segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A Liberdade de Expressão e de Imprensa começa hoje a ser julgada em Moçambique



Adérito Caldeira – Verdade (mz), em  Tema de Fundo

A Liberdade de Expressão e de Imprensa em Moçambique estará no banco dos réus quando iniciar nesta segunda-feira (31) o julgamento movido pelo Estado moçambicano contra o cidadão Carlos Nuno Castel-Branco e os editores dos jornais MediaFAX, Fernando Mbanze, e Canal de Moçambique, Fernando Veloso. Se o primeiro acto do juiz não for arquivar este caso estará aberto um grave precedente para que a voz dos cidadãos moçambicanos passe a ser silenciada.

“Senhor Presidente, você está fora de controlo. Depois de ter gasto um mandato inteiro a inventar insultos para quem quer que seja que tenha ideias sobre os problemas nacionais, em vez de criar oportunidades para beneficiar da experiência e conhecimentos dessas pessoas, agora você acusou os media de serem culpados da crise política...”, assim iniciava o post que Carlos Nuno Castel-Branco publicou na sua página da rede social Facebook, a 4 de Novembro de 2013, criticando a governação do então Presidente Armando Emílio Guebuza.

“Quem insultou, e continua a insultar, os cidadãos que apontam problemas e soluções porque querem uma vida melhor para todos (mesmo podendo estar errados, honestamente lutam por uma vida melhor para todos)? Quem acusa os pobres de serem preguiçosos e de não quererem deixar de ser pobres? Quem no principio e fim dos discursos fala do maravilhoso povo, mas enche o meio com insultos e desprezo por esse mesmo povo? Quem escolheu o caminho da guerra e a está a alimentar, mesmo contra a vontade do povo maravilhoso?”, continuava o extenso post de Castel-Branco para os seus amigos do Facebook e que acabou por ser publicado pelos jornais MediaFAX, Canal de Moçambique e também pelo @Verdade.

No seguimento da repercussão que a opinião deste cidadão moçambicano, que é um economista de renome nacional e internacional, a Procuradoria-Geral da República, em representação do Estado moçambicano e não do cidadão Armando Emílio Guebuza, instaurou o processo que agora vai a julgamento onde acusa Carlos Nuno Castel-Branco da prática do crime de injúria contra o antigo Presidente da República e os editores de abuso da liberdade de imprensa.

Em Maio de 2014, após uma audição no Tribunal Judicial do Distrito Um, Castel-Branco afirmou não estar arrependido de ter partilhado a sua opinião, crítica ao Presidente e à sua Governação, com os seus amigos na rede social. "Como vou estar arrependido se o post foi feito com a intenção de provocar debate sobre coisas que eu considero serem sérias no país, tenho o direito de fazer essas considerações e continuo a considerar essas questões sérias", afirmou.

Fernando Mbanze, editor do MediaFAX, também afirmou não estar arrependido de ter publicado o post pois era de interesse público e a ideia era ampliar um debate perdido na rede social Facebook. “Abrimos espaço para debatermos as opiniões. Não vimos nenhuma situação de abuso da liberdade de imprensa. E esperamos que seja feita a justiça”, afirmou Mbanze ao jornal Savana.

“O foco da luta deve ser o direito garantido na Constituição”

Entretanto, vários juristas moçambicanos manifestaram publicamente a sua opinião de que este julgamento enferma de inconstitucionalidade.

“A nossa Constituição da República dá o direito de participação política dos cidadãos, no seu artigo 73, e esta participação implica necessariamente a emissão de opinião e crítica política”, afirmou Tomás Vieira Mário, jornalista e jurista que ainda questionou: “Como é que ao exercer um direito se pode estar a cometer um crime?”.

Numa carta de opinião, divulgada em Julho deste ano, Castel-Branco enfatizou que embora ele e os editores dos jornais acusados não tenham vontade de ir para a prisão o que está a ser julgado são as liberdades que que a Lei Mãe consagra em Moçambique. “Sermos ilibados deve ser um dos principais resultados em termos pessoais e em termos de justiça. Mas a luta deve ser pelas questões que estão em jogo e pelas quais lutamos diariamente. Logo, o foco da luta deve ser o direito, garantido na Constituição, à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa, à liberdade de investigação científica, à liberdade de debate político, em suma, o direito de exercício da cidadania de cada um.”

Quando Moçambique continua a ser um dos países mais corruptos do mundo, quando se conhecem cada vez mais os contornos criminosos do negócio da EMATUM, quando se vê funcionários públicos a continuarem a enriquecer ilicitamente, quando milhares de moçambicanos continuam detidos ilegalmente nas prisões sem direito a um julgamento é paradoxal que a prioridade da Procuradoria-Geral da República seja o julgamento de um cidadão que expressou a sua opinião sobre um servidor do público como é o Presidente da República.

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