terça-feira, 18 de agosto de 2015

LIVRES DE BARRIGA VAZIA OU ESCRAVOS… COM ELA CHEIA?




(Quase) todos os jornalistas portugueses estão proibidos, ao abrigo de critérios editoriais (forma simpática para traduzir a censura dos donos dos jornalistas e dos donos dos donos) de falar sobre os crimes cometidos pelo regime de José Eduardo dos Santos.

Orlando Castro – Folha 8, mukandas

Aesmagadora maioria do que aparece na comunicação social (jornalismo é outra coisa) sobre este assunto resulta da reprodução pura e simples do que a Lusa põe em linha. Para além de ser fácil e barato, permite sempre a desculpa mais usada pelos néscios: “quem escreveu isso foi a Lusa, não fomos nós”.

Até mesmo quando a Agência de Notícias de Portugal descobre que Namibe é o nome de um novo país. A Lusa descobriu e, a partir daí, todos os produtores de conteúdos, ao melhor estilo das salsicharias, copiaram e colaram a informação. Por favor, não chamem Jornalismo ao que essas linhas de montagem de textos de linha branca fazem.

Reconheça-se, contudo, que esta é, de facto e cada vez mais de jure, uma forma eficiente de evitar chatices com o dono total de Angola (José Eduardo dos Santos) e com o dono (ainda) parcial de Portugal (José Eduardo dos Santos). Além disso, se Cavaco Silva ou Passos Coelho, António Costa ou Paulo Portas, entendem que Angola é uma democracia e um Estado de Direito, quem julgam os jornalistas que são para os contrariar?

Desde logo porque qualquer contrariedade que revele, mesmo que de forma ténue, a existência de coluna vertebral pode significar – e significa muitas vezes – ficar sem o prato diário de lentilhas.

Se os porta-vozes portugueses do dono de Angola aceitam passiva e atavicamente serem criados de luxo de José Eduardo dos Santos, porque carga de água deveriam os operários das linhas de enchimento de textos de linha branca, agir de forma diferente?

Por alguma razão, o que se passou em Abril de 2001 quando se deu o afastamento compulsivo das equipas de reportagem da RTP, SIC e TVI que estavam em Cabinda, nunca mais algo de semelhante voltou a repetir-se.

José Eduardo dos Santos entendeu que em vez de correr com os jornalistas, o que é sempre chato para um reino que apregoa ser uma democracia, o melhor era comprar quem nesses órgãos tem o poder. E se melhor o pensou, melhor o fez.

De facto a cena de 2001 não voltou a acontecer, não porque Cabinda tenha desaparecido do mapa. Não voltou porque os tais critérios editoriais, de completa submissão acocorada ao poder económico do regime angolano, fazem com que Cabinda deixe de ser notícia, obviamente ao contrário de uma qualquer bitacaia em José Eduardo dos Santos.

Por alguma razão o próprio Sindicato dos Jornalistas portugueses protestou na altura, nunca mais se interrogando (é verdade que também não é para isso que existe) sobre as razões que levam os jornalistas por imposição superior a não falarem do assunto.

Antes, não muito – é certo, havia a censura em Portugal. Hoje não há censura, há autocensura. Antes havia a censura, hoje há os critérios editoriais. Antes havia censura, hoje há audiências. Antes havia censura, hoje há lucros. Antes havia Jornalismo, hoje há comércio jornalístico.

Antes a única tarefa humilhante no Jornalismo era a que se realizava com mentira, deslealdade, ódio pessoal, ambição mesquinha, inveja e incompetência. Hoje nada é humilhante desde que dê lucro ou satisfaça o ego dos senhores feudais.

Antes um Jornalista nunca (nunca) vendia a sua assinatura para textos alheios, tantas vezes paridos em latrinas demasiado aviltantes. Hoje é tudo uma questão de preço.

Antes, se o Jornalista não procurava saber o que se passava no cerne dos problemas era, com certeza, um imbecil. Antes, se o Jornalista conseguia saber o que se passava mas, eventualmente, se calava, era um criminoso. Hoje há cada vez mais imbecis e criminosos.
Antes os Jornalistas erravam muitas vezes. Hoje não erram. E não erram porque há cada vez menos Jornalistas. Assim sendo, as linhas de montagem (em Angola como em Portugal) não precisam de jornalistas.

Tudo o resto são cantigas, tenha o país um governo eleito ou não, seja ou não uma democracia, chame-se Portugal, Burkina Faso ou Angola.

E quando alguns dos fazedores desse produto comercial a que se chama comunicação social, reivindicam o papel de jornalistas, entram logo um funcionamento os chamados critérios editoriais de carácter jornalístico.

E o que é que isso é? É um patamar de decisão ao qual têm acesso privilegiado todos aqueles mercenários que estão no poleiro, seja político, empresarial, cultural etc. e que visa dar cobertura, a troco de apoios financeiros, aos dono de uma sociedade de aparências, de favores, de corrupção, de compadrios, de manipulações.

Hoje, em Angola como em Portugal (por exemplo), a grande maioria aceita fazer tudo o que o «chefe» manda (mesmo sabendo que este para contar até 12 tem de se descalçar, e mesmo assim…), este aceita fazer tudo o que o director manda, este aceita fazer tudo o que a Administração manda, e esta aceita fazer tudo o que dê lucro.

Não deixa, contudo, de ser curioso que – nesta matéria e neste contexto – quanto mais imbecis e criminosos forem os jornalistas, mais hipóteses têm de subir na carreira, seja esta nos media propriamente ditos ou nas assessorias políticas.

Contacte directamente o autor: orlando.s.castro@gmail.com

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