domingo, 3 de maio de 2015

VENCER O MEDO



Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião

Em 1890, quando o Dia Internacional do Trabalhador foi, pela primeira vez, comemorado com sentido universal, era grande a miséria, chocantes as expressões de exploração no trabalho e as injustiças e ausências de liberdade marcavam profundamente as sociedades. Os trabalhadores e os povos, com grande determinação, construíram novos e fortes instrumentos de luta social e política e, com eles, procuraram vencer as imensas dificuldades em que viviam, as contradições e os medos que tolhiam as suas vidas. Toda essa determinação e as imensas lutas travadas não impediram que as injustiças e a ganância desmedida estivessem na origem de duas guerras mundiais, mas foram a génese de um extraordinário percurso de conquistas laborais, sociais, culturais, económicas e políticas. As liberdades e a vida em democracia foram paulatinamente alcançadas em inúmeros países.

Hoje, em Portugal, na Europa e em outras regiões do Mundo vivemos expressões dolorosas de um tempo de vingança histórica e uma escabrosa experimentação de retrocesso civilizacional.

Os poderes dominantes propiciam a uma ínfima minoria de indivíduos a apropriação desmedida de riqueza, colocando cada vez mais povos e países a viverem na miséria ou sob programas sociais e económicos de emergência. É preciso uma denúncia certeira da idolatria do dinheiro, da financeirização, muitas vezes estruturada e manipulada por uma tirania virtual, da frieza e violência da mão invisível dos mercados, da corrupção tentacular e da evasão fiscal egoísta, que estão por detrás dos grandes sofrimentos humanos. Neste maio que se quer bem primaveril, impõe-se a todos os que amam a liberdade e não abdicam da democracia que contraponham os valores da solidariedade, da tolerância, da valorização e responsabilização da política, do preenchimento útil e criativo das nossas vidas, da dignificação do trabalho, da Democracia e da Paz. É necessário recusar a possibilidade de planos de assistência em emergência se instalarem como programas políticos definitivos. É imperioso rechaçar inevitabilidades e afirmar alternativas.

Há que trilhar caminhos de combate às situações de exclusão e de marginalização e à sua profunda relação com a ausência de trabalho (nomeadamente, a "inatividade" e o desemprego que atingem brutalmente milhões de indivíduos) e as más condições de prestação e de retribuição do trabalho, relembrando que "o trabalho é uma realidade essencial para a sociedade, para as famílias e para os indivíduos" e bem indispensável da pessoa humana. Temos de valorizar, não as atividades humanas de enriquecimento fácil ou de subjugação de outros, mas sim o trabalho solidário que produz bens e serviços indispensáveis ao desenvolvimento humano, e que sustenta sistemas avançados de segurança social. Como diz o Papa Francisco, o trabalho "estável e dignificado" não é uma miragem, mas sim um direito universal e deve ser "disponível para todos". Isso obriga-nos a questionar este sistema económico em que vivemos que, para acelerar a acumulação capitalista e subjugar grande parte das populações, destrói emprego e procura não criar trabalho, num mundo em que, utilizando-se mais racionalmente apenas uma parte da riqueza produzida, se podia criar milhões e milhões de novos postos de trabalho de grande utilidade e valor.

Quando, como acontece atualmente, a centralidade das políticas abandona o ser humano e se instala a inevitabilidade da pobreza e das desigualdades, a conceção de que há indivíduos que por esta ou aquela razão têm de se submeter, de serem sacrificados ou excluídos, não mais para o retrocesso.

Temos de nos sentir incomodados por nos pensarmos pessoas com medo. Digamos não às instabilidades, às precariedades e inseguranças, ao brutal desemprego e à miséria. Lutemos de forma determinada pelos direitos fundamentais à saúde, a um sistema digno de segurança social, pelo emprego, pelo direito a salários dignos e a horários de trabalho que nos permitam realizar as nossas vidas. Se não o fizermos, inevitavelmente a democracia morrerá. Nestes meses próximos de preparação de eleições legislativas, há que participar e agir vencendo medos.

Sem comentários:

Mais lidas da semana