Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Em
1890, quando o Dia Internacional do Trabalhador foi, pela primeira vez,
comemorado com sentido universal, era grande a miséria, chocantes as expressões
de exploração no trabalho e as injustiças e ausências de liberdade marcavam
profundamente as sociedades. Os trabalhadores e os povos, com grande
determinação, construíram novos e fortes instrumentos de luta social e política
e, com eles, procuraram vencer as imensas dificuldades em que viviam, as
contradições e os medos que tolhiam as suas vidas. Toda essa determinação e as
imensas lutas travadas não impediram que as injustiças e a ganância desmedida
estivessem na origem de duas guerras mundiais, mas foram a génese de um
extraordinário percurso de conquistas laborais, sociais, culturais, económicas
e políticas. As liberdades e a vida em democracia foram paulatinamente
alcançadas em inúmeros países.
Hoje,
em Portugal, na Europa e em outras regiões do Mundo vivemos expressões
dolorosas de um tempo de vingança histórica e uma escabrosa experimentação de
retrocesso civilizacional.
Os
poderes dominantes propiciam a uma ínfima minoria de indivíduos a apropriação
desmedida de riqueza, colocando cada vez mais povos e países a viverem na
miséria ou sob programas sociais e económicos de emergência. É preciso uma
denúncia certeira da idolatria do dinheiro, da financeirização, muitas vezes
estruturada e manipulada por uma tirania virtual, da frieza e violência da mão
invisível dos mercados, da corrupção tentacular e da evasão fiscal egoísta, que
estão por detrás dos grandes sofrimentos humanos. Neste maio que se quer bem
primaveril, impõe-se a todos os que amam a liberdade e não abdicam da
democracia que contraponham os valores da solidariedade, da tolerância, da
valorização e responsabilização da política, do preenchimento útil e criativo
das nossas vidas, da dignificação do trabalho, da Democracia e da Paz. É
necessário recusar a possibilidade de planos de assistência em emergência se
instalarem como programas políticos definitivos. É imperioso rechaçar
inevitabilidades e afirmar alternativas.
Há
que trilhar caminhos de combate às situações de exclusão e de marginalização e
à sua profunda relação com a ausência de trabalho (nomeadamente, a
"inatividade" e o desemprego que atingem brutalmente milhões de
indivíduos) e as más condições de prestação e de retribuição do trabalho,
relembrando que "o trabalho é uma realidade essencial para a sociedade,
para as famílias e para os indivíduos" e bem indispensável da pessoa
humana. Temos de valorizar, não as atividades humanas de enriquecimento fácil
ou de subjugação de outros, mas sim o trabalho solidário que produz bens e
serviços indispensáveis ao desenvolvimento humano, e que sustenta sistemas
avançados de segurança social. Como diz o Papa Francisco, o trabalho
"estável e dignificado" não é uma miragem, mas sim um direito
universal e deve ser "disponível para todos". Isso obriga-nos a
questionar este sistema económico em que vivemos que, para acelerar a
acumulação capitalista e subjugar grande parte das populações, destrói emprego e
procura não criar trabalho, num mundo em que, utilizando-se mais racionalmente
apenas uma parte da riqueza produzida, se podia criar milhões e milhões de
novos postos de trabalho de grande utilidade e valor.
Quando,
como acontece atualmente, a centralidade das políticas abandona o ser humano e
se instala a inevitabilidade da pobreza e das desigualdades, a conceção de que
há indivíduos que por esta ou aquela razão têm de se submeter, de serem
sacrificados ou excluídos, não mais para o retrocesso.
Temos
de nos sentir incomodados por nos pensarmos pessoas com medo. Digamos não às
instabilidades, às precariedades e inseguranças, ao brutal desemprego e à
miséria. Lutemos de forma determinada pelos direitos fundamentais à saúde, a um
sistema digno de segurança social, pelo emprego, pelo direito a salários dignos
e a horários de trabalho que nos permitam realizar as nossas vidas. Se não o
fizermos, inevitavelmente a democracia morrerá. Nestes meses próximos de
preparação de eleições legislativas, há que participar e agir vencendo medos.
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