Fernanda
Câncio – Diário de Notícias, opinião
Pela
expulsão da PSP do subcomissário Filipe Silva" é o nome de uma página no
Facebook com mais de 14 mil "gostos". O dobro da petição que exige o
mesmo "ao ministro da Administração Interna" - por acaso ministra.
Inusitado: é a primeira vez que por cá se exige em coro a expulsão de um
polícia por violência e abuso de autoridade. Somos um país muito tolerante com
a violência policial e o conceito de "abuso de autoridade" passa-nos
ao largo. Quem - no Twitter, por exemplo - se insurja contra uma e outro ouve,
invariavelmente: "Preferes os bandidos, não é?" ou "queres o
quê, que a polícia perca ainda mais a autoridade?"
Aliás,
a última vez que uma onda de indignação criou páginas e petições a propósito de
violência policial foi para defender o polícia. 107 mil "gostos" no
Facebook e 99 210 assinaturas numa petição intitulada "Absolvição do
militar Hugo Ernano, condenado a nove anos de prisão por matar criança que
seguia num assalto com o pai", mais 9000 euros angariados numa página que
diz "contribui com o que puderes para esta causa, na defesa dos direitos
quase inexistentes que o Hugo Ernano ou qualquer Profissional das Forças de
Segurança atualmente possuem".
Mas
ninguém parece preocupar-se com os "direitos quase inexistentes" do
profissional das forças de segurança Filipe Silva. O que não é justo, porque o
que ele fez é normal - a normalidade da PSP. Isso mesmo se confirma na reação
dos restantes agentes: todos colaboraram na violência injustificada. Um vem a
correr e derruba o agredido agarrando-o pelo pescoço, por trás (sorte não lhe
partir a cervical) quando este tenta reagir às primeiras agressões; outro
afasta o pai que tenta ajudar o filho; outro agride um circunstante que se
aproxima em protesto. Há ,
é certo, o celebrado agente que agarra a criança em pânico - mas só quando esta
foge; no meio da confusão nenhuma farda se preocupou com ela.
E
depois há o auto. Nele, Silva acusa o homem que agrediu de ameaças e de lhe
cuspir na cara, e o pai dele de injúrias, justificando com isso o uso da força.
Escrito horas depois e decerto após troca de impressões com colegas e
superiores - já se sabia que tudo tinha sido filmado -, o auto não é,
obviamente, a versão de Silva, mas da corporação. Uma versão que, frise-se,
despreza a lei e os regulamentos que estabelecem ser a força para usar apenas e
só em última instância e sempre com proporcionalidade, jamais por vingança ou
desagravo. Mas na cultura da PSP, que este jovem oficial (tem 30 anos) aprendeu
e incorporou e decerto ensina aos subordinados, só há uma lei: a da
autojustificação, do encobrimento e daquilo que se considera ser a defesa da
imagem da instituição - lá está, da "autoridade". Exceto quando,
azar, se é apanhado em vídeo, de cara destapada, e os agredidos são brancos,
benfiquistas, bons pais de família, e pode ser preciso um bode expiatório para
apaziguar os deuses do Facebook.
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