta de uma
estratégia, mas de um impulso defensivo. Nem Passos nem Portas, eles sabem-no
bem, sobrevivem politicamente a uma derrota eleitoral.
E
do outro lado está António Costa e o PS, para já, à frente na corrida.
Passos
e Costa concordaram esta semana em afastar o cenário de um mirífico bloco
central ou de um qualquer entendimento entre socialistas e a coligação PSD-CDS.
É, até ver, vinagre de campanha. É que, pelo menos um dos três não celebrará a
próxima consoada como líder partidário. Quem sabe se não serão dois.
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