Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
O
que é que o Partido Socialista (PS) nos apresentou esta semana? Um sério
caderno de encargos para governar o país, ou apenas um enunciado de medidas e
procedimentos, esquecendo-se de clarificar aspetos fundamentais do projeto que
deve sustentar a obra?
Por
mim, quanto mais analiso os conteúdos, mais me convenço de que faltam alicerces
firmes ao projeto.
Portugal
precisa de uma efetiva alternativa de políticas e de um Governo novo a quem os
portugueses atribuam um mandato claro, propiciador de capacidade de ação e
negociação no plano europeu e nacional. No cenário político-partidário que vai
estar presente nas próximas eleições legislativas, o PS será, por certo, força
política decisiva para se concretizar ou não aquele objetivo. Daí a importância
do debate das suas propostas.
A
coligação de direita vai desenvolver as suas promessas a partir do faz-de-conta
que "já estamos melhor", da persistência na tecla de que é na
submissão às políticas da União Europeia (UE) e do clube do euro que
encontraremos a saída (única) para todos os problemas. O que não é de
estranhar, pois há uma consonância total entre os objetivos de retrocesso
social e democrático das políticas dominantes na Europa e os objetivos
protagonizados pelo PSD e CDS de amarrarem os portugueses à inevitabilidade da
austeridade e à aceitação da pobreza, enquanto estratégia de recuperação de
privilégios e poder para aqueles que os perderam com o processo democrático
desenvolvido pós-25 de Abril.
O
PS tem de se distanciar deste enredo. Não pode deixar de expor, de forma bem
percetível, quais os condicionalismos que as regras, os tratados e o rumo
político da União nos colocam, sob pena de muitas das suas propostas não
passarem de meras promessas; clarificar como se propõe lidar com a UE sem
acomodação, formulando os desafios e definindo o enquadramento das posições a
levar a cabo nas diversas negociações e renegociações que o nosso país terá,
inevitavelmente, de concretizar nos próximos quatro anos. O êxito dessas
negociações reclama um povo esclarecido e mobilizado e isso faz-se agora, em
tempo de eleições. Ficar à espera de um milagre no seio da UE pode contribuir
para um longo período de desmobilização e de subjugação dos portugueses.
No
meu entender, o PS não pode produzir enunciados de medidas pontuais que
teoricamente nos colocarão numa situação melhor, sem proceder a uma séria
avaliação dos impactos das políticas seguidas nos últimos quatro anos, da
eficácia da sua aplicação face aos objetivos dos seus mentores, da força dos
argumentos ideológicos que as introduziram e se mantêm na sociedade. É preciso
definir rumos novos, afirmando outros objetivos e ideologias que garantam
solidariedade, combate às desigualdades, justiça, desenvolvimento da sociedade
e não mero crescimento.
As
políticas que nestes anos foram impostas na saúde, no trabalho, na segurança
social, na educação, na justiça e em outras áreas constituíram-se como
importantes instrumentos de subjugação do povo, de transferência de riqueza e
de poder para aqueles que já tinham mais, deram origem a uma outra base de
distribuição de riqueza bem mais injusta e são um travão ao nosso desenvolvimento.
Enunciar
medidas dispersas em cada uma destas áreas, sem um compromisso estratégico que
não aceite as soluções para carências de exceção como políticas estruturadas de
normalidade, é insuficiente e pode ser perigosa ilusão.
O
maior fator de agravamento das desigualdades e da pobreza foi a desvalorização
dos salários e do trabalho e não haverá um Portugal desenvolvido com baixos
salários, despedimento mais facilitado, como é proposto, e com os trabalhadores
sem poder negocial perante as entidades patronais.
A
redução da TSU para os trabalhadores é outra caricatura revoltante. As
políticas neoliberais já "ensinaram" os trabalhadores a não se
preocuparem com os salários e a viverem a crédito, talvez por isso o PS venha
agora propor que cada trabalhador conceda a si próprio um crédito, um aumento
dos seus rendimentos de hoje à custa da sua reforma futura.
Tratemos
então das bases do projeto antes dos conteúdos pontuais e dos enunciados
estéticos.
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