terça-feira, 18 de agosto de 2015

O PARTO DA REVOLTA



Jaqueline Gomes de Jesus* - Afropress

Osram mfiti preko ntware oman -  [A Lua não tem pressa para dar a volta em torno do nosso mundo], provérbio Adinkra.

Como se prepara a revolta? Como se farão as revoltas futuras? Faço alguns apontamentos soltos.

O grande terror que há séculos nos desafia, e ora se radicaliza com o modo como as tecnologias são utilizadas, é o da desumanização. Nós nos tornamos cada vez mais desumanos, mais máquinas. O lema das organizações hoje é o dos recursos.

Tudo é rotulado como “recurso”, objetos, processos e pessoas: recursos materiais, recursos administrativos, recursos informacionais, recursos humanos. Por “recursos” entenda-se a caracterização da vida em função de sua funcionalidade para alguém, seu valor intrínseco deslocado para um “a quê serve”: a árvore serve como papel, o animal como alimento, o humano como instrumento de trabalho.

Como tantas e tantos podem valorizar coisas em detrimento de seres vivos?

Se a sua ciência ou profissão deixou de ser um chão para sua lida e se transformou em correntes para a sua vida, então essas correntes deveriam ser arrebentadas.

De outra forma, sua servidão é voluntária.

O que temos para hoje no Brasil: o recrudescimento de um movimento político obscurantista, de base religiosa fundamentalista, que anseia por reprimir a educação laica; decretar a proibição de as mulheres terem pleno direito sobre os seus corpos; impedir a cidadanização de pessoas discriminadas por sua orientação sexual ou identidade de gênero; promover caça às bruxas contra militantes dos direitos humanos.

Somente sendo iconoclastas podemos ser fiéis.

“Se você confia cegamente na sabedoria dos mais velhos, lembre-se que os canalhas também envelhecem”, palavras de Exu.

“Somente sabedoria e astúcia podem derrotar a força bruta”, palavras de Exu.

Se há um lugar onde nem mesmo deuses conseguem entrar, sem permissão, é no coração humano.

O desespero trará a revolta, mas a revolta não é suficiente. Precisamos de revoluções.

Palestras, aulas e textos têm um efeito multiplicador na denúncia de estereótipos e preconceitos, porém atividades e produtos culturais são mais impactantes para a desestabilização das discriminações, abarcando um extraordinário potencial para transformar as certezas do pensamento social.

A vida é luta. Luta implica, necessariamente, em conflito, embate de ideias e/ou seres. Logo, a vida é conflito.

Entretanto, precisamos aprender a lutar com amor. O ser humano deseja ser amado. Já nos ensinou bell hooks, singelamente, didaticamente, que o amor cura, porém muitos que lutam ainda não compreenderam sua mensagem.

O ódio tem delineado as guerras, pelo medo, mas guerra não é o mesmo que revolução.

Em geral, os paradigmas só mudam quando os seus defensores se retiram dos lugares de fala empoderados, ou quando, simplesmente, morrem. Leia Thomas Kuhn.

Na Era do Conhecimento, as revoluções não se farão por armas de fogo, mas por palavras e imagens.

As guerras de pensamento não encontrarão sua arena em universidades.

O amor será a viga mestra das revoluções na Sociedade da Informação, que serão vencidas pelo convencimento, não pelo medo.

Fazer chorar é fácil, difícil é fazer sorrir.

Que este ensaio sobre amor bata asas, levado pela magia — porque falo de coisas inescrutáveis para alguns, apesar de estarem bem à vista — destas palavras que escrevo, porque se pode pensar e pesquisar com seriedade, sem sisudez. Tola seria se pretendesse esgotar o assunto.

*É psicóloga, doutora em Psicologia Social pela UnB e pós-doutorado pela Esc. Sup. de Ciências Sociais da FGV/Riof

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