quinta-feira, 4 de junho de 2015

Angola. A MARÉ INVISIVEL



Aline Frazão – Rede Angola, opinião

Na sua última crónica, José Eduardo Agualusa fez uma observação interessante: “em privado não conheço uma única pessoa que defenda o actual regime, nem sequer os próprios governantes. Em privado, em Angola, todo o mundo é da oposição”, dizia o escritor. Não posso afirmar que não conheça quem defenda com unhas e dentes A Prosa da Situação. Mas é verdade que a maior parte das pessoas que conheço em Angola são, em privado, contestatárias em relação à governação política do país. O que faz desta maré de oposição uma maré invisível é, infelizmente, a sua natureza privada. Confrontar publicamente a classe política do país ainda nos causa medo. Sim, o medo é a grande maré.

E não é de admirar. As consequências para quem levanta a voz existem, embora não em doses iguais para toda a gente. O que é certo é que, enquanto a banda sonora do quotidiano for o “Velha Chica”, de Waldemar Bastos, e continuarmos a não querer incomodar a quem de direito, essa maré, por mais potencial de mudança que contenha, continuará invisível e silenciosa, a ver a banda passar.

Até quando?

A contenção explode, de vez em quando, nas redes sociais, e o cansaço aumenta dia após dia. Um desabafo aqui, uma metáfora ali, rodeios e jogos de palavras, ziguezagues ideológicos, meias-verdades. Somos ricos em recursos estilísticos; pobres na clareza da linguagem. A dualidade nos caracteriza e não sei bem o tamanho da nossa culpa. A ruptura não é fácil mas poderia ser mais fácil.

Temos muitos muros por derrubar. O primeiro ainda é para nós aquele que nos separa da total liberdade de expressão. O segundo é o da desconfiança que sentimos uns dos outros e que nos impede de avançar. Desconfiamos da água que bebemos, até do chão que pisamos. Desconfiamos da nossa própria fotografia. Não há ninguém que seja suficientemente idóneo, suficientemente íntegro. É como se Angola fosse um intrincado labirinto de moradias com telhados de vidro.

A integridade não é dos valores mais apreciados no nosso país. Não queremos ser íntegros. Queremos ter sucesso pessoal, vencer na vida. Não existe um entorno inspirador, verdade seja dita. Mas talvez nos penduremos demasiado nessa carência de referências para desculparmos os nossos próprios pecados.

Talvez devamos começar a pensar em andar pelos próprios pés e não ficar à espera de um salvador da pátria. Não precisamos de ser salvos. Precisamos assumir o papel que nos toca, vestir a nossa responsabilidade como cidadãos de Angola, em 2015. Ninguém vai derrubar muros por nós.

Se insistem em dizer que Angola é um país democrático, terão de nos ouvir gritar que estamos cansados de não ver os nossos direitos respeitados. Estamos cansados da falta de transparência, do afilhadismo, das consequências, da corrupção, da impunidade, da falta de compromisso. Enfim, estamos cansados do medo.

O rio acumula caudal. As marés vão e voltam. Por vezes, é preciso escolher em que margem da História queremos erguer o nosso castelo.

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