segunda-feira, 22 de junho de 2015

Eventual queda do Governo guineense. Os planos do Presidente da República e seus riscos




As divergências que se registam entre os titulares dos órgãos da soberania continuam a ganhar proporções cada vez mais inquietantes. As últimas trocas de mimos através de discursos cruzados entre o Presidente da República, José Mário Vaz e o presidente de Assembleia Nacional Popular, Cipriano Cassamá, demostram claramente a existência de um profundo mal-estar reinante no cimeiro do xadrez político da Guiné-Bissau. Fontes bem colocadas e atentas à crise institucional vigente no país, acreditam que o impasse já atingiu quase a fase crítica. No “braço-de-ferro” com o Presidente José Mário Vaz, o Primeiro-Ministro e igualmente líder do PAIGC, entrou numa “aliança de circunstância” com o presidente do Parlamento guineense, Cipriano Cassamá, em guerra aberta com a Presidência da República desde a retirada, por JOMAV, de motorizada e de uma parte de agentes de segurança enquanto efectuava o seu périplo pelo norte do país.

O incidente suscitou tensão e, de acordo com uma das fontes d’O Democrata, Cipriano Cassamá não conseguiu engolir a tamanha humilhação e queria reagir bruscamente. Terá sido acalmado por alguns diplomatas estrangeiros acreditados no país. Desde então, a sintonia entre Cipriano e Domingos Simões Pereira intensificou, embora tendo cada um a sua própria agenda, a médio prazo.

O casamento do Cipriano com a prematura é interpretado no Palácio presidencial como tentativa de fragilização do Presidente, político sem grande base no partido. O suporte do Braima Camará, rival do actual primeiro-ministro, é desde logo indispensável na estratégia do Presidente Jomav em contornar a influência do chefe do governo com quem as relações foram sempre tímidas e de muitas reticências. Aliás, em jeito de recordação, nas primárias realizadas pelo Comité Central do PAIGC, DSP tinha como candidato preferido, Mário Lopes da Rosa. A indigitação do Jomav só possível graças a combinação de apoios circunstanciais de Carlos Gomes Júnior (Cadog0) que viu a sua candidatura invalidada pela Comissão de Jurisdição por alegada falta de um registo criminal, e do Braima Camará. Durante a campanha eleitoral, embora concorrendo para cargos distintos, a sintonia entre JOMAV e DSP foi escassa, senão inexistente. Mas, a vontade popular obrigou os dois homens, com perfis opostos, a uma difícil coabitação.

O “tumulto” registado na última reunião do Conselho de Ministros, entre o próprio Primeiro-ministro, Domingos Simões Pereira e o responsável pela pasta ministerial da Presidência do Conselho de Ministros e Assuntos Parlamentares, Baciro Dja, é mais um episódio na longa telenovela de impasse que tem vindo a abalar os titulares dos órgãos da soberania. Apesar de pertencerem a mesma família política, o desentendimento deixou de ser uma novidade.

Segundo alguns observadores atentos à vida política nacional, o actual clima de conflitos tem em parte a ver com as “feridas” do Congresso de Cacheu ganho por Domingos Simões Pereira face ao Braima Camará (Bâ Quecuto). As diferentes fases que se seguiram, nomeadamente as eleições, a constituição do elenco governamental (no qual a ala de Braima Camará não faz parte), a nomeação da equipa de conselheiros do Presidente da República, dominada por elementos pertencentes ao perímetro de Bâ Quecuto, foram sempre marcadas tensão e desconfiança. Segundo os nossos informadores, estas situações, associadas a défice de diálogo entre a Presidência e a Prematura, foram a acumulando e começaram a deixar sinais visíveis de choque. A exoneração inesperada de Botche Candé (pedra angular na estratégia de DSP) do Ministério da Administração contribuiu a deteriorar o clima de desconfiança entre o Chefe de Estado e líder do PAIGC.

Um autro elemento de polémica no eixo – Presidência e Primatura – tem sido o ministro Baciro Dja, tido no “entourage” do Primeiro-Ministro como menos fiel e acima de tudo um homem de confiança de JOMAV no governo. Segundo as nossas fontes, Dja não conseguiu esconder a sua preferência pelo pelouro dos Negócios Estrangeiros. Não queria a Presidência de Conselho de Ministros, mas nada podia fazer face à oposição do chefe do governo que preferiu Mário Lopes da Rosa.

“Outro foco de tensão tem a ver com os ataques do Presidente da República contra o governo em quase todos os discursos públicos”, informou uma fonte próximo do círculo da Primatura. De lado do Palácio, a impaciência é justificada como “arrogância e falta de consideração do Primeiro-Ministro em relação ao Presidente”. Sem confirmar a eventualidade da destituição por JOMAV do governo, a nossa fonte reconhece que a situação é de “impasse profundo”.

A actual situação de braço-de-ferro está aquecer as diferentes correntes do PAIGC, onde o Presidente da República está a tentar mudar relações de forças como ilustra bem a recente nomeação dos membros do Conselho de Estado, na sua maioria veteranos do partido em ruptura com DSP na sequência de alegado corte de subvenções a que eram pagos.

O Democrata soube que os veteranos estão divididos face a situação da divergência entre as figuras de Estado. A divisão dos próprios veteranos torna o partido impotente na resolução do problema e por pertencerem a diferentes sensibilidades dentro do partido.

JOMAV RETICENTE, PONDERA PLANOS EM CASO DA QUEDA DE DOMINGOS SIMÕES PEREIRA

O clima de tensão vivido no seio dos governantes leva o Chefe de Estado a pensar numa solução mais extrema, ou seja, a exoneração do executivo liderado por Domingos Simões Pereira. O Democrata soube que no momento o Presidente da República está a ponderar tácticas que possam garantir a sustentabilidade de um governo após a destituição de Simões Pereira. “O Presidente sabe muito bem que essa via tem riscos e consequências imprevisíveis. A tentativa do Presidente tem pouca probabilidade de ter o apoio da população guineense, muito sensível ao derrube de governos”, analisa uma fonte. E mais, permanece intacta a incerteza sobre a capacidade do Presidente em conseguir uma maioria sólida no Parlamento que possa viabilizar a governação. Seja qual for a pessoa indigitada dentro PAIGC para chefiar o governo, a tarefa é complicada na medida em que uma parte importante dos deputados libertadores está com o actual Primeiro-Ministro.

Outra equação desconhecida tem a ver com a posição do segundo maior partido da oposição, o Partido da Renovação Social (PRS, participante do actual executivo) na eventualidade da queda do governo. Um alto dirigente desta formação política disse ao jornal O Democrata que é “muito pouco provável que o partido aceite juntar-se a um governo no meio de uma crise política”. De acordo com a mesma fonte, o PRS não quer ser parte de “problema, mas de solução”. Sem pretender ser categórico, a nossa fonte afirmou que a eventualidade da queda do governo pode mergulhar o país numa crise política profunda.

Perante a impossibilidade de viabilidade de um novo governo, a nossa fonte interroga qual será a alternativa. Um governo de iniciativa presidencial? Dissolução do Parlamento e marcação de novas eleições e financiadas por quem? Da parte da comunidade internacional, os sinais são, de momento, muito escuros.

O Democrata (gb)

*JOMAV é José Mário Vaz, Presidente da República

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